sábado, 10 de maio de 2014

Resenha: Nação Zumbi - Nação Zumbi




Os críticos normalmente chegam ao consenso de que o ciclo do Manguebeat, movimento iniciado há 20 anos por Chico Science & Nação Zumbi, com o lançamento de Da Lama Ao Caos, em 1994, acabou. No entanto, nos últimos anos podemos perceber que seus principais expoentes ainda estão produzindo música de qualidade a cada ano. Nesse período, sobretudo de uns cinco anos para cá, a cena musical de Pernambuco sempre serviu para reafirmar a posição de originalidade frente a produção artística nacional, como comprova Otto (Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos, 2009, ou The Moon 1111, de 2012), ou Lirinha (que depois do fim do Cordel do Fogo Encantado lançou Lira, em 2011) e também Siba, com Avante, em 2012, e até mesmo os principais nomes do mangue, como Mundo Livre S\A, com Nova Lenda da Etnia Babaa, em 2011, ou até mesmo a colaboração com a Nação Zumbi, em 2013, que ficou genial. 

A empolgação definitiva veio quando foi anunciado que Nação Zumbi voltaria a lançar um álbum próprio, depois de tantos anos (o último havia sido em 2007, Fome de Tudo). Desde então, passou-se a imaginar como seria o som desse novo álbum, a partir do momento que liberaram "Cicatriz", primeira música e primeiro single do trabalho. Foi possível perceber, então, um trabalho peculiar de promoção, liberando primeiramente no Itunes e depois, naturalmente, dirigindo-se a outros tipos de mídias. Durante o processo, desde a sua concepção, foi percebido um lobby para a Nação voltar ao estúdio, uma pressão tanto dos fãs quanto da crítica. Havia, assim, certa ansiedade quanto ao novo trabalho. Então, consciente de sua posição, decidiu lançar novo álbum, por uma grande gravadora. O álbum foi chamado simplesmente como Nação Zumbi, um álbum homônimo (o segundo da carreira), que realmente pode ser caracterizado como um renascimento da banda.





Nação Zumbi é feito de extremos. É impossível julgá-lo e analisá-lo sem diferenciá-lo dessa forma. As primeiras faixas, "Cicatriz" e "Bala Perdida" tentam fazer um link ao passo da Nação ao mesmo tempo que mostra o caminho para o futuro. Um som mais limpo, enquanto também busca um aprofundamento sonoro, incorporando arranjos novos e detalhados. E é esse caminho que será trilhado em algumas das faixas seguintes. Nação Zumbi nunca foi pop, apesar do grande sucesso, sempre pareceu sisudo demais, sério demais. Jorge du Peixe tenta, assim, alcançar novos públicos com uma música mais acessível. Essa tentativa de som é perceptível quando é incorporado vários tipos de arranjos, que acabam prejudicando os tambores, grande ponto forte da banda. Na tentativa de alcançar um público mais universal, a banda acaba apostando em algo menos poderoso, mas que, ao mesmo tempo, serve aos seus intuitos, já que são músicas bastante interessantes. "A Melhor Hora da Praia", com a participação deliciosa de Marisa Monte, por exemplo, é uma das que seria inimaginável ser apresentada por uma banda como a Nação Zumbi. No entanto, é um dos tesouros mais claros do álbum. Também é perceptível o uso de backing vocals femininos, como em "O Que te Faz Rir".





Essa guinada para um som mais universal também é sentida liricamente. As letras da Nação Zumbi sempre foram um tanto mais difícil, seja por jogos rápidos de palavras, ou por referências bem específicas, normalmente utilizados para falar de temas sérios e gerais. No álbum há claramente uma tentativa de tornar o tema mais acessível a todos, algo meio que descompromissado, despretensioso. É o trabalho que mais fala de amor, como "Um Sonho", "Nunca Ti Vi". A própria capa do álbum demonstra uma abordagem mais intimista, com partes do corpo humano e o coração numa posição central.





O outro extremo é apresentado principalmente no final, quando nos é reservado as melhores faixas. "Foi de Amor" é uma das melhores faixas da Nação Zumbi, não apenas no álbum, mas da sua carreira. É exatamente o que havia faltado no restante do trabalho, peso, os tambores ressoando, guitarra, muita guitarra, enfim, muita energia e emoção na faixa. Sensacional. Será presença massiva no repertório dos shows, com certeza. Aqui a gente sente realmente a falta que fez uma percussão forte e alta, o que faltou em boa parte do álbum, em detrimento de um som mais compacto, valorizando a tradicional bateria clássica. "Cuidado", com sons de sirene, mantém essa energia, sobretudo no refrão. E finaliza o disco com o riff poderoso de "Pegando Fogo".

Nação Zumbi é o reflexo mais claro de uma banda que ainda tem muito a dar e que, consciente de sua colocação na música brasileira, e de sua história, parece agora querer ir mais além, transpor suas próprias fronteiras sonoras, mantendo sua identidade forte e sempre original.