The
Reverend Shawn Amos surgiu em 2014 com o promissor disco The Reverend Shawn
Amos Loves You, mostrando um som com muita identidade, com um pé no blues e o
outro dividido entre o rock e o gospel. Entre 2014 e 2018, além de ficar
fazendo shows, Shawn Amos se manteve presente através da recomendadíssima série
no youtube, Kitchen Table Blues, na qual todo domingo aparecia um vídeo novo
com uma releitura de algum clássico do blues ou mesmo uma canção própria. Pois bem, passados quatro anos, o mundo não é
mais o mesmo, seja na esfera internacional ou mesmo na nacional, que, apesar da
distância, não apresenta uma diferença muito grande em relação ao que
provavelmente Amos observa no mundo e no seu próprio país, os Estados Unidos.
No
Brasil, passamos por um processo de radicalização política tão extrema que
desencadeou um golpe de Estado, cujo resultado não foi apenas a destituição de
um Chefe de Estado democraticamente eleito do país, mas sim despertou a misoginia,
o ódio político, racial e social como bandeiras de segmentos sociais que vão
além da experiência de classe e torna-se cada vez mais numeroso. Por pior que
seja, esse processo de intolerância e combate à diferença não se viu resumido
ao Brasil. Nos Estados Unidos, Barack Obama deu lugar à figura caricata de Donald
Trump, que representa todo o conservadorismo estadunidense, congregando os
piores valores nacionais, como a supremacia branca do KKK, cujo aspecto mais
notável é o crescimento da violência policial contra a população negra, o
imperialismo das grandes multinacionais ou a xenofobia. Portanto, The Reverend
Shawn Amos Breaks It Down tem a função, inspirado pelos valores de Dr. Martin
Luther King e da luta pelos direitos civis, de condensar toda essa guinada ao
conservadorismo, à intolerância e funcionar como um disco-manifesto em direção
à liberdade, ao amor ao próximo e, sobretudo, à esperança.
Para
conseguir entregar seu disco-manifesto, Amos com certeza teve que pensar na
melhor forma. Musicalmente, The Reverend Shawn Amos Breaks It Down não é um álbum
apenas de blues, mas cobre na verdade uma ampla gama de estilos que tem o ponto
de partido no blues, mas que alcança o soul, gospel, R&B e muito rock. Essa
combinação quase universal combina com a mensagem do disco que, atualmente, é
quase universal. A faixa que dá início ao disco, “Moved”, é apenas Amos
cantando com um acompanhamento lento na guitarra com alternâncias ocasionais de
gaita. Apesar da calmaria, a letra conclama para o fim da apatia, o dilema
entre levantar-se e lutar pelo que acredita ou apenas desistir e aceitar o
peso. É o momento em que Shawn
Amos lança a pergunta dylaniana: “How long can a man hold it in before he’s moved?”.
Em seguida, Amos deixa gravado o marco do ano de 2017, destacando as
novas maneiras de se travar uma guerra no século XXI, sem tanques ou aviões,
apenas com a manipulação e controle de pensamento, trabalho feito muito bem
pelo conglomerado midiático. Nesse momento, as realidades brasileira e
estadunidense relatada por Amos quase se completam. Golpes de Estados dados sem
uso de tanques ou intervenção militar como no passado, mas apenas pela manipulação
midiática. No fim, ainda chama
atenção para a disseminação de ódio: “Hate and fear ain't no vaccine / We've
got to think about what our children's eyes have seen / In the year
20...20...17”.
Na
terceira faixa, Shawn Amos apela para a esperança de todos nós nos unirmos,
apertarmos nossas mãos, como irmãos e irmãs, e conduzir nossa vida com amor e
fé, que é mais fácil do que ódio e medo. Apesar de ser uma faixa que destoa,
tematicamente, do restante do álbum, fica totalmente perdoada, pois é “Jean
Genie”, a canção mais blues de David Bowie. Após o momento de descontração, o álbum
alcança seu ponto máximo na seção chamada “Freedom Suite”, com três músicas
emocionantes. Se no início do álbum, Amos destaca as mudanças na sociedade
nesse novo século, com o recrudescimento do ódio e da intolerância, em Freedom
Suite ele destaca o que, infelizmente, ainda permanece: a questão racial.
Na primeira
faixa da seção, “Does My Life Matter”, Amos toma a liberdade artística para
ampliar a letra de uma canção de Bukka White, acrescentando as novas tensões
raciais a partir dos constantes casos de violência policial contra os jovens
negros nos Estados Unidos, bem como a ascensão do movimento social “Black Lives
Matter”. Então, Shawn Amos lança a pergunta:
“Am I paying for the
sins
Of my color or my
crime
Will shooting down my
body
Really give you peace
of mind
Does my life matter
Or does it matter less
Does my life matter
Or does it matter less”
Ao
mesmo tempo em que lança duras críticas, Shawn Amos prefere ainda acreditar no ser
humano e a todo momento está chamando-nos a nos unirmos. É o que ele volta a
pedir em “(We’ve Got To) Come Together”.
Não importa a tribo que você milite, sua ideologia política, convicção
religiosa, sua opção sexual, pois, tal qual Dr. Martin Luther King, que se
agarrou ao amor, nós temos que nos unir como uma família. “Ain’t Gonna Name
Names” é outra faixa que serve para dar uma descontraída no ambiente. O disco chega
ao fim com a cover de Nick Lowe “(What’s So Funny ‘Bout) Peace, Love and
Understanding”, que não poderia ser um final melhor para um disco que a todo o
momento está apelando para esses três sentimentos tão em falta nesse momento:
paz, amor e entendimento.
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