sábado, 27 de fevereiro de 2016

Resenha: God Don't Never Change: The Songs of Blind Willie Johnson




                O guitarrista e cantor de gospel, Blind Willie Johnson, pertence à primeira geração do blues, chamado de “Prewar Era”, ou seja, anterior à Segunda Guerra Mundial, e também sendo conhecido como “Classic Years”, que compreende o período de 1920 até 1932. Muitos tiveram o primeiro contato com a obra de Blind Willie Johnson apenas a partir do documentário de 2003, The Soul Of A Man, dirigido por Wim Wenders, da série The Blues, produzida por Martin Scorsese. Willie Johnson, nascido no Texas, em 1897 e do qual pouco se sabe sobre a sua pessoal além de depoimentos pessoais muitas vezes contraditórios – de amigos e conhecidos, sua curta obra e seu obituário, este cego cantor de rua foi um dos principais expoentes desse período que delineou bases essenciais para a evolução do estilo blues para os anos seguintes. Sua carreira musical, em termos de gravação, foi curta e meteórica, produzindo, no entanto, alguns dos maiores clássicos de dois gêneros musicais, o blues e o gospel (ele é considerado mais como gospel, apesar de ter tido uma profunda influência no blues). Willie Johnson, inclusive, foi quem melhor uniu esses irmãos briguentos, mas que não conseguem viver muito separado um do outro. Entre 1927 e 1930, Blind Willie Johnson gravou 30 músicas pela Columbia Records. E é isso, fim da história. Bem, possivelmente esse seria realmente o fim da história se dentre aquelas trinta canções não estivessem, por exemplo, “Motherless Children Have a Hard Time”, “Dark Was The Night-Cold Was The Ground”, “Soul Of A Man”, “Nobody’s Fault But Mine”, “Jesus Is Coming Soon”, dentre várias outras que se transformaram em grandes clássicos, tanto para a música gospel quanto para o blues. Depois da piora da Grande Depressão, em 1930, Willie Johnson abandonou a carreira musical e provavelmente se tornou um pastor, em Beaumont, Texas. Após um incêndio em sua casa e sem ter para onde ir, Willie Johnson e sua esposa tiveram que dormir sob as cinzas, onde acabou morrendo em 1945 de pneumonia, após sua entrada no Hospital ter sido recusada por ser cego.



É exatamente a vida e a obra desse cantor de rua cego que é celebrada na coletânea God Don’t Never Change: The Songs of Blind Willie Johnson, projeto dirigido por Jefferey Gaskill no decorrer de mais de uma década, que conta com a participação de grandes nomes da música atual, como Tom Waits, Lucinda Williams, Derek e Susan Tedeschi, The Blind Boys of Alabama, dentre outros. Blind Willie Johnson foi, por definição, um porta-voz do divino, do eterno, do espiritual. E esse grupo de artistas selecionados para o projeto entendeu isso talvez melhor do que o próprio Johnson, resultando, sem dúvida, em uma obra-prima desse gênero de coletânea. Na maioria das vezes, um projeto que usa muitos artistas diferentes para regravar uma obra específica fragmenta-se em pedaços de gravações isoladas umas das outras. Não há unidade. É como um seminário na Universidade em que um grupo divide um capítulo para cada pessoa, cada um estuda só o seu, apresenta sua parte e pronto. God Don’t Never Change foi um projeto no qual cada um dos indivíduos envolvidos sabia exatamente a dimensão, o significado histórico e emocional da obra em questão. A essência da obra de Willie Johnson está sempre presente, ou seja, Deus, o divino, não importa quem esteja empunhando os instrumentos e cantando ao microfone; a áurea divina, congregacionista, sem mencionar a qualidade técnica, permeia toda a obra. A grande variedade de artistas e, por conseguinte, de releituras, acabou sendo um elemento enriquecedor ao invés de causar uma fragmentação da obra. Outro fator digno de nota é a ampla participação feminina no álbum: das 11 faixas, 4 são lideradas por homens (Tom Waits fica a cargo de duas; The Blind Boys of Alabama com um e Luther Dickinson com a outra) e as 7 restantes são lideradas por mulheres (Lucinda Williams fica com duas, Susan Tedeschi recebe o acompanhamento de seu esposo, Derek Trucks, Cowboy Junkies, Sinéad O’Connor, Maria McKee e Rickie Lee Jones ficam com uma cada) e mesmo nas faixas que não são dominadas pelas mulheres, sua presença está sempre ali nos corais. Apesar de poder soar estranho para uma obra em homenagem a um cantor solo dono de uma das vozes mais graves da música, quando lembramos que muitas de suas gravações foram acompanhadas por sua esposa, Willie B. Harris, a predominância feminina é totalmente compreensível e muitíssimo bem vinda.




