quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Resenha de Gerry Hundt - Gerry Hundt's Legendary One-Man-Band



Sem dúvida, há os que nascem dotados de talentos musicais, seja na habilidade de cantar, de tocar algum instrumento; outros, no entanto, não; dentre os que nascem com tais competências, há aqueles que sabem tocar, de um jeito ou de outro, vários instrumentos; outros preferem dedicar-se à sua especialidade; Gerry Hundt, versátil músico do blues de Chicago é um exemplo dos primeiros; dentre esses multi-instrumentistas há aqueles que desenrolam tão bem que simplesmente chegam a dispensar uma banda e pensam: “sabe de uma coisa, vou tocar é tudo”; e tem mais ainda: dentre essas “bandas de um homem só” que, por qualquer motivo que seja, acabam tocando e gravando todos os instrumentos do álbum, há aqueles que fazem tudo isso de uma só vez, ou seja, ao vivo. Você provavelmente se pergunta se há alguém que passe por tantos filtros? Sim, há. Esse alguém se chama Gerry Hundt e esse feito está documentando no seu novo disco, com o título sugestivo de Gerry Hundt’s Legendary One-Man-Band, álbum fruto de um trabalho de cinco anos em que Hundt trabalhou com sua banda de um homem só. Hundt, que estreou em 2007, com o disco Since Way Back, já chamou atenção pela sua paixão tanto pelo blues quanto pelo bandolim, um instrumento pouco relacionado à história do gênero. Mas Gerry Hundt’s Legendary One-Man-Band vai além; o som apresentado por Gerry Hundt varia entre especialmente o tradicional blues rural e acústico, um pouco do Delta blues, outro tanto de blues elétrico urbano e vários números instrumentais, representando uma grande variedade dentro do próprio blues. A gravação é ao vivo, realizada entre fevereiro e março de 2015, rústica e sem recursos tecnológicos, prejudicando um pouco a voz de Hundt, mas dando aquele ar antigo e original, o que sem dúvida é como a cereja do bolo para os aficionados em blues. Com certeza, a pouca produção do disco rema contra a maré da moderna indústria fonográfica, mas, na verdade, pouco importa.


O disco, de 15 faixas, conta com mais da metade de músicas originais somadas a clássicos do blues regravados pela legendária banda de um homem só. As instrumentais, que são boa parte das originais, apresentam uma variedade interessante, dentre as quais se destacam a animada “Market Morning Reel”, a faixa que abre o disco, a doce, singela e contemplativa “Sunset” e a dançante “Broadway Boogie”, com a gaita a bateria de pé ditando o ritmo. A gaita, inclusive, é um dos instrumentos que mais se destaca na música de Hundt, funcionando como uma peça centralizadora, e que se encontra junto com o bandolim entre as suas paixões.



As demais faixas originais, de autoria de Gerry Hundt, estão tão enraizadas na tradição que por vezes é difícil diferenciá-las das que são covers. Em “County Line”, com um ritmo irresistível que faz ser impossível impedir as pernas de ficarem balançando, Hundt alterna em solos de gaita e dedilhados no seu violão. “Goin’ Away Baby” e “Broke Down” fecham a conta dos destaques dentre as originais, com a primeira, a gaita como carro chefe, sendo um blues puro e cru, e a segunda, uma das melhores, remetendo um pouco aos moldes do Delta blues.



No grupo de tradicionais do blues, destacam-se primeiramente “Stompin’ & Shoutin’”, uma das poucas em que Hundt faz uso da guitarra elétrica, mas cujo papel é secundário, dando espaço para o som da gaita perambular pela música. A voz suja, rústica, que causa uma certa estranheza em um primeiro momento e pode atrapalhar um pouco a compreensão da letra, sem dúvida é um recurso interessante. Uma das melhores covers do disco é “Walkin’ Blues”, um dos maiores clássicos da história do blues, cantada e tocada por Son House, Robert Johnson e Muddy Waters, só para citar uns. Com “concorrentes” como esses, pode ser meio arriscado colocá-la no repertório, mas Hundt, tocando a bateria com o pé, ainda nos entrega ótimos slides no violão e faz um ótimo trabalho.  “Salt Dog”, bem diferente e rápida, mostra ainda um curioso instrumento que remete aos primórdios do blues, o kazoo. Na faixa seguinte, em “Freight Train”, mantém-se aquele ritmo constante de um trem, só mudou a intensidade: se antes era um pouco mais frenética e dançante, agora é daquelas que a gente senta na janela e fica olhando o cenário e cantarolando. Uma ótima música de viagem.
“freight train, freight train, oh running so fast”. Para finalizar o disco, Hundt faz um medly instrumental de gospel, com “I Shall Not Be Moved / I’ll Fly Away”.



Gerry Hundt’s Legendary One-Man Band é uma viagem pelo tanto pelo universo quanto pelas habilidades musicais de Gerry Hundt, experimentando ao máximo para levar a si mesmo até o limite. Apenas o fato de uma pessoa só gravar ao vivo um disco já é surpreendente. No entanto, o que é incrível mesmo é que ele consiga fazê-lo tão bom e divertido. Com certeza, Barney Stintson, da série norte-americana How I Met Your Mother, soltaria seu jargão clássico: legen... wait fo it... dary!



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