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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Resenha de Japan - Gentleman Take Polaroids



JAPAN

Gentleman Take Polaroids
(Virgin – imp.)

Verdadeiros dandys do new romantic nunca perderam o estilo, na música ou no vestuário. Satélites caíram do céu, Sid Vicious estava morto, o punk já dava sinais de transformação, os anos 70 haviam chegado ao fim. Foi esse o cenário que uma banda formada por cinco jovens encontrou quando resolveu dar uma guinada estilística em sua carreira. Embora tivesse surgido em 1977, no meio do movimento acima citado, o Japan sempre apontou para outros caminhos, tanto no aspecto visual – o grupo lembrava o New York Dolls – como no som, um misto de disco music, hard rock e experimentalismos. Depois de dois álbuns – Adolescent Sexy (77) e Obscure Alternatives (78), a banda decidiu enveredar ainda mais por caminhos não convencionais para a musica pop daquela época, o que já deixava claro que sua identidade musical ainda estava se definido. O Japan soltou um disco de transição, Quiet Life (79), mais definido, com vocais sóbrios, sintetizadores e guitarras à la Robert Fripp – para surpresa de muitos, o álbum chegou a ser lançado no Brasil.

Mas foi em 1980 que a banda finalmente atingiu a estética sonora que tanto procurava, com músicas de arranjos impecáveis. A princípio, Gentleman Take Polaroids soava estranho para os ouvidos não acostumados. As influências eram evidentes – David Bowie na fase Low e Heroes, Roxy Music em seus tempos de Manifesto, Brian Eno e as suas colagens de Before and After Science -, todas acopladas e transformadas. Longe de soar copia os integrantes do Japan – o dândi David Sylvian, andróide/andrógino de olhar distante nos vocais, o extraordinário baixista Mick Karn, o polirrítmico baterista Steve Jansen, o tecladista Richard Barbieri e o guitarrista Rob Dean – foram espertos o suficiente ao transmutar tudo o que aprenderam.




Se a faixa-título era a “mais fácil”, com refrão hipnotizante e levada technopop, que poderia ser tocada nas pistas de dança da época, “Methods of Dance” era ótimo exemplo de como um andamento desconcertante, marcado pela precisa bateria fora dos padrões de Jansen e backing vocals orientais, mostrava que o futuro estava no passado.

Muitos new romantics borraram suas maquiagens com lágrimas ao som da maravilhosa e triste “Nightporter”, em que um belíssimo piano inspirado em Erik Satie servia de fundo para Sylvian se superar com uma interpretação comovente, elaborando uma canção recomendada para madrugadas chuvosas. A releitura deliciosamente torta e percussiva de “Ain’t That Peculiar”, uma bela canção de Smokey Robison (sim, aquele mesmo da Motown), e a grandiloqüência gélida de “Taking Islands in Africa” (composta por Sylvia e Ryuchi Sakamato) provavam que o experimentalismo e a pop music podiam se unir com ótimos resultados.



Depois de outro excepcional disco de estúdio – Tin Drun, praticamente uma continuação de Gentleman..., já sem guitarra de Dean – e do inevitável registro ao vivo (Oil on Canvas, de 83), a banda se separou em inúmeras partes. Sylvia enveredou por uma respeitada e bem sucedida carreira-solo, Karn lançou um fraco disco solo e um único trabalho ao lado de Peter Murphy (ex-Bauhaus) com Dali’s Car, e Jansen e Barbieri montaram e lançaram discos bissextos. 

O Japan é hoje cultuado com um dos pioneiros do movimento new romantic, cuja curta carreira terminou pouco depois de bandas como o Duran Duran e o Spandau Ballet exercitarem o mesmo tipo de sonoridade, só que de modo mais dançantes e com maior sucesso comercial. Mas isso é uma outra historia...

(Daniel Rodrigue)*

*Estudante de Historia da UEPB e aficionado por música desde os 15 anos


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Abença Pai: Resenha de Miles Davis - Birth of The Cool




Miles Davis
The Birth of the Cool
(Capitol – imp.)

E absolutamente impossível saber o que seria do jazz se Miles Davis não tivesse se dignado a elaborar esse disco.