                A primeira contribuição de Tom Waits é a faixa de abertura, “The Soul of A Man”; sem dúvida, dentre as vozes disponíveis no “mercado”, Tom Waits é a escolha natural e a que mais se aproxima à de Willie Johnson e seria fácil apenas imitar a versão original de Johnson. No entanto, Waits deu uma acelerada no ritmo da música, tornando-se um daqueles pastores que colocam a congregação abaixo, enquanto a marcação é feita pelas palmas que remetem à congregação religiosa, recurso presente em várias outras faixas. Poucos conseguiram penetrar tanto na alma humana como na letra dessa música e ainda assim sair de lá sem saber o que é a alma humana. Na sua segunda contribuição, “John The Revelator”, Tom Waits parece renovado, resgatando a voz de um cantor de rua que precisa que sua voz alcance o máximo de pessoas possível; para mim, pessoalmente, o grande desafio era encontrar a honestidade e profundidade espiritual e religiosa para encarnar um tradicional cantor gospel, sobretudo Blind Willie Johnson, especialmente para alguém, tal qual Tom Waits, que não está preso aos limites da arte e gosta de vagar por temas delicados e, por vezes, contraditórios com a religião; para alguém que cantou em “don’t you know there ain’t no devil that’s Just God when he’s drunk”, minha preocupação era justificada, já que a parcela de sinceridade e profundidade é tão importante no conceito e na obra de Blind Willie Johnson. O resultado é que pela transformação tão grande em Tom Waits e não abandonando seu estilo tradicional, parece que ele pode cantar gospel e espirituais agora o resto da carreira, mantendo seu estilo gutural e underground. “John The Revelator”, a tradicional música gospel de pergunta e resposta com referências da Bíblia, é a prova disso.  

                Quem também ficou com duas faixas foi Lucinda Williams, soando incrível em cada uma delas. O estilo de slide, tradicional de Willie Johnson está presente em vários momentos do álbum, mas é Williams que consegue fazê-lo de forma magnífica. A primeira é “It’s Nobody’s Fault But Mine” e a segunda é a faixa que dá título ao álbum, “God Don’t Never Change”. Lucinda Williams brilha igualmente em ambas. Derek Trucks e Susan Tedeschi ficaram encarregados de “Keep Your Lamp Trimmed and Burning”; inclusive, na original, de 1928, Willie Johnson divide os vocais com sua esposa, Willie B. Harris. Na apocalíptica “Jesus Is Coming Soon”, sobre o desastre da gripe espanhola de 1918, que matou em torno de 5% das pessoas em todo o mundo, a banda canadense Cowboys Junkies conta com a participação mais especial de todas, o próprio Blind Willie Johnson. A música começa com um trecho da gravação original, gravada em 1928; no refrão, essa versão original retorna, mas agora acompanhada pela banda completa. O tradicional e o moderno. Absolutamente incrível. 

                É difícil escolher qual seria a melhor faixa do álbum, mas sem dúvida uma delas teria que ser a belíssima e tocante “Mother’s Children Have a Hard Time”, tocada por The Blind Boys of Alabama; o conjunto, a letra, a música, a harmonia das vozes, tudo faz com que a música inteira causa arrepios emocionantes. O desespero de um filho sem mãe está presente em cada um do Blind Boys of Alabama quando cantam: “Motherless children have a hard time, mother's dead They'll not have anywhere to go, wanderin' around from door to door Have a hard time” Com Sinéad O’Connor, em “Trouble Will Soon Be Over”, a pesada carga emocional permanece nas alturas. Poucas preces soam tão poderosas quanto essa música. Luther Dickson se junta a banda de pífano Rising Star Fife & Drum Band e traz o som da África Ocidental junto com eles para tocar “Bye and Bye I'm Going To See The King”.  Maria McKee se destaca na versão de “Let Your Light Shine On Me”. Das 11 músicas, a única na qual a equação não funcionou, infelizmente, foi em “Dark Was The Night-Cold Was The Ground”, com Rickie Lee Jones; o motivo é simples: ao vocalizar, tentar cantar na faixa instrumental mais clássica de Willie Johnson, ela acabou retirando toda sua magia e mística, que são os incríveis e belíssimos solos de slide, absolutamente intraduzíveis para qualquer língua falada que seja. Mas, em relação aos outros companheiros no projeto, Rickie Lee Jones ficou certamente com a missão mais difícil de todas, pois mexer na música que está viajando pelo Universo abordo do The Voyager não é fácil.

