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domingo, 25 de outubro de 2020

Resenha Relâmpago - The Reverend Shawn Amos - Blue Sky

 


Resenha Relâmpago

The Reverend Shawn Amos - Blue Sky

O blog O Filho do Blues já acompanha o trabalho do cantor e compositor Reverend Shawn Amos desde o disco de estréia, The Reverend Shawn Amos Loves Tou, de 2015, e de lá para cá ele tem amadurecido cada vez mais. Esse amadurecimento é notório em Blue Sky, no qual é acompanhado pela banda The Brotherhood, que mostra um entrosamento e química muito grande durante todo o disco.

Apesar de ter diminuído no tom de faixas realmente de blues, pode-se perceber a presença do blues em todas as músicas, especialmente quando Amos faz a gaita gritar, sempre de forma inteligente, eficiente e sensível. 

Sem dúvida, Blue Sky se insere no catálogo de Reverend Shawn Amos não apenas como um passo adiante, mas também o coloca como um dos nomes mais interessantes e talentosos do cenário do blues contemporâneo. 

Destaques:

"Troubled Man"

"27 Dollars"

"Counting Down The Days"

"Keep the Faith, Have Some Fun"


@therevamos

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Resenha de Anthony Geraci - Daydreams In Blue

 


                As últimas semanas têm sido agitadas em termos de lançamentos.  São vários e gostaria de ter tempo pra fazer uma resenha de cada um, mas há aqueles que não podemos deixar passar e registrar aqui no blog, pois são imensas as chances de figurarem nas principais listas de fim de ano. O primeiro deles é o disco  Daydreams In Blue, do grande pianista Anthony Geraci, colecionador de vários prêmios do Blues Music Awards, dessa vez em colaboração com Dennis Brennan, que canta em várias faixas. Como é de costume, Anthony Geraci lança mão de um ótimo conjunto de instrumentistas, o que torna a banda completa e equilibrada, com cada um com espaço para mostrar seu respectivo talento. A banda tem uma ótima seção de instrumentos de sopro e a parte da guitarra fica a cargo de nada menos que Walter Trout e Monster Mike Welch. Tudo isso articulado pelo genial trabalho do próprio Geraci no piano e também canta em algumas músicas.  

                Originalmente integrante de grandes bandas no blues, como Sugar Ray & The Bluetones e Ronnie Earl and the Broadcasters, Anthony Geraci construiu para si uma poderosa carreira solo. Ele tem sido nomeado para o prestigioso prêmio Pinetop Perkins, para os pianistas, e seu último trabalho, Why Did You Have to Go, foi nomado também para várias categorias da maior premiação do mundo do blues. E na sua bagagem tem ainda experiências iniqualável de ter tocado com gente como Muddy Waters, B.B. King, Otis Rush, Chuck Berry, Big Mama Thornton, Big Joe Turner e Jimmy Rodgers.

                Todas as faixas tem seu brilho próprio, são dinâmicas, exaltando uma diversidade que faz com que o ouvinte não se canse nem se sinta entediado em nenhum momento do disco. A dobradinha inicial “Love Changes Everything” e “Tomorrow Never Comes” é de tirar o fôlego, você só fica sem saber no que celebrar mais, a guitarra, o teclado ou os instrumentos de sopro, sensação completada ainda com “No One Hears My Prayers”, com Trout fazendo um trabalho à parte na guitarra. A surpresa fica evidente porque elas nem são exatamente as melhores faixas do disco. Depois da dançante faixa que dá título ao álbum, começa uma sequência que conta com faixas focadas no Chicago Blues, como “Mister”, com um ótimo trabalho no piano e na gaita, no rock dos anos cinquenta que não deixa você parado, como em “Tutti Frutti Booty”, com uma velocidade incrível de Geraci no piano, e “Jelly, Jelly”, um blues quase jazz, lento e gostoso de ouvir, cheio de pequenos solos de piano.

                O álbum continua com “Dead Man’s Shoes” e “Hard to Say I Love You”, com um pé no jazz de New Orleans. Encaminhando para o final do disco ainda dá tempo de surpreender ainda com o blues tradicional de “Crazy Blues- Mississippi Woman”.

                O mercado não está entupido de grandes pianistas de blues tanto quanto grandes guitarristas e até mesmos gaitistas. Então, um disco tão completo e autêntico de piano blues como Daydreams In Blue é sempre uma delícia para se aproveitar sem moderação. 


sábado, 29 de agosto de 2020

Resenha de Bobby Rush - Rawer Than Raw


 Rawer Than Raw, lançado hoje, novo disco de Bobby Rush, é uma grande homenagem e um tributo ao blues clássico do Delta do Mississippi, uma mistura de músicas originais e regravações clássicas de lendas do blues como Howlin' Wolf, Muddy Waters, Elmore James, Skip James, dentre outros. O disco é a sequência do formato usado por Rush no álbum de 2007, Raw, que foi a primeira vez que gravou um disco todo acústico.

