terça-feira, 31 de maio de 2016

Resenha: Eric Clapton - I Still Do


                São poucos os que, mesmo dentre os mais notáveis, possui a história e a carreira como a de Eric Clapton. Ele podia ter entrado para a história apenas como um dos que levaram de volta o blues para o grande público branco e de classe média dos Estados Unidos, mas não; poderia ser reverenciado como um grande cantor de blues apenas pelos aficionados do gênero, mas também não; Clapton poderia ser apenas o “deus da guitarra” para os mais classicistas do rock, mas também não seria o bastante; por fim, ele poderia ser apenas um grande expoente da música pop, mais um que venderia milhões e milhões de discos e tocaria diariamente nas rádios, mas quantidade não corresponde à qualidade.  Se não bastaria ser apenas um desses, que tal ser tudo isso? Bem, eis Eric Clapton. Aí você pergunta, é o bastante? Seria para qualquer um, mas Clapton acha que não e seu novo disco, o seu vigésimo terceiro, I Still Do, é declaração de amor à música, à música que ele ama. No decorrer de 12 músicas, Clapton nos entrega duas faixas inéditas e o restante são regravações de músicas de artistas que ele admira, transitando um pouco por cada estilo que o consagrou, blues, rock e até mesmo um pouco de reagge. Para I Still Do, Clapton se reuniu novamente com o mesmo produtor do seu grande álbum Slowhand, Glyn Johns.





                I Still Do circula ao redor de três eixos gravitacionais, cada qual com seus destaques e representando algumas facetas importantes na carreira de Eric Clapton: o primeiro desses eixos centrais é, e não poderia deixar de ser, o blues.  Através de ótimas escolhas de covers, mais uma vez Clapton utiliza seu espaço e seu talento para mais uma declaração ao gênero musical que transformou sua vida. A faixa de abertura é a ótima “Alabama Woman Blues”, de Lorey Carr, com ótimos solos de guitarra e teclado. Com certeza Clapton não deixaria de fora um de seus grandes ídolos do blues; Robert Johnson está presente na faixa “Stones In My Passway”. A surpresa aqui fica com um artista pouco tocado por Eric Clapton, ou seja, Skip James. Clapton fez uma incrível versão da faixa “Cypress Grove”, dando um toque mais especial ao disco. O outro eixo central são as duas músicas inéditas, compostas pelo próprio guitarrista britânico. A primeira delas é a ótima “Spiral”, bastante nostálgica e na qual Clapton reafirma seu desejo de continuar tocando e criando música. “You don't know how much this means / To have this music in me / I just keep playing these blues / Hoping that I don't lose”. O trabalho de guitarra que Clapton desenvolve na faixa sem dúvida se sobressai diante de praticamente todo o álbum. A segunda é a romântica “Catch The Blues”, num ritmo quase samba, com solos de guitarra deslizando pela música.  




                O terceiro centro gravitacional é tributo a artistas que Clapton admira bastante e de músicas tradicionais do mundo pop que de alguma forma o marcaram. Dentre eles estão J.J. Cale (para o qual Eric Clapton já dedicou um disco inteiro, em 2014), com “Can’t Let You Do It” e a maravilhosa “Somebody’s Knockin’”, que abre o show comemorativo Slowhand At 70 – Live At The Royal Albert Hall, gravado em 2015, e Bob Dylan, com a versão de “I Dreamed I Saw St. Augustine”. O disco ainda guarda alguns belos atos, como o momento reagge, que fica a cargo do misterioso dueto “I Will Be There” (ninguém sabe quem canta na faixa, junto com Clapton). As teorias da conspiração já começaram, e conjecturaram que poderia ser ou uma gravação perdida dos arquivos de George Harrison ou até mesmo o filho de Harrison, já que o vocal está creditado para Angelo Mysterioso, parecido com o nome que Harrison assinava colaborações escondidas com outros artistas (L’Angelo Mysterioso). “Little Man, You’ve Had a Busy Day”, uma desolada balada no violão para se ouvir de olhos fechados depois de um dia bastante difícil. “Come along there soldier, and put away your gun / The war is over for tonight”. Também tem lugar para um gospel tradicional em “I’ll Be Alright”. Por fim, Clapton finaliza com “I’ll Be Seeing You”, que foi popularizada por Billie Holiday.

                O diferencial de um álbum novo de um artista já consagrado é que ele não compõe pressionado, não tem nada mais a provar a ninguém, o que torna o álbum despretensioso e, de certa forma, revelador de um lado mais pessoal e humano do artista. É algo que acontece com vários desses deuses do rock, como Paul McCartney e Bob Dylan mais recentemente. Não nos compete comparar com os clássicos feitos do passado, apenas desfrutar de mais alguns momentos musicais agradáveis com um gênio da música, algo quase em extinção. I Still Do é um álbum leve e que mostra que Clapton ainda tem o blues. Sugere-se que este pode ser o último disco de sua carreira, de acordo com uma nota que o próprio escreveu; nesse caso, seria uma delicada, singela e suave despedida. 



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