segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Melhores Álbuns de 2015 - Parte V






Sem dúvida, o ano de 2015 ficará marcado na história do blues e da música como o ano em que perdemos B.B. King, aos 89. O luto do blues, no entanto, será inegavelmente bem mais duradouro. Originalmente um estilo executado pela comunidade negra norte-americana e direcionado para a própria audiência negra no início do século XX, foi somente a partir da década de 60, especialmente impulsionado pela grande evidência dada ao blues pelas bandas britânicas, que o blues foi apresentado a um público mundial em escala mundial – e até certo ponto, apresentado para os brancos do próprio Estados Unidos. A partir daí, apesar de ter sido a base para inúmeros estilos da música popular, o blues foi perdendo tanto o público consumidor, seduzido pelos estilos mais modernos, quanto os seus grandes expoentes.  Fora os que já haviam partido até então, os gigantes lendários do blues foram caindo um a um: Sonny Boy Williamson II (1965), Mississippi John Hurt (1966), Little Walter (1968, Skip James (1969),  T. Bone Walker (75), Howlin’ Wolf (76), Muddy Waters (83), Lightnin’ Hopkins (82), Son House (88), Memphis Slim (88), Willie Dixon (92), John Lee Hooker (01), sem contar, claro, com vários outros. Então, em um cenário em que a renovação de grandes nomes no mainstream é difícil e com a perda inevitável dos ícones remanescentes, a morte de B. B. King foi muito sentida e lamentada, tanto pelo seu valor humano quanto pelo seu valor simbólico.

É imerso nesse contexto que o mundo do blues e da música em geral recebe com grande entusiasmo o novo álbum de Buddy Guy, uma das últimas lendas vivas do blues, que acaba de completar 79 anos. Born To Play Guitar tem um duplo valor, igualmente importantes. O primeiro é o valor musical de mais um álbum na carreira desse grande guitarrista, que influenciou a vida de nomes como Jimi Hendrix, Eric Clapton, Jimmy Page, Rolling Stones, etc e que mais uma vez conta com várias participações de peso, tais como Billy Gibbons, da banda ZZ Top, Van Morrison, Eric Clapton (olha ele aí), Kim Wilson, da banda The Fabulous Thunderbird, e Joss Stone. O outro é o valor simbólico que pode estar contido na mensagem que se diz por essas terras tropicais: o blues está vivinho da Silva! Buddy Guy canta sobre o blues com a propriedade conferida de quem viveu para a música e toda a tradição desses nomes que já se foram está presente e pode ser sentida no disco. Além disso, ainda tem uma faixa especial para B.B. King, “Flesh & Bone”, cantada com Van Morrison, e uma emocionante homenagem a Muddy Waters, na música que fecha o álbum, “Come Back Muddy”. Buddy Guy já falou em entrevistas que o último recado dado por Muddy Waters, numa conversa pouco antes de falecer, foi um apelo bem claro: “keep the damn blues alive”. É a isso que Buddy Guy tem se dedicado desde então e Born To Play Guitar é uma declaração apaixonante de amor a um estilo de música, de vida, e, claro, ao instrumento a que está mais associado.

A faixa que abre o álbum dá o tom autobiográfico que reaparece em vários outros momentos do disco. Começa com Buddy Guy acompanhado somente de sua guitarra, mas no decorrer da música vão sendo acrescidos o piano e a bateria. A letra narra sua ascensão, saindo de Louisiana para ser reconhecido no mundo todo por causa do blues e da sua guitarra. “Wear You Out” já é bem mais agressiva, um blues-rock com solos mais vibrantes e a voz rasgada do convidado Billy Gibbons. A parceria funcionou muito bem, Guy com sua voz mais limpa e Gibbons apresentando o outro lado.  “Back Up Mama” é outra que se destaca, com um estilo próximo ao Delta blues eletrificado de Chicago e uma letra que mostra a já clássica malícia sexual bastante presente na tradição do blues “i got a back up mama, if mama number one is not around”. Puro blues. Mais uma vez, Buddy Guy executa belos solos, que se alterna com solos de pianos. Em“Too Late” outro instrumento se insere na equação: Kim Wilson agrega sua intensa gaita e, sem dúvidas, torna o conjunto ainda mais compacto e poderoso, uma locomotiva a pleno vapor. As músicas do álbum inclusive estão mais concisas e curtas, diferentes de outros trabalhos de Guy nos quais algumas das faixas ultrapassam os sete minutos. Em Born To Play Guitar as mais longas ultrapassam pouco os cinco minutos, mas dá a sensação de que pouco ou quase nada deixou por dizer.

