O
blues não costuma ser muito generoso com os mais jovens. É muito mais comum
vermos uma pessoa estreando a carreira com seus cinquenta, sessenta, setenta e até
oitenta anos do que alguém muito jovem. Parece que a própria essência do blues
exige essa maduridade da experiência, esse conhecimento da vida real, de saber
lidar com as dores da vida e tratar delas por meio da música. É aí que
Christone “Kingfish” Ingram, um jovem de 20 anos, surge para derrubar essa “teoria”.
Ele nasceu em Clarksdale, no Mississippi, o berço do blues, próximo da
plantação onde Muddy Waters passou a infância, bem como o cruzamento da highway
61 e 49, onde supostamente Robert Johnson bateu um papo e fez o pacto com o
diabo. Pois bem, diferente de um jovem comum de sua idade, Kingfish não mostrou
interesse pelo hip-hip ou rap. Ao contrário, desde cedo ele demonstrou grande
interesse e habilidade para o blues, fazendo com que há alguns anos já
carregasse o peso de ser o “futuro do blues”. A família dele cantava na Ingreja
e a mãe é prima de uma lenda country, Charley Pride. Com seis anos, Ingram
começou a tocar bateria e baixo. Aos 11 ele dominou rapidamente a guitarra e
estreou nos palcos. Dentre os artistas com quem já diviu o palco estão nomes como
Buddy Guy, Tedeschi Trucks Band, Robert Randolph, Guitar Shorty, Eric Gales e
outros.
É com essa
pressão que Christone “Kingfish” Ingram finalmente nos entrega seu tão aguardado
álbum de estreia: Kingfish, produzido por Tom Hambridge, duas vezes vencedor do
Grammy. Pode-se dizer que Kingfish lidou muito bem com a pressão e deu conta do
recado. Seu álbum de estreia parece feito por um veterano, tranquilo por
mostrar todas suas habilidades e passsar seu recado.
Observando
pela capa, podemos já perceber que Kingfish se apresenta como um guitarrista de
blues. No álbum, Kingfish não é apenas um ótimo guitarrista, mas também um
ótimo vocalista. O álbum decola com um poderoso blues-rock “Outside of This
Town”, sobre o momento de sair da sua cidade em direção a coisas maiores. Na
segunda faixa, “Fresh Out”, Kingfish é acompanhado na guitarra e no vocal por
um dos seus maiores padrinhos musicais, Buddy Guy. A alternância de solos é
dinâmica e muita rica. A maturidade e a tranquilidade da voz de Kingfish chega
a impressionar, já que divide os vocais à vontade com gigantes do gênero e
notáveis vocalistas, como o próprio Guy e Keb’ Mo’, como na faixa “Listen”.
O
álbum continua a todo vapor com mais um blues-rock, “It Ain’t Right” e, sem
dúvida, os solos são um show à parte. Mas os pontos altos do disco são quando
Kingfish dá um tom intimista e pessoal, aproveitando a curiosidade de ser um
jovem de 20 anos tocando um gênero considerado “música de velho”. Ele fala
dessa relação em em “Been Here Before”, só no violão e voz. Na letra, Kingfish dá
tons míticos à sua história e fala sobre a sua “alma velha” que já andou
peregrinando por aí. A avó, como a voz
da sabedoria, costumava dizer que ele já esteve ali antes. Em “If You Love Me”
aparece um item que estava fazendo falta: a gaita, tocada por Billy Branch. Com
a ajuda ainda de Keb’ Mo’ na guitarra, a música é um shuffle bem intenso.
Dentre
inúmeros destaques, “Love Ain’t My Favorite Word” com certeza se sobressai. Um
slow blues incrível, cheio de solos de guitarra e uma letra comovente sobre
como o amor é superestimado, com Kingfish já falando sobre suas desilusões
amorosas. A influência de Buddy Guy fica evidente em “Before I’m Old” e “Believe
These Blues”, onde inclusive Kingfish solta umas críticas sociais sobre
enquanto a pobreza e a fome durar o blues nunca vai acabar. “Trouble” tem um
ritmo bem interessante e diferente, entrecortado por solos de guitarra. Outra
acústica “Hard Times”, com Keb’ Mo’ mais uma vez no violão, é outro grande
momento. É curioso um jovem de 20 anos falando de “tempos ruins”, mas quando a gente
pensa que vivemos em termos turbulentos e preocupantes, sabemos do que ele está
falando. Ainda dá tempo para um solo de slide bem interessante. O álbum termina
com “That’s Fine By Me”.
Christone
“Kingfish” Ingram certamente deixou de ser apenas uma promessa para ser uma
realidade. O fato dele ser o futuro do blues só o tempo irá dizer. Ele tem todas
as condições para isso. O perigo é ele ficar seduzido pelo mainstream e partir
para mistura com outros estilos, não sendo nem uma coisa, nem outra. Uma grande
promessa que foi para esse caminho foi Gary Clark Jr. Tomara que esse não seja
o caso de Kingfish.