segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Resenha: Sun Kil Moon - Benji


Tem gente que possui um talento nato de transmitir algo profundo através da música. Sem dúvidas, uma dessas pessoas é Mark Kozelek, que atinge o pico em sua produção artística no sexto álbum sua banda Sun Kil Moon, chamado Benji. Kozelek já é um expoente importante do indie há mais de dez anos, inicialmente com sua banda Red House Painters, e sempre explorando o lado melancólico nas suas composições, umas basicamente acústicas, enquanto outras puxando mais pelo lado de Neil Young elétrico. Mas nada que se tente explicar aqui da trajetória de Mark Kozelek prepara o suficiente para o que é visto, ouvido e, principalmente, sentido, em Benji.  É um álbum que requer um alto nível de concentração, no qual para ser possível entrar completamente nele é preciso entender as letras e o que ele está falando. O resto, na maioria das vezes, é apenas o complemento servindo a um propósito maior.

Aos 47 anos, Kozelek entrou naquela fase da vida onde questionamos e filosofamos sobre a mortalidade, sobre nossa passagem por esse plano e, sobretudo, a fragilidade da nossa existência. No fundo, é disso que Benji trata, através de onze músicas onde praticamente em cada uma alguém morre. Com certeza Kozelek não foi o único que se debruçou sobre as visitas da morte, mas poucos dos que fizeram lograram de tanto êxito quanto Kozelek, com uma clareza de imagens, um distanciamento do mundo em sua voz, como um narrador totalmente impotente diante das perdas da vida, não importa se é algum parente próximo ou uma prima em segundo grau que não se conhecia direito, ou uma tragédia de grandes proporções; não importa. A morte sempre deixa um sentimento devastador por onde passa. A, então, mortalidade impregnada durante todo o álbum.




Benji inicia com “Carissa", da forma que irá continuar por algumas músicas, apenas Mozelek e seu violão, no maior estilo trovador. Mas, como em todas as faixas, o conteúdo é muito mais importante do que os arranjos e efeitos. Numa melodia linda, ele apresenta Carissa, prima em segundo grau, e evidencia a proximidade da morte mesmo no distanciamento familiar. Carissa morreu em um estranho acidente com fogo, diante de uma caixa de aerossol explodiu no lixo e já era. Daí Mozelek remete as imagens que tinha de Carissa, nas poucas vezes que a tinha visto, e começa vários e profundos questionamentos sobre as probabilidades e como a vida pode extinguir totalmente por um detalhe, por uma besteira, como, no caso, a pessoa ir tirar o lixo e explodir tudo. Por fim, Mozelek apenas quer dizer que mesmo sendo uma prima distante em segundo grau, não impede de fazer da vida dela poesia e ficar conhecida através dos mares. “She was only second cousin but that don't mean that I'm not here for her or that I wasn't meant to give her life poetry to make sure her name is known across every sea”. Lindo.

Como pode ser mais impactante do que isso? "I Can't Life Without My Mother’s Love" trata talvez do sentimento mais universal do mundo, o medo de viver num mundo onde não se encontra mais a mãe, o seu amor e o seu abraço. E a letra é simplesmente linda. Juntamente com um violão dedilhado, Mozelek imagina cenários dos mais absurdos e impossíveis e diz que antes viver assim do que viver sem o amor de sua mãe.  A morte continua presente em “Truck Driver”, dessa vez com o seu tio, morto pelo fogo no dia de seu aniversário.





Quando uma banda completa começa a tocar em "Dogs" é como uma chegada de alguém muito agradável, mas que estávamos tão atentos às histórias que estavam sendo contadas que acabamos esquecendo que não estava mais ali. Ela também introduz novos ares, menos emocionalmente carregadas, mas ainda com um tom confessional e até nostálgico de Mozelek, enquanto narra as suas primeiras mulheres, primeira namorada, primeiro amor, primeiro sexo. Desde Katy Kerlan, aos cinco anos, Patricia, e o presente Animals, do Pink Floyd, que os dois ficavam escutando “Dogs”. Entre todas as idas e vindas, encontros e desencontros, das mulheres em sua vida, Mozelek passa a filosofar de forma mais geral: “Get your own trash, the cycle's on and on. And nobody's right and nobody's wrong. All her shakes sometimes we were drawn. It's a complicated place, this planet we're on.”

Em “Pray for Newtown” a tragédia sai do plano individual e entra no coletivo, contanto a história de James Huberty que entrou no restaurante atirando em todo mundo, dentre várias outras, inclusive o caso do Batman no cinema e a tragédia do tiroteio em Newtown. When you're gonna get married and you're out shopping around, take a moment to think about the families that lost so much in Newtown."

Outro personagem é introduzido no universo de Mozelek, “Jim Wise”, um amigo de seu pai, mais um tocado pela tragédia em sua vida, enquanto está preso em regime domiciliar. A figura paterna é o principal no outro pronto alto de Benji, “I Love My Dad”, com a banda completa e mais animada que as outras, contando sobre as lições de vida do seu pai, às vezes duras demais, outras vezes fortes lições. “Life is short young man, get out there and make the best of it while you can”. As referências musicais, inclusive, estão por todo o álbum, como Pink Floyd, The Doors, Led Zeppelin, David Bowie, no meio das situações mais inusitadas, como na longa faixa “I Watched The Film The Song Remains The Same”, do Led, onde tocou mais neles as faixas mais calmas, como “The Rain Song”, “No Quarter”, e como era sua personalidade melancólica desde quando pequeno.  “I'll go to my grave with my melancholy and my ghost will echo my sentiments for all eternity”

A próxima faixa, “Richard Ramirez Died Today Of Natural Causes” meio que fala por si só, um assassino do sul da California, que viveu até os 83 anos. Mas o principal aqui é o achado de Mozelek de um recurso que chegará ao máximo na faixa final, um vocal sobreposto ao outro que fica muito interessante. “Micheline” é mais uma muito boa, contando histórias aparente independentes entre si, de Micheline, seu amigo Brett e a sua avó, mas conectadas pela linha trágica da morte.

Mas a cereja do bolo é, de fato, a faixa final, “Ben’s My Friend”, a mais diferente e destoante das demais, inclusive com uns arranjos maravilhosos de instrumentos de sopro e um ritmo meio hip hop. Aqui, aquele recurso de vozes sobrepostas se completa e fica um resultado magnífico. Enquanto o melhor das outras músicas eram as histórias e as letras, aqui é finalmente a sonoridade.

Benji é um álbum que faz você pensar na vida e na morte. Mozelek faz da sua viagem espiritual, sobre as pessoas que passaram pela sua vida, sobre suas experiências, uma jornada universal sobre uma das maiores angústias dos seres humanos: tentar racionalizar e compreender a morte, tentando lhe dar um significado. Ao fim, cada um decide se chegou a esse nível de compreensão ou não, mas esse não chega a ser o seu objetivo. Como disse em “Carisse”, ele só quer fazer disso um pouco de poesia e transmiti-la pelo mundo afora. Isso ele conseguiu. 

Um comentário:

  1. ótima resenha e ótimo disco, grande candidato a um dos melhores do ano. Também fiz um review, se quiser conferir: http://www.jooqebox.com/review-sun-kil-moon-benji/
    Obrigado!

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