Tem gente que possui um talento
nato de transmitir algo profundo através da música. Sem dúvidas, uma dessas
pessoas é Mark Kozelek, que atinge o pico em sua produção artística no sexto
álbum sua banda Sun Kil Moon, chamado Benji. Kozelek já é um expoente
importante do indie há mais de dez anos, inicialmente com sua banda Red House
Painters, e sempre explorando o lado melancólico nas suas composições, umas
basicamente acústicas, enquanto outras puxando mais pelo lado de Neil Young
elétrico. Mas nada que se tente explicar aqui da trajetória de Mark Kozelek
prepara o suficiente para o que é visto, ouvido e, principalmente, sentido, em
Benji. É um álbum que requer um alto
nível de concentração, no qual para ser possível entrar completamente nele é
preciso entender as letras e o que ele está falando. O resto, na maioria das
vezes, é apenas o complemento servindo a um propósito maior.
Aos 47 anos, Kozelek entrou
naquela fase da vida onde questionamos e filosofamos sobre a mortalidade, sobre
nossa passagem por esse plano e, sobretudo, a fragilidade da nossa existência.
No fundo, é disso que Benji trata, através de onze músicas onde praticamente em
cada uma alguém morre. Com certeza Kozelek não foi o único que se debruçou
sobre as visitas da morte, mas poucos dos que fizeram lograram de tanto êxito
quanto Kozelek, com uma clareza de imagens, um distanciamento do mundo em sua
voz, como um narrador totalmente impotente diante das perdas da vida, não
importa se é algum parente próximo ou uma prima em segundo grau que não se
conhecia direito, ou uma tragédia de grandes proporções; não importa. A morte
sempre deixa um sentimento devastador por onde passa. A, então, mortalidade
impregnada durante todo o álbum.
Benji inicia com “Carissa", da forma que irá continuar
por algumas músicas, apenas Mozelek e seu violão, no maior estilo trovador.
Mas, como em todas as faixas, o conteúdo é muito mais importante do que os
arranjos e efeitos. Numa melodia linda, ele apresenta Carissa, prima em segundo
grau, e evidencia a proximidade da morte mesmo no distanciamento familiar. Carissa
morreu em um estranho acidente com fogo, diante de uma caixa de aerossol
explodiu no lixo e já era. Daí Mozelek remete as imagens que tinha de Carissa,
nas poucas vezes que a tinha visto, e começa vários e profundos questionamentos
sobre as probabilidades e como a vida pode extinguir totalmente por um detalhe,
por uma besteira, como, no caso, a pessoa ir tirar o lixo e explodir tudo. Por
fim, Mozelek apenas quer dizer que mesmo sendo uma prima distante em segundo
grau, não impede de fazer da vida dela poesia e ficar conhecida através dos
mares. “She was only second
cousin but that don't mean that I'm not here for her or that I wasn't meant to
give her life poetry to make sure her name is known across every sea”. Lindo.
Como pode ser mais impactante do que isso? "I Can't
Life Without My Mother’s Love" trata talvez do sentimento mais universal
do mundo, o medo de viver num mundo onde não se encontra mais a mãe, o seu amor
e o seu abraço. E a letra é simplesmente linda. Juntamente com um violão
dedilhado, Mozelek imagina cenários dos mais absurdos e impossíveis e diz que
antes viver assim do que viver sem o amor de sua mãe. A morte continua presente em “Truck Driver”,
dessa vez com o seu tio, morto pelo fogo no dia de seu aniversário.
Quando uma banda completa começa a tocar em "Dogs"
é como uma chegada de alguém muito agradável, mas que estávamos tão atentos às
histórias que estavam sendo contadas que acabamos esquecendo que não estava
mais ali. Ela também introduz novos ares, menos emocionalmente carregadas, mas
ainda com um tom confessional e até nostálgico de Mozelek, enquanto narra as
suas primeiras mulheres, primeira namorada, primeiro amor, primeiro sexo. Desde
Katy Kerlan, aos cinco anos, Patricia, e o presente Animals, do Pink Floyd, que
os dois ficavam escutando “Dogs”. Entre todas as idas e vindas, encontros e
desencontros, das mulheres em sua vida, Mozelek passa a filosofar de forma mais
geral: “Get your own trash, the cycle's on and on. And nobody's right and nobody's wrong. All her
shakes sometimes we were drawn. It's a complicated place, this planet we're
on.”
Em “Pray for Newtown” a tragédia sai do plano individual e
entra no coletivo, contanto a história de James Huberty que entrou no
restaurante atirando em todo mundo, dentre várias outras, inclusive o caso do
Batman no cinema e a tragédia do tiroteio em Newtown. “When you're gonna get married and you're out
shopping around, take a moment to think about the families that lost so much in
Newtown."
Outro personagem é introduzido no universo de Mozelek, “Jim
Wise”, um amigo de seu pai, mais um tocado pela tragédia em sua vida, enquanto
está preso em regime domiciliar. A figura paterna é o principal no outro pronto
alto de Benji, “I Love My Dad”, com a banda completa e mais animada que as
outras, contando sobre as lições de vida do seu pai, às vezes duras demais,
outras vezes fortes lições. “Life
is short young man, get out there and make the best of it while you can”. As
referências musicais, inclusive, estão por todo o álbum, como Pink Floyd, The
Doors, Led Zeppelin, David Bowie, no meio das situações mais inusitadas, como
na longa faixa “I Watched The Film The Song Remains The Same”, do Led, onde
tocou mais neles as faixas mais calmas, como “The Rain Song”, “No Quarter”, e
como era sua personalidade melancólica desde quando pequeno. “I'll go to my grave with my melancholy and my ghost will echo my
sentiments for all eternity”
A próxima faixa, “Richard Ramirez Died Today Of Natural
Causes” meio que fala por si só, um assassino do sul da California, que viveu
até os 83 anos. Mas o principal aqui é o achado de Mozelek de um recurso que
chegará ao máximo na faixa final, um vocal sobreposto ao outro que fica muito
interessante. “Micheline” é mais uma muito boa, contando histórias aparente
independentes entre si, de Micheline, seu amigo Brett e a sua avó, mas
conectadas pela linha trágica da morte.
Mas a cereja do bolo é, de fato, a faixa final, “Ben’s My
Friend”, a mais diferente e destoante das demais, inclusive com uns arranjos
maravilhosos de instrumentos de sopro e um ritmo meio hip hop. Aqui, aquele
recurso de vozes sobrepostas se completa e fica um resultado magnífico. Enquanto
o melhor das outras músicas eram as histórias e as letras, aqui é finalmente a
sonoridade.
Benji é um álbum que faz você pensar na vida e na morte.
Mozelek faz da sua viagem espiritual, sobre as pessoas que passaram pela sua
vida, sobre suas experiências, uma jornada universal sobre uma das maiores
angústias dos seres humanos: tentar racionalizar e compreender a morte,
tentando lhe dar um significado. Ao fim, cada um decide se chegou a esse nível
de compreensão ou não, mas esse não chega a ser o seu objetivo. Como disse em
“Carisse”, ele só quer fazer disso um pouco de poesia e transmiti-la pelo mundo
afora. Isso ele conseguiu.
ótima resenha e ótimo disco, grande candidato a um dos melhores do ano. Também fiz um review, se quiser conferir: http://www.jooqebox.com/review-sun-kil-moon-benji/
ResponderExcluirObrigado!