O disco de estreia de um artista tem que vir com
alguns elementos que forneçam dicas sobre o que o ouvinte pode esperar. O
título e a capa são aspectos importantíssimos para esse fim. É o que acontece,
por exemplo, com o disco "Quit the Women for the Blues", do jovem
estreante Vin Mott, de New Jersey. A capa é simples e mostra Mott em plena ação
tocando gaita, enquanto o título do disco sugere que tenha muito, muito blues.
E melhor, harmonica blues. Pois bem, é isso o que Vin Mott faz, inspirado pelos
mestres tais como James Cotton, Little Water e pegando a tradição de Chicago
blues de Muddy Waters, em cada uma das dez faixas do disco. Outra coisa que
chama atenção e confere muito crédito a Mott e sua banda é que todas as dez
faixas são originais e autorais.
A faixa de abertura e que dá título ao álbum foi
construída sem dúvida com base em "Killing Floor", de Howlin' Wolf.
Inicia o disco com grande estilo. "Make Up Your Mind" é um apelo para
a garota se decidir logo. Aqui, bem como em vários outros momentos do disco,
Mott mostra solos de gaita com grande desenvoltura. O humor ácido aparece em
"Don't Make Me Laugh". A ótima "I'm a Filthy Man" é um dos
pontos altos do disco, com Mott assumindo o papel do safadão da história.
Mas a grande estrela do álbum mesmo é "The
Factory". No blues, as contradições da luta de classes aparece na maioria
das vezes de forma indireta. Por ser um estilo que se desenvolveu num ambiente
brutal e segregado, no qual os negros estavam sujeitos à violências por todos
os lados, é natural que eles não se sentissem seguros o suficiente para
escancarar tudo o que pensavam nas suas letras, exceto nos salões frequentados
somente por membros do próprio grupo. Ainda assim, algumas gravações de
cantores que tiveram coragem de colocar os pingos nos i's nas letras se
destacaram. Por exemplo, "Take This Hammer", de Leadbelly, que serve
quase como uma "dedada" para o capitão, ou, provavelmente a mais
clássica, "Big Boss Man", de Jimmy Reed, alcança um momento em que ele
fala na letra: "você não é tão grande, você só é alto, e isso é
tudo". Big Bill Broonzy, J. B. Lenoir, Josh White e Nina Simone são alguns
outros que se destacam por ter deixado essa luta de classes mais clara em
algumas letras do blues. Pois bem, longe de colocar Vin Mott na mesma posição
em termos de experiência de classe que os negros norte-americanos durante a
praticamente toda sua história enquanto comunidade americana, mas "The
Factory" sem dúvida retrata a esfera da luta de classe que foi transferida
da zona rural para as fábricas. A música, um slow blues arrastado que
representa a exaustão no final de um dia de trabalho, mostra uma letra que
representa a realidade de muito trabalhador industrial pelo mundo afora. Típico
de um morador de uma zona industrial. Representa também a indignação, a raiva
por essas relações sociais de produção. Vale a pena transcrever um trecho da letra:
I've been working / all around the clock (2x)
got
stuck on the third shift / man, what a shock
I've
been working / all around the clock
this
living, ain't much living
I've
been beaten down by the Factory.
Gonna get me a pistol, gonna shoot the Boss
(2x)
And I won't be sorry, for nobodies loss
Gonna get me a pistol, gonna shoot the Boss
This living, ain't much living
I've been beaten down by the Factory
Na verdade, em algum momento da vida, todos nós
trabalhamos nessa fábrica que Vin Mott fala tão vivamente. Seja ela real ou
não.
Mas como todo bom trabalhador, a vida não se resume
a reclamar da exploração. Tem muita festa, namoro e diversão também. A coisa
fica mais animada, inclusive sexualmente, com "Freight Train" e
"Ol' Greasy Blues". Mas claro que teria que ter alguma música sobre
problemas de relacionamento, com o "I Wanna Get Ruff With You". O
álbum se encaminha para o final com "Livin The Blues", mas um ótimo
lamento de quem realmente está vivendo o blues. "Living the blues, been
misused, treated so bad". Isso é o blues. Para finalizar, uma divertida
instrumental "Hott Mott's Theme", em que Mott usa pouco mais de dois
minutos para se divertir com sua banda e sua gaita.
Então, seja utilizando o humor, o desejo sexual, a
exaustão física, a raiva ou o ímpeto festeiro, "Quit The Women For the
Blues" é um ótimo disco autêntico de blues. Não é qualquer um que estreia
com um álbum totalmente com músicas autorais, principalmente no blues, um
gênero que é tão comum ver regravações atrás de regravações. É rejuvenescedor,
sem dúvida. Vale muito a pena ficar de olho nos seus próximos passos.
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