"If you want to get the real deal of the blues, get it from the bluesmen who are from Mississippi. Whether they migrated somewhere else like Chicago or Beverly Hills, if they are from Mississippi you can hear the deep roots of Mississippi in their stories", Bobby Rush falou sobre o blues de Mississippi.

Tudo isso gravado de forma crua e simples como o velho estilo do Delta. Aos 86 anos, Rush mostra vitalidade, experiência e sabedoria de uma vida dedicada ao gênero e ao berço do blues, o delta do Mississippi. Diferente de outras leituras feitas por artistas que sofreram a brutalidade e a violência do racismo nesse estado do sul dos Estados Unidos - Mississippi Goddam, de Nina Simone é um exemplo clássico dessa abordagem, ou J.B. Lenoir com "Down in Mississippi", Rush prefere focar no lado positivo e bucólico, como fica evidente na música ""Down In Mississippi", uma das faixas autorais.  O disco vai além de ser apenas uma compilação de clássicos do blues, pois cada música possui uma carga de originalidade a partir da proposta que Rush traz no novo álbum. É o exemo de "Don't Start Me Talkin'", de Sonny Boy Williamson II, ou "Shake It For Me", do gigante Howlin' Wolf. 

Totalmente indicado para os fãs de blues, sobretudo os que adoram o delta blues original

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Resenha de Vintage Dixon, The Real McCoy


Imagine se você tivesse tanto a linhagem do maior compositor de blues da história quanto a experiência de ter aprendido tudo com ele próprio. O que você faria? Tentaria outro caminho ou aproveitaria a bagagem biológica e cultural para manter a tradição viva? 


Esse é o caso de Alex Dixon, neto do grande e incomparável Willie Dixon, sem dúvida o primeiro compositor profissional de clássicos de blues – e o maior até hoje. Enraizado nas tradições orais da comunidade negra no sul dos Estados Unidos, as músicas passavam de cantor para cantor, que adicionavam um verso aqui, outro ali, tornando a noção de direitos autorais e composição algo muito difícil de localizar. Mas Willie Dixon está diretamente ligado à fase de ouro do blues dos anos 50, principalmente quando aliado a Leonard Chess, um dos fundadores da Chess Records, que seria o epicentro de gravações memoráveis do blues, em Chicago. Willie Dixon seria o compositor oficial que criava e pensava músicas especialmente para seus intérpretes. Por exemplo, músicas como “Spoonful”, “The Little Red Rooster”, “Back Door Man” foram feitas sob medida para um intérprete com as características de Howlin’ Wolf, enquanto “Hoochie Coochie Man”, “The Same Thing”, “I Just Want To Make Love to You”, “You Shook Me” se encaixam perfeitamente com Muddy Waters, “My Babe” com Little Walter, “I Can’t Quit You Baby”, com Otis Rush, “Bring it On Home”, com Sonny Boy Williamson e inúmeros outros casos. Perceberam o nível das músicas? Pois bem, todas elas são de Willie Dixon, músicas que foram reinterpretadas por bandas como Led Zeppelin, Bob Dylan, The Doors, Rolling Stones, Cream, Eric Clapton, The Allman Brothers e centenas de outros. Mas não estamos aqui para falar de Willie, mas sim do seu neto, Alex Dixon, que acabou de lançar um disco do seu novo projeto, Vintage Dixon, chamado The Real McCoy.


Assim como seu avô, Alex Dixon também é baixista e compositor, mas também toca outros instrumentos, como piano. Alex foi criado por seu avô e aprendeu muito com ele. É esse legado da família que Alex quer homenagear com a nova banda Vintage Dixon. A banda é formada por Lewis “Big Lew” Powell nos vocais, Alex no baixo baixo, o filho de Carey Bell, Steve Bell, na gaita, Alvino Bennett na bateria e Melvin Taylor e Gino Matteo nas guitarras. O disco The Real McCoy é composto por sete músicas originais, escritas pelo próprio Alex, e quatro covers conhecidas do catálogo de Willie Dixon.




Os destaques ficam a cargo de “Nothing New Under The Sun”, um shuffle poderoso acompanhado por “Spider In My Stew”, “My Greatest Desire” um blues mais lento cheio de gaitas incríveis. Dentre as covers, as que mais se destacam são dos intérpretes mais memoráveis de Willie, “Howlin’ for My Darlin”, gravada por Howlin’ Wolf, e “I Want to Be Loved”.
Enfim, The Real McCoy é puro Chicago Blues com um pé no passado e outro no presente. Aproveitemos.

sábado, 2 de maio de 2020

Resenha de 11 Guys Quartet - Small Blues and Grooves




        Quando se fala em álbum instrumental a gente pensa logo em alguma big band ou algum instrumentista extremamente virtuoso de jazz. O que pensar, então, de um disco instrumental totalmente de blues? Bem, essa é a proposta do grupo 11 Guys Quartet, que lançou o trabalho Small Blues and Grooves, um projeto que ficou mais de dez anos na geladeira e que só veio à tona em 2020. Vamos falar primeiro da banda. Há quase quarenta anos quatro caras se uniram e resolveram se divertir tocando em bares na área de Boston. Eles misturavam rock e blues e eram chamados de 11th Hour Blues Band. Esses caras eram Paul Lenart, na guitarra, Bill “Coach” Mather, no baixo, Chuck Purro, na bateria, e Richard “Rosy” Rosenblatt na gaita. Eles chegaram a gravar um disco em 1985, Hot Time In The City Tonight. Avançando para 2008, o grupo se reuniu novamente no estúdio e gravaram um monte de músicas instrumentais que eles tinham composto. O material nunca chegou a tornar-se público... até hoje.


