Com
certeza há aqueles álbuns difíceis e trabalhosos para gravar, compor e colocar
todas as coisas meticulosamente nos seus devidos lugares; há outros, porém, que
esse processo parece ser uma moleza. Esse é o caso de Blue & Lonesome,
primeiro álbum de estúdio de Rolling Stones após mais de uma década, no qual a
gigantesca banda decide dedicar o novo disco inteiramente ao blues. Não é
surpresa que os Stones amem o blues, o que surpreende em Blue & Lonesome é
o quão bem eles ainda tocam o blues. Acho que não é necessário abordar demoradamente
a longa e intensa relação de Mick Jagger, Keith Richards e companhia com o
gênero musical criado pelos negros dos Estados Unidos no início do século XX; o
próprio nome da banda já entrega essa relação; o fato há 51 anos a regravação
de “Little Red Rooster” chegar ao número 1 das paradas britânicas é outra
evidência; a primeira aparição de Howlin’ Wolf na TV norte-americana ter sido
como condição para os Stones participarem do programa em 1965, mais uma (“I
think it’s about time you shut up and we had Howlin’ Wolf on stage”, Brian
Jones disse à época). Mas ainda não é apenas isso: antes de ser uma das maiores
bandas da história do rock, os Rolling Stones eram uma banda cover de blues,
que viviam tocando as músicas que, atravessando o Atlântico, chegavam às casas
desses jovens britânicos cheios de força criativa e energia. Pois bem, já deve ser possível imaginar a facilidade com que esses senhores que tocam juntos há mais
de meio século, juntaram-se para gravar as músicas que eles tocam... bem, há
mais de meio século. Esse é Blue & Lonesome, gravado em apenas três dias.
O
melhor também é que agora são realmente os Stones tocando o blues sendo os
próprios Rolling Stones, e não apenas um bando de jovens britânicos em busca de
criar seu som e querendo soar como seus ídolos transatlânticos. A voz de Mick Jagger está na sua
melhor forma, bem como sua técnica com a gaita. O mesmo é verdade para toda a
banda. Para melhorar, as músicas não são simples cópias das originais; em Blue
& Lonesome os Stones colocam seu próprio DNA, o que torna o álbum não
simplesmente um álbum de covers de blues, ou um álbum de tributo, mas sim um
álbum dos Rolling Stones.
Toda
a tracklist é impecável, da faixa de abertura, “Just Your Fool”, de Buddy
Johnson e regravada interminadas vezes, em que Jagger se solta totalmente como
gaitista, à última faixa, a clássica “I Can’t Quit You Baby”, de Willie Dixon, com
participação de Eric Clapton, outro aficionado por blues. Pode-se dizer que os
fãs de blues reconhecem facilmente a grande maioria das doze faixas do disco e
com certeza já vão ter em mente várias outras referências das mesmas músicas
tocadas outras dezenas vezes. O que aparentemente poderia ser enfadonho faz o
efeito contrário. A familiaridade facilita a dar valor, curtir mais diretamente
o som e reconhecer o trabalho da banda. As escolhas estão centradas no som de
Chicago das décadas de 40 e 50, então estão presentes naturalmente Little
Walter (“Hate To See You Go”, “I Gotta Go”), Howlin’ Wolf, com a ótima versão
de “Commit A Crime”, Buddy Guy e Junior Wells, com a clássica “Hoo Doo Blues”,
Jimmy Reed, com “Little Rain” em roupagem brilhante e solo incrível de gaita,
Eddie Taylor com outra favorita dos covers de blues, “Ride ‘Em On Down”,
novamente Willie Dixon com “Just Like I Treat You” e, claro, Memphis Slim com a
faixa título, “Blue And Lonesome”. (Senti falta de Muddy Waters, no entanto). A
mais desconhecida do grande público talvez seja a ótima “Everybody Knows About
My Good Thing”, de Little Johnny Taylor.
Blue
& Lonesome é fruto de um atalho no processo de gravação de um novo álbum de
inéditas de Rolling Stones. A viagem no túnel do tempo fez a banda soar mais
uma vez relevante e gigante como sempre fora, mas que alguns pareciam ter
esquecidos. Espero que o alto nível alcançado com a happy hour com os amigos
empolgue e impulsione a banda para um disco de inéditas tão bom quanto.
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