Já nos primeiros dias do ano, Leo “Bud” Welch apresenta-se para o mundo no auge dos seus 81 anos como um dos sérios candidatos à personalidade e à “revelação” do ano. Nascido e criado em Sabougla, uma pequena cidade na região montanhosa do Mississippi, em 1932, Welch não entrou para a história como um dos grandes bluesman da sua geração. Ele passou mais de trinta anos de sua vida trabalhando em madeireiras durante o dia, enquanto que à noite ele saía para tocar em pequenas festas, piqueniques, festas caseiras, desenvolvendo um estilo cru e direto de blues elétrico. Nos anos setenta, a quantidade de apresentações diminuiu e Leo Welch acabou sendo atraído para a Igreja, fato que possibilitou a perfeita fusão entre os dois estilos que encontramos no seu primeiro registro em estúdio: a apaixonada forma de cantar do gospel com a sujeira e dureza do blues elétrico do Mississippi. E assim Leo “Bud” Welch ia levando sua vida, até que na fase da vida em que a maioria das pessoas está fechando as portas, concluindo etapas, ele decidiu iniciar uma. Ligou para a Big Legal Mess Records e conseguiu uma audiência, após a qual assinou um contrato imediatamente, entrando no estúdio para finalmente gravar seu álbum de estreia, Sabougla Voices.
Nas suas origens, o blues e o gospel sempre foram ligados um ao outro, assim como, posteriormente, o rock n’ roll. Muitos desses ritmos surgiram no seio da Igreja, um dos locais de congregação entre os negros que trabalhavam nas plantações de algodão, e, naturalmente, o blues acabou absorvendo elementos característicos do gospel. Blind Lemon Jefferson, Leadbelly, Sister Rosetta Tharpe, Blind Willie Mctell, Mississippi Fred McDowell, e muitos outros são conhecidos nesse gênero do blues, tocando sua guitarra acústica e cantando hinos em glória a Deus. Aos poucos, devidos a mitos e ao estilo de vida geralmente duvidoso dos cantores de blues, o gênero acabou sendo associado a música do diabo. O encontro de Robert Johnson com o diabo na encruzilhada, por exemplo, é icônico. Mas, no fundo, eles nunca se separaram. E quem prova isso, da melhor forma imaginável, em pleno século XXI, é Leo Welch, que reconecta os elos que estavam perdidos do grande público há anos. Welch diz, sobre o porquê que, agarrando-se a um, nunca deixou o outro de lado: “I believe in the Lord, but the blues speaks to life, too. Blues has a feeling just like gospel; they just don’t have a book (a Bible).”
A intensidade de Leo Welch já impressiona na faixa de abertura, “Praise His Name”, mostrando vigor tanto na voz quanto na forma de tocar as variações do riff na sua guitarra. Os backing vocals, pela banda de apoio Sabougla Voices, estão presente em todo o álbum, numa interação constante com Welch, típico call-and-response do gospel. “You Can’t Hurry God” é ainda mais irresistível, com um piano sensacional. “Me And My Lord”, pelo contrário, é mais solta e no violão e os backing vocals dão um tom congregacional tão grande que parece que o mundo inteiro está cantando junto, sensação que continua com “Take Care of Me Lord”, mas agora com um destaque especial para a voz de Welch, com uma comoção sincera e intensa.
“Mother Loves Her Children” é outro ótimo blues acústico e mostra, liricamente, um dos seus melhores momentos, sobre o amor materno incondicional. “Praying Time” é, sem dúvida, um dos grandes destaques de Sabougla Voices e é impossível não se sentir transportado para uma Igreja, com todo mundo batendo palmas e dançando desesperadamente. Uma Igreja dessas com certeza eu frequentaria. Sensacional. “Somebody Touched Me” é mais ritmada, mas também muito dançante, possuindo também alguns tímidos, quase inaudíveis arranjos bem interessantes. Já “A Long Journey”, por sua vez, é um divino blues lento, onde Welch mostra um forte domínio vocal, no qual ele coloca toda sua alma. “His Holy Name” a Igreja volta a virar pista de dança para dar glória ao Seu santo nome e, por fim, Welch se despede solitariamente, no violão, com “The Lord Will Make A Way”, lembrando o blues-gospel mais tradicional dos seus antecessores.
Acesse este link para ouvir o stream de Sabougla Voices na íntegra.
A vantagem de lançar o álbum de estréia depois de décadas de atividade é que o artista já se apresenta no auge de sua forma, maduro, sabe exatamente o que fazer o porquê fazê-lo. Sabougla Voices é uma maravilha nos três sentidos, tanto na curiosa história do seu mentor, pela qualidade e honestidade das próprias músicas e pela fusão original e autêntica entre o melhor do blues e o melhor do gospel. Salve Leo “Bud” Welch! Que seja o primeiro de muitos ainda, com a graça do seu Deus!
Nenhum comentário:
Postar um comentário