        Pois bem, vamos retomar a pergunta inicial: o que pensar de um disco instrumental totalmente de blues? Os mais apressados poderiam achar que seria algo repetitivo demais. Ledo engano. Tem slow blues, shuffle, boogie e muito mais. “Read Trippin’”, que abre o disco, tem o DNA de Freddie King; “Sleepless” e “Down and Dirty” são slow blues da melhor qualidade; “Swing Low” certamente fará você querer dançar, etc.; Outros poderiam pensar que para dar certo precisaria de mais elementos, para dar uma refinada maior no som. Erro crasso. É incrível como o básico de guitarra/baixo/bateria/gaita consegue revisitar toda uma variedade de estilos do blues de forma tão autêntica. Sem soar injusto com os demais integrantes, pode-se afirmar que a gaita funciona como a verdadeira voz do grupo, ditando o ritmo e a direção das emoções e sensações. Por essa razão, esse álbum é especialmente indicado para quem é fã de gaita. Mas isso não significa que não tenha algumas momentos inspiradores guiados pela guitarra, como em “Four Maypops” e “Doggin’ It”.

        Por fim, Small Blues and Grooves é a trilha sonora perfeita pra aquele dia em que você senta pra relaxar com os amigos, bater aquele papo e tomar aquela boa cerveja gelada com um som ambiente agradável do início ao fim.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Resenha de John Primer & Bob Corritore - The Gypsy Woman Told Me



        O primeiro disco da enxurrada de que falei no post anterior finalmente saiu e já podemos adiantar que cumpriu todas as promessas. John Primer e Bob Corritore, pela terceira vez, fazem justiça à fama e à posição que conquistaram no mundo do blues. John Primer, guitarrista e um dos maiores representantes contemporâneos do Chicago Blues, que já tocou com Muddy Waters, Junior Wells e Magic Slim, e Bob Corritore, o incansável especialista e super produtivo mestre da gaita, seguem a fórmula de sucesso anterior e dividem as atenções no novo disco, The Gypsy Woman Told Me, lançado hoje nas plataformas de stream. Além da dupla, o álbum conta com uma lista de colaboradores de primeira: Billy Flynn, Bob Welsh, Kid Andersen são apenas alguns desses nomes. 



        O álbum é empolgante do início ao fim e o repertório também é incrível, mesclando músicas novas, como “Little Bitty Woman” e “Walked So Long”, com versões a maior parte delas tiradas do fundo do baú e desconhecidas, como a faixa que abre o disco, “Keep-A-Driving”, de Chick Willis’ e “I Got The Same Blues”, de J.J. Cale. Mas também tem Jimmy Reed, “Let’s Get Together” e Sonny Boy Williamson, “My Imagination”, que serve perfeitamente para a gaita de Corritore brilhar. Mas a mais conhecida certamente é a música que dá título ao álbum, “The Gypsy Woman Told Me”, clássico de Muddy Waters. Tem músicas pra dançar batendo com os pés no chão, tem músicas para ficar soprando o ar lentamente com a gaita imaginária e também muitos temas já tradicionais no imaginário do blues, como o errante jogador que perde tudo, em “Gambling Blues”, o solitário de coração partido, o azarado, enfim, todos os ingredientes para compor um disco de blues completo.

        Normalmente, um disco crava duas ou três músicas na playlist do Filho do Blues. Aqueles discos que no final do ano vão brigar pelo topo da lista dos melhores do ano chegam a levar umas cinco a seis faixas para a playlist. Bem, esse é o caso de The Gypsy Woman Told Me, um disco para fazer vibrar tanto fãs novos quanto fãs mais puristas de blues.