                Uma publicidade feita pela Columbia Records nos anos iniciais da carreira meteórica de Blind Willie Johnson dizia: “Hear Blind Willie Johnson spread the light of old-time faith”; God Don’t Never Change: The Songs of Blind Willie Johnson é mais do que uma simples coletânea para celebrar a carreira de um artista já morto; é mais do que apenas preservação de um legado histórico; é muito mais do que um golpe de publicidade, do que a reunião de artistas famosos para vender um álbum. Se for verdade o que dizem que a música é uma janela para Deus; bem, então God Don’t Never Change: The Songs of Blind Willie Johnson é a uma das janelas mais belas e iluminadas que foram abertas na música. 





sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Mavis Staples canta "Take Us Back" no The Late Show With Stephen Colbert




                A cantora de gospel/soul Mavis Staples, a vocalista principal da banda The Staples Singers, aos 76 anos, acaba de lançar mais um novo disco, Livin’ On A High Note. Para promover o novo lançamento, Mavis Staples foi a convidada musical para o programa The Late Show With Stephen Colbert, e tocou a faixa de abertura do disco, a funky “Take Us Back”, escrita por Benjamin Booker especialmente para Mavis, um reconhecimento a todos os amigos e familiares que a ajudaram e a incentivaram a continuar fazendo música. Confira a apresentação abaixo:


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Tributo a David Bowie: Lorde e a banda de apoio de Bowie tocam "Life On Mars?" no BRIT Awards



                Há tributos e tributos; e depois da morte de David Bowie, pela amplitude de sua carreira artística e musical, é natural que receba homenagens tão variadas quanto a alcunha de camaleão. Praticamente todo mundo está incluindo uma música de David Bowie no seu set e acrescenta um toque que considera especial para retratar sua relação pessoal com a obra e a vida de Bowie. Todos são válidos.  É absolutamente natural e, por toda a dignidade que sua carreira representa, os fãs e a mídia em geral não deveria cair na tentação de criticar severamente cada homenagem que David Bowie receber. Foi o caso da performance de Lady Gaga e Nile Rodgers no Grammy Awards, que suscitou inúmeras críticas, uma das quais veio inclusive do filho do próprio cantor, Duncan Jones. De uma forma ou de outra, foi um devido tributo a um grande artista; cada indivíduo influenciado por Bowie foi sensibilizado de uma forma diferente e, acredito eu, Gaga colocou no palco uma forma de representação que ela considerou digna.

                Por outro lado, ontem foi a vez de outra grande premiação honrar o nome de David Bowie e que certamente levou o nome “tributo” a outra dimensão.  O BRIT Awards, para conceder o Icon Awards postumamente a David Bowie, entregue por Annie Lennox a Gary Oldman, que o recebeu em nome de Bowie, contou com a cantora Lorde, apoiada por uma banda de gigantes do universo da carreira do cantor britânico falecido em 10 de janeiro: Mike Garson, Gail Ann Dorsey, Earl Slick, Gerry Leonard, Sterling Campbell e Catherine Russell. Após um breve medley com segundos de alguns dos principais riffs de Bowie (“Space Oddity”, “Ashes To Ashes”, “Rebel Rebel”, Ziggy Stardust”, “Fame”, “Under Pressure”, entre outros), a sequência desemborcou em “Life On Mars?” e foi quando Lorde entrou num palco totalmente vermelho e roubou a cena com sua presença e sua voz. Ao final da apresentação, Lorde, visivelmente emocionada, agradece a todos. Duncan Jones, que criticou severamente a homenagem de Lady Gaga e Nile Rodgers, tratou logo de prestar o reconhecimento ao tributo de Lorde e da banda pelo twitter.  

