John Long toca
o blues daquele jeito que você esperava ouvir lá na década de 40 ou 50. É o
blues ainda tradicional vivo, respirando e pulsando. No blues de John Long você
sente a cada nota o espírito do Delta blues, de Son House, Bukka White e Robert
Johnson, e o Chicago Blues de mestres como Muddy Waters e Sonny Boy Williamson.
Nascido em 1950, em St. Louis, no
Missouri, John Long teve a oportunidade de ter convivido com alguns desses
mestres nos seus anos formativos, na década de 70, mudando para Chicago; um
deles, um tal de Muddy Waters, chegou a falar de John Long nos seguintes
termos: “John Long is one of the best young country blues artists today”;
outro, chamado de Homesick James, tido por Long como seu pai adotivo, foi o seu
grande mentor e amigo. Apesar de tão gabaritado, a carreira em estúdio de John Long
é pequena: em 2006, a gravadora Delta Groove Music lançou seu primeiro disco de
alcance nacional, Lost and Found, que atraiu grande atenção e sucesso de
crítica. Apesar de bem sucedido, levou nada menos que dez anos para Jonh Long
dar sequência a sua carreira, lançando em maio Stand Your Ground, pela mesma
Delta Groove Music, conseguindo ainda superar a qualidade que havia deixado no
seu primeiro registro. Através de oito
músicas autorais e cinco covers, John Long vai muito além de apenas gravar um
álbum de blues tradicional, mas seu estilo lírico e abordagem vocal toca muito
profundamente regiões da nossa alma.
O álbum começa
com “Baby Please Set A Date”, com acompanhamento de bateria, piano e cheio de
slides no violão amplificado, bem característico de seu estilo. “Red Hawk” já é
uma dos destaques do disco, principalmente a voz e o estilo Delta de John Long.
A letra também é bastante interessante, que fala sobre o falcão vermelho, em
extinção, símbolo bastante forte no xamanismo da população nativa da América,
vítima de caçadores. John Long apela para a permanência do espírito do Falcão
Vermelho, para continuar voando com todo seu poder místico. A faixa seguinte, “Things
Can’t Be Down Aways”, com Long liderando na gaita, diz que temos que parar de
ficar por aí pra baixo e mudar, tomarmos alguma posição, porque em algum
momento as coisas melhoram, dias melhores acabam aparecendo. Puro blues: vamos
tentando que algum dia a gente para de se dar mal. “Stand Your Ground”, faixa
que dá título ao trabalho, segue nessa linha e diz para nos impormos, não
aceitarmos as pessoas nos dizendo o que fazer e tomarmos cuidado com os diabos
vestidos de ovelha “when the Devil comes ’round in sheep’s clothing / Stand Your
Ground, stand your ground / don’t you let nobody push you around”.
Em “Welcome
Mat”, mais uma enraizada no mais puro Delta blues que você encontra por aí
hoje, alerta pra aquelas que tiram vantagem do companheiro(a), mas caminham em
gelo fino. A seguinte, “No Flowers For Me” é de arrepiar; a letra fala do
narrador enfrentando a morte e pedido que seus filhos que ao invés de comprar
flores para ele doem a dinheiro para algum fundo de pesquisa para curar a
doença de Parkinson. Cada estrofe de despedida é um aperto no coração. Belíssima. “Well, I’ve been shaking,
i’ve been hurting, and someday soon my body will be set free”. O nível
continua altíssimo com “One Earth, Many Colors”, mais rítmica, que é uma grande
conclamação para o respeito e a celebração da diversidade da espécie humana em
suas mais diferentes formas: “open your heart and mind / one earth, many
colors, for one human kind”. Mensagem muito necessária nesses dias de hoje,
cheio de fronteiras ideológicas, de raça, religiosas e sociais, que parecem
ultimamente caminhar de volta ao passado, aumentando o abismo entre as
diferenças. “Healin’ Touch”, que já estava presente no seu disco Lost And
Found, de 2006, recebe uma abordagem ainda mais minimalista.
A parte final
do disco guarda ainda duas belas covers tradicionais do gospel, “I Know His
Blood Can Make Me Whole” e “Precious Lord, Take My Hand”, e que recebem um
tratamento especial por John Long e ainda uma dos maiores destaques do disco
que até aqui já havia sido de grande qualidade, “Climbing High Mountains”; esta
última, que contém basicamente John Long na gaita e o pé ditando o ritmo, é
sobre a luta diária, a batalha para escalar uma montanha a cada dia para voltar
pra casa, chamando palavrões, tomado de frustração. Mais uma belíssima.
O que John
Long nos mostra em Stand Your Ground é que o blues não tem tempo, pois um blues
cujos mestres remetem às fases pré-guerra ainda soa tão atual e ambientado aos
novos tempos, com nossos sentimentos, nossas preocupações com a morte, nossas
batalhas diárias pela sobrevivência. Sem dúvida, até este momento, ocupa
confortavelmente a posição de melhor álbum de blues do ano.
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