quarta-feira, 1 de abril de 2020

Resenha de Gigaton, de Pearl Jam



Por diversos motivos, emocionais, artísticos/estéticos e políticos, o rock vem me decepcionando nos últimos anos, sobretudo após a morte repentina de David Bowie, o que pode não ter nada a ver, mas para mim foi um marco referencial. Para agravar a situação, outras bandas que eram referências para mim foram decepcionando a cada novo lançamento. Arcade Fire, Queens Of The Stone Age, são só dois grandes exemplos dessas bandas que acabaram cedendo a tendências do mundo pop e eletrônico, especialmente uma onda new-wave, que, ironicamente, era bastante influenciada pelos experimentos de Bowie. Ao saber que Pearl Jam iria lançar um novo álbum, o primeiro desde Lightning Bolt, de 2013, confesso que fiquei receoso que a banda abriria mão do seu estilo clássico e cederia às exigências do mundo fonográfico em busca de ampliar seu público. O mundo já não seria mais o mesmo: David Bowie estava vivo e surpreendendo o mundo como sempre, com o disco The Next Day, Arcade Fire lançava Reflektor, e Queens Of The Stone Age completava o belo ano musical com ...Like a Clockwork. Por fim, esse receio veio acompanhado de um calafrio ao ouvir o primeiro single de Gigaton, nome do novo disco, “Dance of The Clairvoyants”, que reúne todos os elementos que temia. Mas nada como um dia após o outro. Gigaton é um dos discos mais ricos e interessantes da banda, que já tem em seu catálogo grandes clássicos desde a década de 90.
A partir da capa de Gigaton e através de suas músicas, percebe-se claramente a preocupação de Pearl Jam com a política, em especial o tema do meio ambiente. A variedade de sons é bem grande, mostrando a experiência e a riqueza do percurso em três décadas de carreira. Tem as faixas mais pesadas, no estilo clássico, outras mais experimentais e introspectivas, bem como acústicas.




O disco começa com “Who Ever Said”, mostrando já de início toda a energia que a banda ainda dispõe ao afirmar que ainda tem o que dizer, pois, como diz a letra, “quem disse que tudo já foi dito abriu mão da satisfação”. A música também conta com variações rítmicas bem interessantes. “Superblood Wolfmoon”, outra bastante rápida e pesada, os riffs de guitarra estão bem definidos e acompanhados aqui por um belo solo. Essa dupla inicial certamente agrada os fãs mais antigos, que exigem muita guitarra e energia de Eddie Vedder. É porque o oposto vai acontecer agora com a faixa seguinte, “Dance of The Clairvoyants”, a viagem da banda pelo experimento new-wave.
Após o delírio, uma rápida fuga, é o que se trata de “Quick Escape”, muito peso e riffs novamente e uma letra pessimista sobre os caminhos que estamos tomando, cutucando o presidente dos Estados Unidos, com a pessoa indo de um lugar para outro em busca de um lugar onde Trump ainda não tinha fudido tudo. As coisas se acalmam com a belíssima “Alright”, sobretudo num mundo onde a vida está cada vez mais rápida, cobrando para vencermos sempre. Eddie Vedder diz na letra “tudo bem, ficar sozinho, ficar quieto, dizer não, ser uma decepção na sua própria casa, tudo bem desligar tudo, ignorar as regras do estado, é por você mesmo”.

 “Seven O’Clock” é uma das melhores faixas de Gigaton, tanto musicalmente quanto em relação à letra, e poderia muito bem colocá-la na lista de melhores da banda. Uma letra fluindo rápido e sempre com novas imagens e reflexões que clamam para que trabalharmos juntos para transformar essa situação fudida em que nos achamos, sem tempo para depressão ou hesitação autoindulgente. Na letra, várias indiretas para Trump e uma mensagem: “much to be done”.
Em “Never Destination” e “Take The Long Way” o hard rock clássico da banda retorna com satisfação. “Buckle Up” é bem leve e agradável e prepara caminho para a extremamente emotiva “Comes Then Goes”, claramente uma homenagem ao amigo de longa data da banda, Chris Cornell, que morreu em 2017. Só Eddie e o violão exalando emoção. “Retrograde” e “Rivercross”, as quais falam com preocupação sobre as mudanças climáticas, mantém o clima calmo e introspectivo e finalizam o álbum.
Muito mais do que ficar querendo colocar em que posição o novo disco vai ficar na carreira de Pearl Jam, o melhor a fazer é comemorar que rock ’n’ roll com consciência e propósito como esse ainda é feito hoje em dia, o que o torna muito mais relevante do que muita coisa que vem sendo produzida ultimamente.


