O
guitarrista de blues Bob Margolin é uma conexão direta com o passado; um
passado, diga-se de passagem, bem majestoso. Entre 1973 e 1980, Margolin foi o
guitarrista da banda de ninguém menos que Muddy Waters, durante uma fase de
grande sucesso comercial para Waters, com a parceria com Johnny Winter,
produzindo dois grandes álbuns, Hard Again, de 1977, e I’m Ready, de 1978,
ambos vencedores de Grammys. A partir da década de 90, “Steady Rollin’” Bob
Margolin, como também é chamado, passou a consolidar uma carreira solo com
álbuns sempre muito elogiados e explorando os limites do gênero blues (Not
Alone, de 2012, e em parceria com Ann Rabson, In North Carolina, de 2006, Up
& In, de 1997 e My Blues & My Guitar, de 1995, são alguns itens de sua
discografia que vale muito a pena conferir). Em 2016, Margolin lança mais um
disco, chamado My Road, que destaca a trajetória desse guitarrista que tem
muito que contar e muito mais ainda a oferecer com seu talento. Em várias
das doze faixas do disco, Margolin adota o tom autobiográfico para falar um
pouco da sua relação com o blues. A banda é enxuta, sem muito refinamento, o
que provoca algumas canções “simplistas”, mas memoráveis.
“My
Whole Life” resgata sua trajetória na vida e no blues, que o levou ao momento
em que se encontra agora. É um blues direto, bem no estilo de Muddy mesmo,
repleta de solos de guitarra alternados pela gaita. “For every note I play there are 50 years of
shows, 2 million miles of highways and a passion that just grows”. Uma
declaração ao blues. Na romântica “More and More”, Margolin adota a voz mais
melódica, enquanto o som fica mais enxuto, sem a gaita e apenas a guitarra,
baixo e bateria, assim como em “I Shall Prevail”.
A
simplicidade atinge um nível memorável em dois claros momentos: em “Goodnight”,
um belíssimo blues rural de raiz tocado e cantado por um inspirado Margolin. Um
dos pontos alto do disco, sem dúvida, a ser somado com “By By Baby”, de Nappy
Brown, na qual o dueto entre Margolin e Chuck Cotton é acompanhado apenas pela
gaita. Um trabalho de harmonia magnífico entre os dois. Perfeito. “Low Life
Blues” a coisa fica animada mais uma vez, com Ted Walters tocando gaita do
jeito do mestre Little Walter no melhor estilo do Chicago Blues. No final da letra, uma grande lição
para todos os amantes do blues: “well, you can call me a low life, but i’ll
leave the high life too, cause if I’d never hit bottle, wouldn’t know all the
things I do”. Tocou bem na essência, Mr. Margolin.
“Young
and Old Blues” é uma divertida visão sobre o choque de gerações, sobre
envelhecer. A imagem que Margolin utiliza é ficar impressionado com B. B. King,
um homem tão velho, tocar e cantar o blues como ele toca e canta. Em seguida,
sua banda estava tocando tão alto numa escola para um monte de adolescentes que
eles nem conseguiam conversar. Como Margolin diz, o novo e o velho depende de
que lado você olha. É coisa pra quem gosta de música de velho, como se diz. Já
“Ask Me No Question” lembra um pouco Johnny Cash, principalmente com a voz
grave de Margolin. É o momento de depressão antes da festa de sábado a noite,
que não tarda a chegar com “Feelin’ Right Tonight”. Hora de curtir, não importa
o que lhe digam. Já “Devil’s Daugher” é para depois da farra, arrastada, cheia
de solos de slide, sombria, deixando no ponto para uma dança com a filha do
capeta.
“Heaven Mississippi” é um show à parte, para
deixar todo fã de blues emocionado, pela quantidade de referências a essa terra
que é tida como o Berço do Blues, o “paraíso”, o segregado, o racista Estado do
Mississipi, que forneceu as condições para as experiências compartilhadas pela
comunidade negra, que acabaram potencializadas no blues. Como bom conhecedor,
Margolin acerta em cheio nas referências, pagando tributo especial a seu
mentor, Muddy Waters, que é quem o guia nessa jornada: “Heaven Mississippi, the
blues i love was there, heaven, heaven Mississippi old school blues fill the
air”. Robert Johnson, Pinetop
Perkins, Muddy Waters, Hubert Sumlin, Jimmy Rodgers, Willie “Big Eyes” Smith, Junior
Wells, Freddie King, é por causa de todos esses e muitos outros, que Margolin
enfim atesta: “in heaven Mississippi the blues will never die”.
My
Road é um álbum que atinge o seu objetivo: mostrar um pouco da carreira desse
guitarrista que já tem onze discos solo, inúmeros projetos e participações
especiais e está num momento especial em sua vida, sendo uma figura respeitável
na cena do blues, com uma agenda frequente de shows e consistentes álbuns
lançados. Ou seja, My Road é um compêndio das variadas facetas desse grande
guitarrista do blues, mas mantendo-se sempre na sua maior paixão: o bom e velho
blues.
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