 “Whiskey, Beer & Wine” é mais dançante, um pouco funky, feita pra festejar, como o próprio nome sugere e relaxar e se ver livre das preocupações, pois, como Guy diz: “you can fix anything with whiskey, beer and wine”. Quem irá questionar o velho Guy nessa?  Ainda dá tempo para uma homenagem ao “good ol’ days”. Em “Kiss Me Quick”, Kim Wilson faz novamente um trabalho vigoroso na gaita. As duas faixas que contam com sua presença são as menores do disco, mas são talvez as mais intensas. “Crying Out of One Eye” apresenta um conjunto de metais, que deixa o clima mais soul. A letra é muito interessante, mostrando a falsidade do sofrimento, enquanto está rindo e saindo por aí. “when you say goodbve you were only crying out of one eye”. Ótima imagem. “(Baby) You Got  What It Takes” é a vez do dueto de Buddy Guy e Joss Stone, com sua voz sensual.

Depois da sequência de participações, uma série de Buddy brilhando sozinho com sua guitarra. “Turn Me Wild” parece ter um tom biográfico em sua relação com o blues e a guitarra. “didn’t learn nothing from a book, no I never took a leason, when it comes to the blues I do my own kinda of messin’”. Ao invés de um garotinho que sempre andou na linha, o blues o deixou como um cachorro vira-lata procurando a toca do coelho. Em “Crazy World” Buddy Guy deixa um pouco de lado os temas mais tradicionais do blues, geralmente bem mais regional, para refletir a situação meio insana do mundo na atualidade, como violência, concentração de renda, fome, e outras das mazelas da sociedade global. É como o blues saísse do sul norte-americano para ver o seu reflexo também em esfera mundial. “Smarter Than I Was” tem um riff constante e a voz de Guy um tanto distorcida e gritantes solos de guitarra.

A parte final é um tributo ao blues, claro, e a dois gigantes do gênero. “Thick Like Mississippi Mud”, mais um dos grandes destaques álbum, já começa atestando uma das grandes verdades do blues: “good whiskey and women can drop you to your kness”. Os momentos mais emocionantes sem dúvidas ficam para as duas últimas faixas. “Flesh & Bone”, com a participação de Van Morrison, é dedicada a B. B. King, falecido em maio desse ano. Segundo Guy, a música já havia sido gravada quando ficou sabendo da morte do amigo. A letra, com a música no clima religioso, repleta de órgãos e corais, fala exatamente da mortalidade. “This life is more than flesh and bone / find out now before you gone / when you go your spirit lives on / this life is more than flesh and bone”, diz o refrão. Por fim, “Come Back Muddy” é uma tocante e sincera música saudosa de Muddy Waters, falecido em 1983. A delicada canção, acompanhada pelo violão e piano, mostra a falta que Waters faz tanto artisticamente (“come back Muddy, Lord knows you can’t be replaced”) quanto pessoalmente (“come back Muddy, man I sure miss your face”).

Born To Play Guitar não pode ser visto como mais um número no catálogo extenso e bem sucedido de Buddy Guy, vencedor de vários Grammys (provavelmente ganhará mais um agora). É muito mais do que isso; é maior do que o próprio Buddy Guy ou qualquer outro; é uma reafirmação não só de um gênero musical, da vida de um artista ou de um instrumento específico: é a reafirmação da contribuição e dedicação de todos os que vieram antes e já se foram, dos que ainda estão por aí e dos que ainda virão. Acima de tudo, é a constatação de que o blues está, sim, vivo pra caralho, viu Muddy (e todos os outros)? Podem descansar em paz.  








Diante disso, Já É pode entrar na lista de um dos melhores trabalhos da carreira de Arnaldo Antunes. A sua já conhecida e qualidade lírica e poética de grande compositor, que sempre esteve presente nos seus discos, uniu-se mais uma vez com uma variedade sonora bastante interessante, que estava ausente nos últimos dois trabalhos, que tinham uma proposta bem limitada e definida. Então, quando eu digo e reafirmo que Arnaldo Antunes é o melhor compositor brasileiro da atualidade, já posso ouvir a resposta: “Já É”.