terça-feira, 17 de setembro de 2019

Resenha de Elza Soares - Planeta Fome



Elza Soares é um ícone da cultura nacional, seja como símbolo feminino de resistência diante de uma vida cheia de sofrimento e reveses, seja como uma das maiores intérpretes da música brasileira. Desde cedo, Elza travou lutas típicas de uma mulher negra da periferia, como a fome, violência doméstica e sexual, tendo sido mãe precocemente, aos doze anos de idade, para logo em seguida padecer da maior dor de todas: aos quinze anos, perdeu seu segundo filho que sucumbiu à fome.
Pois bem, mesmo diante de todos os percalços, que fariam com que qualquer pessoa normal pensasse duas vezes antes de continuar, Elza tentou a carreira musical, inscrevendo-se no concurso de música do programa de Ary Barroso, na Rádio Tupi, em 1953. O que se passou no programa tornou-se icônico para a biografia da cantora. Maltrapilha e com jeito humilde de falar, Ary perguntou a ela: - “de que planeta você veio?” Elza respondeu: - “Do mesmo planeta que o senhor, seu Ary. Do Planeta Fome”.
Desde então, muita coisa se passou. Elza Soares, a Mulher do Fim do Mundo, tornou-se um ícone da nova geração, graças a parcerias exitosas que conectariam a octogenária a um novo público. Essa nova guinada veio em 2015, com o aclamado A Mulher do Fim do Mundo, primeiro álbum totalmente com músicas inéditas. O tom altamente crítico, reflexivo e enérgico, teve continuidade com o trabalho Deus é Mulher, de 2018. Agora, no topo de sua carreira, Elza Soares resgata o episódio que se sucedeu 66 anos atrás no programa de Ary Barroso, lançando seu novo álbum, Planeta Fome. Culminância dessa nova fase da carreira da cantora, Planeta Fome é um trabalho ousado do início ao fim, que mostra uma Elza empoderada, destemida, altiva diante de um tempo em que, como ela diz numa das letras, “lutar por seu direito é um defeito que mata”. Aos 89 anos, ela dá uma tapa nos “revolucionários Che Guevara de sofá” e é simplesmente uma – se não a maior – porta-voz da música de protesto em relação à fase autoritária, fascista, racista, homofóbica, exclusiva e assassina na qual o Brasil decidiu mergulhar de cabeça nos últimos anos. Ela conseguiu absorver o zietgiest do Brasil contemporâneo, não somente num tom pessimista, mas também dando impulso na continuidade da luta por um “Brasil do Sonho”.
A posição de Elza fica clara já pela capa do disco, assinada pela transexual e ativista LGBT Laerte, traduzindo um pouco o tom caótico da nossa sociedade. A diversidade de ritmos e sons também dá um aspecto fragmentado e caótico, que, ainda assim, mantém a unidade conceitual que funciona perfeitamente do início ao fim, ora mais intensa, ora mais calma.




A lapada começa com “Libertação”, com participação de BayanaSystem e Virgínia Rodrigues. Aqui Elza já dá seu recado: a Mulher do Fim do Mundo não vai sucumbir. “Menino”, de composição da própria Elza, é um apelo empático aos jovens que passam privação, mas que não se voltem contra o próximo para gerar mais violência. Só assim para acabar com o ciclo que infelizmente muitos jovens estão inseridos e que não conseguem se libertar.
A faixa seguinte “Brasis” é uma das mais intensas. As referências nas letras são muitas e parece que a cada vez que você ouve, percebe ainda algo novo. Fala sobretudo do Brasil desigual, um que “é próspero” e do outro que “não muda”, um que “investe” e outro que “suga”. Tem um Brasil que “soca” e outro que “apanha”.  Ao mesmo tempo, esses diferentes Brasis pedem a mesma coisa: no fim do ano estamos todos pedindo paz, saúde, trabalho e dinheiro. O mais genial dessas letras críticas é que elas são verdadeiramente nacionalistas e patrióticas. Exaltam o país, o seu povo, a sua diversidade, impulsiona o Brasil pra frente, pra ficar de cabeça em pé, mas ele teima em ficar para trás, cabisbaixo.





“Blá Blá Blá” é uma das construções musicais mais interessantes e imprevisíveis, que, somada a uma letra ácida, faz dela um dos pontos centrais do disco. É a história de alguém que quer ficar, mas que só dão motivo para querer ir embora. Entre as estrofes à machadadas, como diria Nietzsche, a vinheta de “Me Dê Motivo”, de Tim Maia. É o Brasil à venda pelos patriotas, que vende, aluga e cede as terras para a América do Norte – nomeadamente os Estados Unidos. É o Brasil que passa reformas que prejudicam os trabalhadores e os mais pobres, dizendo que se não o fizer o país irá quebrar. É a ideologia no sentido marxista mais claro: as ideias da classe dominante se impondo nas classes dominadas.
A força dessa ideologia se torna ainda mais explícita na genial “Comportamento Geral”. Quando vemos que esta é uma composição de Gonzaguinha, de 1973, percebemos a intensidade dessa ideologia e que, na verdade, pouca coisa mudou. A letra fala do cidadão comum, aquele que se sacrifica com um sorriso no rosto, o famoso capitalista pobre, que “deve rezar pelo bem do patrão e esquecer que está desempregado”. São cortes na educação, fim de direitos trabalhistas, fim da aposentadoria, congelamento de salários, mas que “deve aprender a baixar a cabeça e a dizer sempre muito obrigado”. Não é anacronismo. Essa era a realidade do Brasil da década de setenta, em plena linha dura da ditadura. No Brasil de 2019 seguimos a mesma linha, sendo que, pior, de forma mais consentida. “Você merece”.