                Bem, como disse mais acima, cada tributo carrega um toque pessoal definidor de quem está realizando o tributo e todos sabem que quando se trata de definição, David Bowie não se enquadra em representações categóricas e simétricas. No entanto, quanto ao tributo prestado por Lorde e pela banda de turnê de David Bowie, ontem, no Brit Awards, basta dizer que se não definidor, foi simplesmente insuperável.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Confira Wilco ao vivo no programa NPR Music Tiny Desk Concert



                A banda Wilco já é figura carimbada no programa NPR Music Tiny Desk Concert (apareceu no programa em 2011 e, no ano passado, Jeff Tweedy também deu as caras), no qual a banda convidada toca algumas músicas em um ambiente cheio de livros e discos, bem informal. Na última visita, Wilco tocou uma música de Star Wars, álbum mais recente da banda, “The Joke Explained”, e seguiu o pequeno set com algumas clássicos máximos da carreira, como “Misundestood”, de Being There, além de duas do álbum Summerteeth, “I’m Always In Love” e “Shot In The Arm”. Ótima ocasião para ver Wilco totalmente desplugado e, como sempre, bastante inventivo.



terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Assista ao vídeo de "Drive", nova música de Joe Bonamassa



Como já foi noticiado por aqui, Joe Bonamassa estará lançando mais um novo álbum em 25 de março. Para movimentar um pouco as coisas, o guitarrista divulgou o primeiro vídeo de Blues of Desperation, chamado “Drive”, música calma, lenta, quase contemplativa, cujo ritmo constante é construído por dois bateristas. Um delicado coral e tímidos solos de Bonamassa completam o cenário da música. Confira o vídeo abaixo:







quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Tributos a B.B. King, Lemmy Kilmister e David Bowie no Grammy Awards 2016



                2015 levou muita gente, isso é conhecimento de todos já. Seria impossível mencionar todos aqui sem correr o risco de esquecer-se de um ou outro injustamente. Alguns são simplesmente inesquecíveis. B. B. King, Lemmy Kilmister e David Bowie estão entre eles. O Grammy 2016 organizou uma série de tributos para celebrar suas vidas. A homenagem ao Rei do Blues, B. B. King, coube ao trio Chris Stapleton, Bonnie Raitt e Gary Clark Jr, que combinaram forças para uma versão do clássico “The Thrill Is Gone”. A dinâmica entre o trio ficou sensacional, a alternância de solos e vocais só abrilhantou mais a performance. Já Lemmy foi celebrado pela super banda Hollywood Vampires, formada por Alice Cooper, Johnny Depp, Duff McKagan e Joe Perry, que tocaram “As Bad As I Am”, da própria banda, e “Aces Of Spades”, de Motorhead. E para David Bowie, Lady Gaga realizou uma performance com um medley de músicas de Bowie muito bem produzida e cheio de efeitos especiais no palco.  Acredito que haveria inúmeros outros artistas mais gabaritados para a homenagem do que Lady Gaga, mas como o impacto que David Bowie produziu na música e na arte em geral não é limitado a estilos, com certeza foi um tributo digno e bastante especial para a própria Gaga, que visivelmente estava empolgada pela apresentação; foi uma homenagem muito honesta. O filho de David Bowie, Duncan Jones, parece não ter gostado muito. Confira as apresentações abaixo. Sobre as premiações, não tem tanto o que comentar a não ser o bem merecido vencedor de melhor álbum de Blues para Buddy Guy e constar que Muse ganhar o melhor álbum de rock é uma piada de muito mal gosto. 










quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Resenha: Bob Margolin - My Road


