Ao se deparar, mesmo que de relance, na carreira do guitarrista Ben Harper, pode-se ter aquela impressão de que não é uma única pessoa. Harper, que é conhecido por se aprofundar as músicas de raízes americana, que além de passar pelo pop, com Diamond On The Inside, de 2003, facilmente seu disco de maior sucesso, pelo reagge e ainda se aventura também pelo blues e também pelo gospel, como, por exemplo, seu trabalho em colaboração com a banda gospel The Blind Boys of Alabama. Ao mesmo tempo que Harper pode soltar vários solos no estilo Hendrix, ele também aparece com belas baladas sentimentais. Para Get Up, seu novo álbum, Ben Harper decidiu mergulhar de vez no blues de raiz e, para isso, nada melhor do que uma colaboração de quem já trilha esse caminho. É com esse pensamento que Harper junta-se em equipe com o experiente bluesman de 68 anos, Charlie Musselwhite, um grande mestre tocador de gaita..
E é a química entre os dois que faz de Get Up mais do que especial. É com um prazer indescritível que se pega hoje, em pleno ano de 2013, na era digital, um álbum com dez músicas de blues, totalmente autoral. Claro que é sempre maravilhoso revisitar os grandes clássicos do blues, dos quais existem vários. Mas ouvir algo completamente novo de pessoas comprometidas em revitalizar o estilo e gritar em plenos pulmões: “eu amo o blues e ele ainda é relevante e maravilhoso de se fazer”. É exatamente isso que Ben Harper e Charlie Musselwhite fazem em Get Up. O embrião dessa colaboração, inclusive, começou há bastante tempo. Data do ano de 1997, quando os dois se juntaram para gravar “Burnin’ Hell” com o amigo de longa data de Musselwhite, ninguém menos que John Lee Hooker. A própria lenda afirmou que ficou impressionado com a química entre os dois e os encorajou a continuarem trabalhando juntos.
Após as delineações preliminares, vamos agora ao que interessa. Não fosse pela qualidade da gravação, poder-se-ia facilmente considerar a faixa de abertura “Don’t Look Twice” um delta blues perdido e revitalizado de Skip James. Começa apenas com o violão e a voz lamuriosa de Harper cantando “don’t look twice, be glad your worries ain’t like mine”. Quando pensamos que a música vai seguir nessa linha, após a segunda estrofe a banda completa entra no refrão. Muito bom. Vale a penar ressaltar aqui, como em outros vários momentos, o diálogo da gaita de Musselwhite com a bela voz melódica de Harper, por vezes se juntando e formando uma coisa só, como é bem claro na quinta faixa, o belíssimo blues acústico “You Found Another Lover (I Lost Another Friend)”. Na segunda música, “I’m In I’m Out and I’m Gone”, blues de primeira, a voz e Harper já aparece com mais vigor e firmeza que o próprio teor da música pede, com um solo sensacional de gaita de Musselwhite, com a banda só acompanhando e deixando-o brilhar, como você pode conferir por si só nesse clipe de versão estendida, para WSJ, de tirar o fôlego. “We Can’t End This Way” a dupla deixa transparecer a influência gospel no blues, com as palmas ditando o ritmo e backing vocals femininos no refrão. “I Don’t Believe a Word You Say” é um rock bem furioso de um enamorado traído. Dessa vez é hora da guitarra de Ben Harper gritar, mesmo com o acompanhamento sempre presente da gaita.
A metade final começa com “I Ride At Dawn”, na qual quem brilha é Harper e seus solos de slide. Destaca-se também a letra, com interessantes imagens poéticas. A guitarra volta a aumentar o volume na pancada de “Blood Side Out”, com uma gaita constante e a voz furiosa de Harper separando alguns solos sujos de guitarra, além de um solo de gaita inspirador no final. É de longe a mais pesada e agressiva do álbum. A faixa título, “Get Up”, é também a mais longa, passando dos seis minutos. É uma das melhores. A letra deixa transparecer a veia mais política de Harper. O tempo maior dá margem para diálogos interessantes entre as duas estrelas do álbum, com jams interessantes, sempre entrecortando um verso ou outro.
Em “She Got Kick”, Ben Harper e Charlie Musselwhite mostram que também sabem se divertir, com um ritmo bem dançante e até sexy. Para finalizar o disco, a dupla escolheu “All That Matters Now”, um Delta Blues bem dolorido, mas, ainda assim, com uma mensagem positiva: “it's been a long hard day, and a long hard night, been a hard year, Its been a hard life, but we're together, and that's all that matters now”.
E assim Get Up! chega ao fim com gostinho de quero mais. É o resultado da junção colaborativa entre dois grandes e veteranos compositores que compartilham de uma paixão em comum: o blues. E essa paixão é facilmente estendida aos ouvintes pela maestria e sinceridade em cada música do álbum.
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