Mesmo quando Elza deixa de lado claramente os temas políticos, as letras continuam a traduzir a desordem, o caos e a contradição, como quando ela diz, na faixa “Tradição”, para desconsiderar a razão, desobedecer o coração para descontinuar a tradição. “E na bagunça dessa vida, se jogue em meio à confusão”. A acústica “Lírio Rosa” parece perdia em meio a essa miscelânea, mas mostra o lado mais romântico de Elza.
“Não tá mais de graça” tem uma das letras mais impactantes, pois faz referência a uma outra música de Elza Soares, “A Carne”, que diz que a carne negra é a mais barata do mercado. Pois bem, agora mudou. Não, o negro geme ainda numa poça de sangue, mas a diferença é que agora ela não está mais de graça, “o que não valia nada agora vale uma tonelada, não tem bala perdida, tem seu nome, é bala autografada”. Diante de um tempo em que políticos populistas de direita usam a violência contra a população negra como forma de ganhar popularidade, agora a carne negra vale uma tonelada. A polícia agora pode assinar a bala que mata, está autorizada. Triste realidade. Como não cabe pessimismo em Elza, depois de citar Tupac, Marielle Franco, Rosa Parks, para destravar a corrente e sair da foice, na letra ela atesta: “Mas os pretos avançam, Wakanda forever yo!”
 Ainda não nos recuperamos totalmente do golpe e em seguida Elza nos manda outra música que representa o sonho daqueles que querem um país melhor para todos. “País do Sonho” deveria se tornar um hino na luta por esse novo país. Mais uma vez, o otimismo prevalece sobre a visão sombria do momento atual do Brasil.




“Pequena Memória Para um Tempo Sem Memória” é uma ode à resistência, principalmente àqueles “humilhados, ofendidos, explorados e oprimidos” que sucumbiram e que se tornaram “sementes nesse chão”. É verdadeiramente uma “história a contrapelo” no sentido de Walter Benjamin, a história dos vencidos. “E vamos à luta”
Em “Virei o jogo” Elza Soares representa a filosofia nietzschiana na afirmação da vida, mesmo diante da dor e da tragicidade da existência humana. “Se vem de não eu vou de sim, afirmação até o fim” ou então “você é não sou um milhão de sins”. Nietzche chegou a falar “o que não me mata me fortalece”. Já Elza Soares decretou: “Cara feia pra mim me fortalece”. Para fechar, “Não Recomendado” trata do obscurantismo, da censura provocada pelo fundamentalismo religioso, da homofobia e transfobia.
Chega-se ao fim de Planeta Fome meio que desnorteado, uma tontura, ainda tentando absorver o impacto das pancadas. Infelizmente, numa época extrema de intolerância, na qual as pessoas vivem confortavelmente nas suas bolhas das redes sociais, o alcance da mensagem de Planeta Fome seja limitado, mas na verdade trata-se de um clássico histórico, que ajudará aos brasileiros do futuro a entender nós, brasileiros, podemos enveredar por caminhos perigosos e sombrios.
  




segunda-feira, 20 de maio de 2019

Resenha de Christone "Kingfish" Ingram - Kingfish



                O blues não costuma ser muito generoso com os mais jovens. É muito mais comum vermos uma pessoa estreando a carreira com seus cinquenta, sessenta, setenta e até oitenta anos do que alguém muito jovem. Parece que a própria essência do blues exige essa maduridade da experiência, esse conhecimento da vida real, de saber lidar com as dores da vida e tratar delas por meio da música. É aí que Christone “Kingfish” Ingram, um jovem de 20 anos, surge para derrubar essa “teoria”. Ele nasceu em Clarksdale, no Mississippi, o berço do blues, próximo da plantação onde Muddy Waters passou a infância, bem como o cruzamento da highway 61 e 49, onde supostamente Robert Johnson bateu um papo e fez o pacto com o diabo. Pois bem, diferente de um jovem comum de sua idade, Kingfish não mostrou interesse pelo hip-hip ou rap. Ao contrário, desde cedo ele demonstrou grande interesse e habilidade para o blues, fazendo com que há alguns anos já carregasse o peso de ser o “futuro do blues”. A família dele cantava na Ingreja e a mãe é prima de uma lenda country, Charley Pride. Com seis anos, Ingram começou a tocar bateria e baixo. Aos 11 ele dominou rapidamente a guitarra e estreou nos palcos. Dentre os artistas com quem já diviu o palco estão nomes como Buddy Guy, Tedeschi Trucks Band, Robert Randolph, Guitar Shorty, Eric Gales e outros.


É com essa pressão que Christone “Kingfish” Ingram finalmente nos entrega seu tão aguardado álbum de estreia: Kingfish, produzido por Tom Hambridge, duas vezes vencedor do Grammy. Pode-se dizer que Kingfish lidou muito bem com a pressão e deu conta do recado. Seu álbum de estreia parece feito por um veterano, tranquilo por mostrar todas suas habilidades e passsar seu recado.