                O guitarrista de blues Bob Margolin é uma conexão direta com o passado; um passado, diga-se de passagem, bem majestoso. Entre 1973 e 1980, Margolin foi o guitarrista da banda de ninguém menos que Muddy Waters, durante uma fase de grande sucesso comercial para Waters, com a parceria com Johnny Winter, produzindo dois grandes álbuns, Hard Again, de 1977, e I’m Ready, de 1978, ambos vencedores de Grammys. A partir da década de 90, “Steady Rollin’” Bob Margolin, como também é chamado, passou a consolidar uma carreira solo com álbuns sempre muito elogiados e explorando os limites do gênero blues (Not Alone, de 2012, e em parceria com Ann Rabson, In North Carolina, de 2006, Up & In, de 1997 e My Blues & My Guitar, de 1995, são alguns itens de sua discografia que vale muito a pena conferir). Em 2016, Margolin lança mais um disco, chamado My Road, que destaca a trajetória desse guitarrista que tem muito que contar e muito mais ainda a oferecer com seu talento. Em várias das doze faixas do disco, Margolin adota o tom autobiográfico para falar um pouco da sua relação com o blues. A banda é enxuta, sem muito refinamento, o que provoca algumas canções “simplistas”, mas memoráveis.

                “My Whole Life” resgata sua trajetória na vida e no blues, que o levou ao momento em que se encontra agora. É um blues direto, bem no estilo de Muddy mesmo, repleta de solos de guitarra alternados pela gaita. “For every note I play there are 50 years of shows, 2 million miles of highways and a passion that just grows”. Uma declaração ao blues. Na romântica “More and More”, Margolin adota a voz mais melódica, enquanto o som fica mais enxuto, sem a gaita e apenas a guitarra, baixo e bateria, assim como em “I Shall Prevail”.

                A simplicidade atinge um nível memorável em dois claros momentos: em “Goodnight”, um belíssimo blues rural de raiz tocado e cantado por um inspirado Margolin. Um dos pontos alto do disco, sem dúvida, a ser somado com “By By Baby”, de Nappy Brown, na qual o dueto entre Margolin e Chuck Cotton é acompanhado apenas pela gaita. Um trabalho de harmonia magnífico entre os dois. Perfeito. “Low Life Blues” a coisa fica animada mais uma vez, com Ted Walters tocando gaita do jeito do mestre Little Walter no melhor estilo do Chicago Blues. No final da letra, uma grande lição para todos os amantes do blues: “well, you can call me a low life, but i’ll leave the high life too, cause if I’d never hit bottle, wouldn’t know all the things I do”. Tocou bem na essência, Mr. Margolin.

              “Young and Old Blues” é uma divertida visão sobre o choque de gerações, sobre envelhecer. A imagem que Margolin utiliza é ficar impressionado com B. B. King, um homem tão velho, tocar e cantar o blues como ele toca e canta. Em seguida, sua banda estava tocando tão alto numa escola para um monte de adolescentes que eles nem conseguiam conversar. Como Margolin diz, o novo e o velho depende de que lado você olha. É coisa pra quem gosta de música de velho, como se diz. Já “Ask Me No Question” lembra um pouco Johnny Cash, principalmente com a voz grave de Margolin. É o momento de depressão antes da festa de sábado a noite, que não tarda a chegar com “Feelin’ Right Tonight”. Hora de curtir, não importa o que lhe digam. Já “Devil’s Daugher” é para depois da farra, arrastada, cheia de solos de slide, sombria, deixando no ponto para uma dança com a filha do capeta.

                 “Heaven Mississippi” é um show à parte, para deixar todo fã de blues emocionado, pela quantidade de referências a essa terra que é tida como o Berço do Blues, o “paraíso”, o segregado, o racista Estado do Mississipi, que forneceu as condições para as experiências compartilhadas pela comunidade negra, que acabaram potencializadas no blues. Como bom conhecedor, Margolin acerta em cheio nas referências, pagando tributo especial a seu mentor, Muddy Waters, que é quem o guia nessa jornada: “Heaven Mississippi, the blues i love was there, heaven, heaven Mississippi old school blues fill the air”. Robert Johnson, Pinetop Perkins, Muddy Waters, Hubert Sumlin, Jimmy Rodgers, Willie “Big Eyes” Smith, Junior Wells, Freddie King, é por causa de todos esses e muitos outros, que Margolin enfim atesta: “in heaven Mississippi the blues will never die”.