Olhar para a carreira de Miles Davis e visualizar a própria historia do jazz. Ele esteve por trás de cada inovação estilística e musical, e sua capacidade de arregimentar músicos notáveis para seus grupos tornou-se lendária. Todos que tocaram com Miles foram profundamente afetados por tal experiência. Ele tocava seu instrumento com um lirismo e uma introspecção que transformava radicalmente qualquer composição, tomando seu tom absurdamente inigualável.

Mas se a maneira como abordava seu instrumento não sofreu modificações, o modo como via e ouvia jazz não tem parâmetros na historia do estilo. Miles constantemente chutava a bunda do jazz para que este se desenvolvesse como linguagem musical.

Um projeto evidente – começou a excursionar com bandas logo aos 16 anos; aos 18, já fazia parte do grupo de Billy Eckstine, ao lado de Dizzy Gillespie e Charlie Parker, ambos considerados como os arquitetos do bebop -, Miles cedo percebeu que a rapidez do bebop não servia para seu estilo, mais lento. Em 1948, ele organizou um estranho – para a época – noneto, com a presença, alem de seu trompete, de sax-alto (Lee Konitz), sax-barítono (Gerry Mulligan), trombone (Kai Winding), french horn e tuba. Um contrato com a Capitol Records levou as gravações daquilo que seria mais tarde como The Birth of the Cool.

A banda entrou em estúdio em janeiro de 49 e, em três sessões (duas naquele mesmo ano, e a terceira em março do ano seguinte), gravou 12 faixas, com arranjos de Gil Evans. Na época, elas não chamaram a atenção, mas o som relaxado afetou a todos que participaram daquelas gravações e foi catalisador daquilo que se tornou mais tarde o jazz West Coast.




A elasticidade do bebop se harmonizava com a sonoridade típica de uma big band, só que com uma atmosfera muito mais relaxante, algo impensável para a época. Os temas jamais descambavam para o histrionismo, mesmo em termos rítmicos. A concisão dos arranjos de Evans levava o grupo a soar como se estivesse um número menor de integrantes.

O resultado foi mágico. A química musical exibida logo na abertura com “Move” já fornecia pistas do que viria a seguir, pois o tema – originalmente composto como um bebop – recebeu o tratamento mais suingado (ou, se preferir, cool). O mesmo acontecia em “Jeru”, composta por Mulligan, com um brilhante solo de Miles.

Mas foi na belíssima e plácida “Moon Dreams” que a coisa começou a se definir. Esta balada foi tocada em um andamento arrastado para a época, alem da seriedade quase erudita com que o grupo a executou. Outra composição de Mulligan, “Venus De Milo”, fez o grupo voltar a suingar compassadamente. Fornecendo um belo encadeamento com a faixa seguinte, “Budo”, um clássico tema do pianista Bud Powell reduzido a pouco mais de dois minutos de energia pura.





“Deception” e “Godchild” apresentavam uma tensão pouco frenética, antecipando a cadencia sutil – e elaborada ao mesmo tempo – de “Boplicity”, estranhamente creditada à mãe do próprio Miles. O espaçamento melódico de “Rocker” e “Israel” acabaram por influenciar toda a estrutura jazzística posterior, ao passo que a divertida “Rouge” e a romântica “Darn That Dream”, a única faixa com vocais – a cargo de Kenny Hagood – encerravam a pioneira experiência com chave de ouro. A coisa era tão inofensiva que todas as gerações de jazzistas subseqüentes acabaram influenciadas de modo irrefutável.

No final de sua vida, Miles acabou caindo em contradição ao embarcar em uma trip egocêntrica, em que roupas acetinadas eram parceiras de uma postura estranha para os fãs, já que Miles passou a tocar com um pé em pedais wah-wah e as mãos em teclados. Mas foi esse mesmo cara que ampliou as fronteiras do jazz sem perder a qualidade. O cool jazz de Miles foi o momento definitivo de uma gigantesca transformação.

A importância histórica de The Birth of the Cool adquire uma relevância ainda maior por ser um daqueles discos que, se bem entendidos, são capazes de abrir a cabeça – e a mente – de qualquer pessoa.

(Daniel Rodrigue)*

*Estudante de Historia da UEPB, apaixonado por música e quadrinhos (como Robert Crumb) que desde os 15 anos ouve e lê compulsoriamente tudo a respeito.