                Observando pela capa, podemos já perceber que Kingfish se apresenta como um guitarrista de blues. No álbum, Kingfish não é apenas um ótimo guitarrista, mas também um ótimo vocalista. O álbum decola com um poderoso blues-rock “Outside of This Town”, sobre o momento de sair da sua cidade em direção a coisas maiores. Na segunda faixa, “Fresh Out”, Kingfish é acompanhado na guitarra e no vocal por um dos seus maiores padrinhos musicais, Buddy Guy. A alternância de solos é dinâmica e muita rica. A maturidade e a tranquilidade da voz de Kingfish chega a impressionar, já que divide os vocais à vontade com gigantes do gênero e notáveis vocalistas, como o próprio Guy e Keb’ Mo’, como na faixa “Listen”.

                O álbum continua a todo vapor com mais um blues-rock, “It Ain’t Right” e, sem dúvida, os solos são um show à parte. Mas os pontos altos do disco são quando Kingfish dá um tom intimista e pessoal, aproveitando a curiosidade de ser um jovem de 20 anos tocando um gênero considerado “música de velho”. Ele fala dessa relação em em “Been Here Before”, só no violão e voz. Na letra, Kingfish dá tons míticos à sua história e fala sobre a sua “alma velha” que já andou peregrinando por aí.  A avó, como a voz da sabedoria, costumava dizer que ele já esteve ali antes. Em “If You Love Me” aparece um item que estava fazendo falta: a gaita, tocada por Billy Branch. Com a ajuda ainda de Keb’ Mo’ na guitarra, a música é um shuffle bem intenso.

                Dentre inúmeros destaques, “Love Ain’t My Favorite Word” com certeza se sobressai. Um slow blues incrível, cheio de solos de guitarra e uma letra comovente sobre como o amor é superestimado, com Kingfish já falando sobre suas desilusões amorosas. A influência de Buddy Guy fica evidente em “Before I’m Old” e “Believe These Blues”, onde inclusive Kingfish solta umas críticas sociais sobre enquanto a pobreza e a fome durar o blues nunca vai acabar. “Trouble” tem um ritmo bem interessante e diferente, entrecortado por solos de guitarra. Outra acústica “Hard Times”, com Keb’ Mo’ mais uma vez no violão, é outro grande momento. É curioso um jovem de 20 anos falando de “tempos ruins”, mas quando a gente pensa que vivemos em termos turbulentos e preocupantes, sabemos do que ele está falando. Ainda dá tempo para um solo de slide bem interessante. O álbum termina com “That’s Fine By Me”.

                Christone “Kingfish” Ingram certamente deixou de ser apenas uma promessa para ser uma realidade. O fato dele ser o futuro do blues só o tempo irá dizer. Ele tem todas as condições para isso. O perigo é ele ficar seduzido pelo mainstream e partir para mistura com outros estilos, não sendo nem uma coisa, nem outra. Uma grande promessa que foi para esse caminho foi Gary Clark Jr. Tomara que esse não seja o caso de Kingfish.


terça-feira, 2 de abril de 2019

Resenha de Mary Lane - Travelin' Woman



                Só o blues tem história como essa: artistas que começam sua carreira fonográfica com a idade já bem avançada, mas que permaneceram anônimos por décadas, vivendo uma vida comum, trabalhando de morrer durante o dia, passando por dificuldades, sofrendo os baques da vida, levantando-se para tentar dar a volta por cima, até cair de novo, e se levantar mais uma vez, enquanto isso busca se divertir  para escapar da dureza da vida seja apresentando sua música no bar – e ganhando um extra – ou se fortalecendo com músicas na Igreja no domingo.  Foi o caso de Leo “Bud” Welch, octogenário, que surgiu em 2014 com álbuns que mesclavam  perfeitamente o blues e o gospel, coisa que ele havia feito praticamente a vida toda no anonimato. Infelizmente, casos assim, até pela própria brevidade da vida longeva, tem um prazo de validade curto, e “Bud” Welch acabou partindo no final de 2017, mas, felizmente, sentindo o gostoso sabor do reconhecimento e do sucesso, ainda que tardio. 

Agora surge mais um desses achados tardios e preciosos. Atende pelo nome de Mary Lane, uma veterana de 83 anos, que por mais de cinqüenta anos peregrina pela cena em West Side, de Chicago, e lança agora um disco depois de 20 anos de sua estréia, Travelin’ Woman, pela nova gravadora Woman of The Blues. Acompanhando o disco, um documentário que conta a vida de Mary Lane, chamado I Can Only Be Mary Lane, também será lançado. Ela é uma das últimas representantes do blues original, aquele que saiu do sul segregado, fez a Grande Migração, foi para Chicago, e lá dividiu o palco com outras lendas, como Elmore James, Magic Sam, Junior Wells e ninguém menos do que Howlin’ Wolf.  Lane nasceu em Clarendon, Arkansas, e cantou por moedas nas esquinas de ruas, antes de iniciar sua carreira acompanhando Robert Nighthawk. 