                My Road é um álbum que atinge o seu objetivo: mostrar um pouco da carreira desse guitarrista que já tem onze discos solo, inúmeros projetos e participações especiais e está num momento especial em sua vida, sendo uma figura respeitável na cena do blues, com uma agenda frequente de shows e consistentes álbuns lançados. Ou seja, My Road é um compêndio das variadas facetas desse grande guitarrista do blues, mas mantendo-se sempre na sua maior paixão: o bom e velho blues. 


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

"Quando chegar Fevereiro, eu quero ser Carnaval".



Em homenagem à chegada do Carnaval, o novo clipe de Johnny Hooker da marchinha de carnaval presente no álbum Eu Vou Fazer Uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito, “Desbunde Geral”.

O Filho do Blues deseja um bom Carnaval a todos! 

"Quando chegar Fevereiro, eu quero ser Carnaval".


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Viva Chico!


2016 é o ano de celebrar a memória de um dos maiores artistas da música nacional: Chico Science (13-03-1966 - 02-02-1997). Hoje, dia 2 de fevereiro completa mais um ano de sua morte e o Carnaval de Recife está homenageando Chico Science no Galo da Madrugada e também está comemorando os 50 anos de nascimento. Então, nesse Carnaval podemos cantar abertamente: Viva Chico!

            

Confira o vídeo "River", de Leon Bridges


               
                Leon Bridges foi uma das grandes revelações do ano passado, com o lançamento de seu álbum de estréia, Coming Home, bastante elogiado, no qual apresenta sua versão particular de um soul, blues, gospel e R&B. A sua ascensão pode ser notada com o lançamento hoje do emocionante clipe de “River”, muito bem escrito, produzido e dirigido por Miles Jay. Coisa de gente grande. Mas o melhor mesmo não é a grande produção cinematográfica, mas sim o seu conteúdo, cheio de simbologias e significados, sobretudo para a comunidade negra dos Estados Unidos. O vídeo mostra retalhos do duro cotidiano dos negros através de vários personagens, especialmente a violência sofrida pelos negros. A influência dos episódios recentes de violência contra os negros pela polícia fica evidente na escolha do local para a gravação do vídeo, Baltmore (onde teve o assassinato de Freddie Gray pela polícia). Além disso, há outras referências ao motim, como as imagens do levante na televisão do quarto de motel em que Bridges está tocando. Também há o desespero, o sofrimento, a penúria e a luta diária para sobreviver. Mas, acima de tudo isso, ou melhor, para se sobrepor a tudo isso, o vídeo mostra amor, muito amor e fé, muita fé, sobretudo a que vem da belíssima voz de Bridges, que remete a décadas de tradição do soul e do gospel. Em declaração sobre o lançamento do clipe, Bridges explica um pouco sua relação com a fé: “O rio tem sido usado historicamente na música gospel como simbolismo de mudança e redenção. Eu queria escrever uma música sobre minha própria experiência espiritual. Ela foi escrita durante um período de verdadeira depressão na minha vida e eu lembro sentado na garagem tentando escrever uma música que refletisse essa luta. Eu quero que esse vídeo seja uma mensagem de luz. Eu acredito que isso tem o poder de mudar e curar aqueles que estão sofrendo. Eu me vi preso entre múltiplos empregos para sustentar a mim mesmo e minha mãe. Tinha pouca esperança de conseguir escapar dessa realidade. A única coisa a qual eu poderia me agarrar era minha fé em Deus e meu único caminho para o batismo era o caminho do rio”.

Bem, depois dessa só nos resta assistir mesmo. O vídeo foi lançado bem no primeiro dia do mês dedicado à história dos negros, o Black History Month. Confira o clipe de “River”, de Leon Bridges, abaixo:


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

"The Wheel", PJ Harvey e o ativismo político no rock



“The Wheel”, primeiro single do novo álbum de PJ Harvey, The Hope Six Demolition Project, ganhou um vídeo clipe tão expressivo e poético quanto a própria música. O resultado é fruto da parceria entre PJ Harvey e o fotógrafo e diretor, Seamus Murphy. Mas dessa vez eu gostaria de ir um pouco mais além de simplesmente noticiar sobre o vídeo e refletir sobre o mundo da música. O tema de “The Wheel”, que trata do drama dos refugiados, sobretudo as crianças que, diariamente, morrem aos montes uma morte trágica e silenciosa, destaca a falta de ativismo político nos artistas atualmente, sobretudo quando o mundo parece estar de cabeça para baixo. O rock surgiu da contestação e da contracultura; surgiu de Bob Dylan ao dizer que os tempos estão mudando; surgiu  da guitarra de Jimi Hendrix ao tocar o hino dos Estados Unidos no Woodstock; surgiu da contestação da insanidade da Guerra do Vietnã; surgiu da revolução sexual de Elvis Presley, Jim Morrison e David Bowie; surgiu do submundo dos marginalizados, dos discriminados; surgiu também das work songs, do blues, do jazz e das vozes de negros e negras corajosos como Nina Simone, Big Bill Broonzy e J. B. Lenoir, para citar alguns. Um negro do sul dos Estados Unidos em meados dos anos vinte, anos trinta, não poderia fazer uma crítica tão aberta e contundente ao sistema social e político como os brancos da classe média que se levantaram junto com o rock a partir da década de cinquenta poderiam fazer. Seria facilmente linchado e ficaria por isso mesmo. Hoje em dia, no entanto, todo esse legado de contestação parece estar desaparecendo enquanto o ativismo político no rock está ficando cada vez mais raro. No Brasil o caso é pior, pois vemos a proliferação de roqueiros reacionários e o ativismo político de direita, o que cria o fenômeno incrível de que o funk, tão criticado e discriminado socialmente, tem um elemento de contestação muito maior do que o rock nacional atual.

Na música, exemplos de ativismo político podem ser contados no dedo, como o ativismo de Neil Young e bandas como Pearl Jam, em nome do meio ambiente; Manic Street Preachers também sempre se posicionaram criticamente em relação a temas como desigualdade e justiça sociais. Também poderiam ser incluídas nessa lista bandas como U2 e Rage Against The Machine, apesar de ter durado pouco. Mas dificilmente a lista se prolonga muito mais e é por isso que “The Wheel” e PJ Harvey surgiram como uma brisa que possa dar uma alavancada nesse mundo apático. The Hope Six Demolition Project é fruto de uma série de viagens que Harvey fez para locais que são ou estiveram recentemente em zona de conflito, como Kosovo e Afeganistão. “The Wheel” é a primeira versão desse olhar poético de Harvey sobre os desastres que ocorrem nesses lugares remotos e isolados, que faz com que o sofrimento dos outros sejam invisíveis aos olhos do restante do mundo. Para deixar o cenário mais impactante, PJ Harvey utiliza a crise de refugiados na Europa e a referência mundial da imagem do garoto sírio morto na praia na Turquia no ano passado e afirma secamente na letra: “Hey little children don’t disappear - (I heard it was 28,000)”. O clipe reforça esse sentimento de desolação, com balanços enferrujados sem nenhuma criança brincando com eles e imagens de campos de refugiados. O rock tem e sempre teve um imenso poder mobilizador que parece estar sendo subutilizado pelas novas gerações imersas no mundo digital, que, embora tenha acesso a muito mais informação, parece não ter tempo de processá-las e ressignificá-las de forma adequada para uma atuação mais ativa e consciente no mundo. Claro que ninguém está obrigado a ser ativista 24h/7d, mas é importante manter uma relação direta em relação ao mundo em que vive. Confira abaixo a letra e o vídeo de “The Wheel”, de PJ Harvey.

"The Wheel"

A revolving wheel of metal chairs
Hung on chains, squealing
Four little children flying out
A blind man sings in Arabic

Hey little children don’t disappear
(I heard it was 28,000)
Lost upon a revolving wheel
(I heard it was 28,000)

Now you see them, now you don’t
Children vanish ‘hind vehicle
Now you see them, now you don’t
Faces, limbs, a bouncing skull

Hey little children don’t disappear
(I heard it was 28,000)
All that’s left after a year
(I heard it was 28,000)
A faded face, the trace of an ear
(I heard it was 28,000)

A tableau of the missing
Tied to the government building
8,000 sun-bleached photographs
Faded with the roses

Hey little children don’t disappear
(I heard it was 28,000)
Lost upon a revolving wheel
(I heard it was 28,000)
All that’s left after a year
(I heard it was 28,000)
A faded face, the trace of an ear
(I heard it was 28,000)

And watch them fade out
And watch them fade out
And watch them fade out...