Depois
da trágica notícia de ontem, a excentricidade de David Bowie é tanta que, além
de fazer da própria morte uma obra de arte, conseguiu também criar dois
sentidos, duas leituras, duas significações para o seu último álbum, lançado há
apenas 3 dias, Blackstar. Diante do segredo de sua doença e iminente morte,
todos acreditavam que Bowie tinha todo fôlego criativo que necessitava,
principalmente logo após uma nova ruptura, um novo "ponto zero" que Blackstar
representava. Com a sua morte, no entanto, há uma completa ressignificação de
Blackstar e que se faz necessária uma nova resenha, apontando as mensagens que
ele deixou secretamente nas músicas para quando o momento realmente chegasse.
Infelizmente, ele chegou bastante rápido.
Na
resenha publicada no blog no último dia 6 (bem como por todas as revistas
especializadas do mundo da música), Blackstar foi aclamado como um ponto de
partida, um recomeço. No entanto, agora fica claro que na verdade ele é o fim
da linha, o ponto final, o fechar das cortinas da carreira – e vida – de David Bowie.
Já
na faixa de abertura, “Blackstar”, aparecem imagens que remetem a uma ascensão,
uma passagem, uma elevação de um plano para outro, cheio de simbologias
dramáticas e metafísicas, enquanto Bowie fica reafirmando que é uma Blackstar,
e não uma estrela do pop, um super herói da Marvel ou a Estrela das estrelas
(apenas algumas das inúmeras definições por negação cheias de simbolismos). “Something happened on the day he
died / Spirit rose a metre and stepped aside / Somebody else took his place,
and bravely cried / (I’m a blackstar, I’m a blackstar)”.
Numa
das músicas mais claras após a “ressignificação”, “Lazarus” pode ser
considerada a despedida de David Bowie. O que parecia se tratar de apenas um
personagem como outro qualquer, o Lazarus da música é o próprio Bowie. E a
união da letra da música com o clipe é simplesmente de arrepiar. Nessa
passagem Bowie fala do paraíso e quase se justificando pela grande encenação de
sua morte. Ele possui o drama, afinal, ele é a dramaticidade em pessoa, o que não lhe
pode ser furtado nem mesmo no momento de sua morte. O “todos me conhecem agora” pode se remeter ao fato aclamação
geral diante de uma celebridade morta. Bowie sabia do que estava falando. A NME
noticiou ontem que nunca as músicas de Bowie no Spotify foram tão ouvidas como
depois de sua morte. A letra continua como uma libertação, utilizando a imagem
de um pássaro. No clipe, tanto de “Lazarus” quanto de “Blackstar”, os botões no
lugar dos olhos da faixa que Bowie usa pode ser uma referência a Caronte, o
barqueiro do Hades que carrega os recém-mortos que tinham
moedas nos olhos.
"Look up here, I'm in heaven
I've got scars that can't be seen
I've got drama, can't be stolen
Everybody knows me now
Look up here, man, I'm in danger
I've got nothing left to lose
I'm so high, it makes my brain whirl
Dropped my cell phone down below
Ain't that just like me?
By the time I got to New York
I was living like a king
Then I used up all my money
I was looking for your ass
This way or no way
You know I'll be free
Just like that bluebird
Now, ain't that just like me?
Oh, I'll be free
Just like that bluebird
Oh, I'll be free
Ain't that just like me?"
Por fim, as
duas últimas músicas, “Dollar Days” e “I Can’t Give Everything Away” também
passam por ressignificações. A saudade de nunca mais ver os campos sempre
verdes da Inglaterra é a máxima aceitação da morte. Afinal, se não puder mais
vê-los, tudo bem por ele. Diante da sua morte, a fragilidade expressa no refrão
mostra o conflito entre querer muito fazer algo (“I’m dying to”) e ao mesmo
tempo estar morrendo rapidamente (“I’m dying too”) e lutando diariamente contra
a inevitabilidade da morte (“i’m trying to”). Ao mesmo tempo, Bowie manda
mensagens de amor possivelmente para as suas pessoas queridas (“don’t believe
for just one second i’m forgetting you / i’m trying to / i’m dying to”). A
música já era incrivelmente bela antes de sua morte (e o solo de sax continua
de arrepiar) e agora fica de despedaçar o coração. O mesmo acontece com “I Cant
Give Everything Away”. Impossível ouvir agora essa música e não imaginar o quão
difícil foi para David Bowie segurar a barra de saber da morte iminente ao
mesmo tempo em que tem se a consciência do que se deseja fazer dela. Encontrando-se em uma posição
na qual todos se dobram, impotentes, diante da morte, David Bowie simplesmente fez com que ela (a morte e a própria inevitabilidade da morte) se dobrasse
diante dele. Não foi fácil. As imagens
presentes na letra são fortes e sinceras. “I know something is very wrong / The pulse returns the prodigal sons / The blackout hearts, the flowered news / With
skull designs upon my shoes”. Além de deixar claro o legado de sua arte, a sua
mensagem final: “Seeing more and feeling
less / Saying no but meaning yes / This
is all I ever meant / That's the message that I sent”.
Como Tony
Visconti afirmou na mensagem do seu Facebook, comentando sobre a morte do amigo
e colaborador, Blackstar é o presente de partida de David Bowie. Doloroso,
apoteótico, épico,dramático, artístico, performático, ousado, ou seja, tudo o
que David Bowie foi em vida e continuará sendo na morte na forma de uma Estrela
Negra.
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