Como para a grande maioria das pessoas, a vida para Mary Lane foi dura. Nada foi fácil e para conseguir qualquer coisa ela teve que dar o máximo de si. Persistiu, como estamos sempre tentamos. Foi resiliente, pois foi obrigada a sê-lo. Continuou tentando, mesmo quando muitos no seu caminho não acreditaram nela. Hoje, aos 83 anos, ela lança um disco que já está cotado nos melhores discos de blues do ano. Segundo uma entrevista para o site Chicago Blues Guide, ao ser perguntada o que esperava alcançar com o disco, Lane foi direta e disse que esperava pelo menos conseguir algum dinheiro. O entrevistado continua e pergunta o que ela acha de algumas pessoas dizendo que ela pode ganhar um Grammy com esse disco. Mary Lane simplesmente fala: “Eu não sei disso. Não ligo se ganhar um Grammy. Enquanto estiver por aí e as pessoas estiverem comprando e colocado um dolar no meu bolso, eu gosto disso”. Isso é o blues.  

O disco é incrível, assim como Mary Lane, que se a idade dela não tivesse sido revelada, poderia passar por alguma vigorosa cantora de uns trinta e poucos anos. A banda que a acompanha também está em ótima forma e faz um som bastante enérgico, com solos de gaita e de guitarra para todos os lados.  Em “Travelin’ Woman”, que dá o título ao álbum, ela conta um pouco de sua história, carregada por ótimos solos de guitarra. Logo em seguida, “Ain’t Gonna Cry No More”, um típico Chicago blues, é entrecortada pelo piano de Chris “Hambone” Cameron e a gaita de Eddie Shaw. “Leave That Wine Alone”, que conta os problemas da bebida na vida familiar, é bastante animada e com um ritmo constante que dá pra passar a música inteira estalando os dedos. Blues direto na veia segue com “Some People Say I’m Crazy”. Em “Raining In My Heart” a voz de Lane fica mais suave e parece uma doce garoa caindo num sábado à noite. Logo depois, o clima fica leve e relaxado na belíssima balada “Let Me Into Your Heart”. Quem diria que a senhora que está cantando tem 83 anos? Ninguém. Os destaques do disco continuam com “Ain’t Nobody Else”, com Billy Branch na gaita e “Blues Give Me a Feeling”, também cheia de acompanhamentos de gaita. Segundo Mary Lane, “if you don’t dig the blues you have a hole in your soul”, é verdade. Em “Bad Luck and Trouble” Lane fala sobre o tema clássico do blues. Por fim, Lane vira acústica em “Make Up Your Mind”, arrasando do mesmo jeito. 

É uma pena esse talento ter ficado escondido por tanto tempo. De qualquer forma, Travelin’ Blues é um disco que não apenas coloca Mary Lane no mapa do blues mundial, mas sim a coloca como uma gigante do blues. Exatamente o que ela merece. 



terça-feira, 12 de março de 2019

Resenha de Leo "Bud" Welch - The Angels In Heaven Done Signed My Name

   
         Quando Leo “Bud” Welch surgiu na cena do blues em 2014 com seu disco de estreia, Sabougla Voices, aos 82 anos, causou uma surpresa enorme, tanto pela sua vitalidade quanto pela de estranhesa de ter um disco de estreia com uma idade tão avançada. O fato é que Welch esteve ligado ao blues e ao gospel durante toda sua vida, tocando em igrejas e bares por horas seguidas. Na década de 50, chegou a abrir shows para figuras como B.B. King, Howlin’ Wolf, Elmore James, John Lee Hooker, só para citar alguns. Convidado por B.B. King para uma seção de gravação, Welch não pode comparecer por não ter dinheiro para pagar um quarto de hotel. Infelizmente, B.B. King também não pagou e perdemos o que poderia ter sido o início de uma promissora e bem-sucedida carreira no blues. 

            O fato é que a carreira de estúdio de “Bud” Welch deslanchou com Sabougla Voices, focando nas canções de gospel que ele tocou por tantos anos, numa roupagem crua de blues tradicional. Em 2015, o sacro virou profano com I Don’t Prefer No Blues. O impacto dos dois álbuns fez o bluesman octogenário que nunca havia deixado o Mississippi percorrer o país em turnês, viajando de avião pela primeira vez e tocando em renomados festivais de blues. 

Pouco antes de falecer, em 19 de dezembro de 2017, Leo “Bud” Welch fez uma última sessão de gravação, em Nashville, com Dan Auerbach. The Angels In Heaven Done Signed My Name é resultado dessa última gravação, depois de dar uns retoques finais às faixas gravadas com Welch. São dez faixas que capturam o espírito de um grande bluesman. O tema da morte, sempre visto pelo viés de um homem religioso e que vê a passagem como um encontro com Deus, é recorrente. Os destaques dentre elas são “I Know I’ve Been Changed”, “Don’t Let the Devil Ride”, claro, “I Wanna Die Easy”, “Let it Shine” e “Walk With Me Lord”. 

Enfim, The Angels In Heaven Done Signed My Name vem para engrandecer ainda mais o talento desse grande mestre na arte do blues, que, infelizmente, tivemos tão pouco tempo para desfrutar, mas que sua passagem está marcada por cada nota tocada e por cada verso cantado com energia e emoção autêntica no final de sua vida.