O que realmente torna I Don’t Prefer No Blues um clássico atemporal do blues é a performance e a estrela de Leo “Bud” Welch: blues é emoção, sentimento, autenticidade, o momento; e é tudo isso que exala durante os trinta e cinco minutos da música desse senhor que passou tocando o blues no anonimato sua vida inteira. Ainda bem que agora ele está tendo a oportunidade de levar sua música ao mundo.








A Mulher do Fim do Mundo é um dos discos mais interessantes do ano em diversas esferas; musicalmente, o álbum transita de forma muito natural e elegante entre diversos gêneros musicais, como o samba, claro, o rock, o eletrônico, dentre outros; e, principalmente, o âmbito lírico não fica submisso ao campo sonoro e, por isso, A Mulher do Fim do Mundo é um excepcional fruto do seu próprio tempo, com letras bastantes críticas sobre as transformações, desafios, problemas e retrocessos que testemunhamos diariamente na sociedade brasileira. As temáticas são amplas e vão desde a violência doméstica, a violência policial nas periferias, questões de gênero como feminismo e sexualidade. Ou seja, Elza ainda tem muito o que dizer!





05. Tobias Jesso Jr. - Goon




O estreante Tobias Jesso Jr. é a revelação do ano. As belíssimas músicas construídas ao piano em Goon o gabaritou, por exemplo, a ser um dos colaboradores do novo álbum de Adele, com a música “When We Were Young”. Mas Goon prova que Tobias Jesso Jr. é um compositor versátil e craque no quesito de melodias.





06. Johnny Hooker - Eu Vou Fazer uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!



Johnny Hooker é um artista que transitava já há algum tempo pela cena underground de Recife, mas aos poucos foi conquistando cada vez mais espaço com participações em trilhas sonoras, seja de filmes, como Tatuagem, com a música “Volta”, ou novelas como Babilônia e Geração Brasil, com as músicas “Amor Marginal” e “Alma Sebosa”. Com Eu Vou Fazer uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!, Johnny Hooker recebeu aclamação nacional e participou dos principais programas de auditório da televisão brasileira. O lirismo que transborda de Hooker é impressionante.









Depois do drama vivido, Walter Trout acaba por nos entregar o melhor álbum de sua carreira. Claro que a carga emocional tem um impacto profundo nas músicas e as fazem ter uma conotação ainda mais forte. Mas é a honestidade que faz com que Trout consiga nos transportar um pouco que seja para sua vida. As cicatrizes da batalha são as lições que ele aprendeu em sua jornada, as quais ele consegue repassar um pouco delas para nós, ainda que não passemos pelo drama que ele passou. Um drama pessoal não é o suficiente para um bom álbum. Pode ser mais tentador do que parece tentar esconder profundas experiências pessoais e espirituais por trás de clichês. E definitivamente não é isto que Walter Trout faz em Battle Scars.





Gerry Hundt’s Legendary One-Man Band é uma viagem pelo tanto pelo universo quanto pelas habilidades musicais de Gerry Hundt, experimentando ao máximo para levar a si mesmo até o limite. Apenas o fato de uma pessoa só gravar ao vivo um disco já é surpreendente. No entanto, o que é incrível mesmo é que ele consiga fazê-lo tão bom e divertido. Com certeza, Barney Stintson, da série norte-americana How I Met Your Mother, soltaria seu jargão clássico: legen... wait fo it... dary!




09. David Michael Miller - Same Soil


David Michael Miller está numa trajetória crescente na sua carreira. Same Soil é o segundo disco desse guitarrista e, desde o título, passando pela capa até às músicas propriamente ditas, funciona como uma celebração dos estilos de raiz da música americana, especialmente o blues, gospel e soul. Um som vibrante do início ao fim. 






Parte I 50 a 40
Parte II 39 a 30
Parte III 29 a 20
Parte IV 19 a 10

Um comentário:

  1. 'Turn me wild' de buddy guy é uma das coisas mais bonitas que já ouvi. Acho que é uma metamúsica porque diz tanto do que o blues é do que o blues causa na gente.

    "Blues done turn me wild
    It's gone deep down in my soul
    Blues done turn me wild
    It's gone deep down in my soul
    I get like an old hound dog
    Playing on a rabbit's hole..."

    Adorei a postagem, é sempre bom te ler e conhecer coisas novas da música. Você escreve bem e é tão bom saber que você ainda persiste em escrever um blog em um momento que as pessoas têm preguiça de ler.
    A música é algo inerente à alma, aos nossos cotidianos internos e externos. Pra mim, o blues é um guarda-roupa da alma, do sentires acumulados e silenciosos que só são materializados através dessas músicas blue[s].

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