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quarta-feira, 1 de abril de 2020

Resenha de Gigaton, de Pearl Jam



Por diversos motivos, emocionais, artísticos/estéticos e políticos, o rock vem me decepcionando nos últimos anos, sobretudo após a morte repentina de David Bowie, o que pode não ter nada a ver, mas para mim foi um marco referencial. Para agravar a situação, outras bandas que eram referências para mim foram decepcionando a cada novo lançamento. Arcade Fire, Queens Of The Stone Age, são só dois grandes exemplos dessas bandas que acabaram cedendo a tendências do mundo pop e eletrônico, especialmente uma onda new-wave, que, ironicamente, era bastante influenciada pelos experimentos de Bowie. Ao saber que Pearl Jam iria lançar um novo álbum, o primeiro desde Lightning Bolt, de 2013, confesso que fiquei receoso que a banda abriria mão do seu estilo clássico e cederia às exigências do mundo fonográfico em busca de ampliar seu público. O mundo já não seria mais o mesmo: David Bowie estava vivo e surpreendendo o mundo como sempre, com o disco The Next Day, Arcade Fire lançava Reflektor, e Queens Of The Stone Age completava o belo ano musical com ...Like a Clockwork. Por fim, esse receio veio acompanhado de um calafrio ao ouvir o primeiro single de Gigaton, nome do novo disco, “Dance of The Clairvoyants”, que reúne todos os elementos que temia. Mas nada como um dia após o outro. Gigaton é um dos discos mais ricos e interessantes da banda, que já tem em seu catálogo grandes clássicos desde a década de 90.
A partir da capa de Gigaton e através de suas músicas, percebe-se claramente a preocupação de Pearl Jam com a política, em especial o tema do meio ambiente. A variedade de sons é bem grande, mostrando a experiência e a riqueza do percurso em três décadas de carreira. Tem as faixas mais pesadas, no estilo clássico, outras mais experimentais e introspectivas, bem como acústicas.




O disco começa com “Who Ever Said”, mostrando já de início toda a energia que a banda ainda dispõe ao afirmar que ainda tem o que dizer, pois, como diz a letra, “quem disse que tudo já foi dito abriu mão da satisfação”. A música também conta com variações rítmicas bem interessantes. “Superblood Wolfmoon”, outra bastante rápida e pesada, os riffs de guitarra estão bem definidos e acompanhados aqui por um belo solo. Essa dupla inicial certamente agrada os fãs mais antigos, que exigem muita guitarra e energia de Eddie Vedder. É porque o oposto vai acontecer agora com a faixa seguinte, “Dance of The Clairvoyants”, a viagem da banda pelo experimento new-wave.
Após o delírio, uma rápida fuga, é o que se trata de “Quick Escape”, muito peso e riffs novamente e uma letra pessimista sobre os caminhos que estamos tomando, cutucando o presidente dos Estados Unidos, com a pessoa indo de um lugar para outro em busca de um lugar onde Trump ainda não tinha fudido tudo. As coisas se acalmam com a belíssima “Alright”, sobretudo num mundo onde a vida está cada vez mais rápida, cobrando para vencermos sempre. Eddie Vedder diz na letra “tudo bem, ficar sozinho, ficar quieto, dizer não, ser uma decepção na sua própria casa, tudo bem desligar tudo, ignorar as regras do estado, é por você mesmo”.

 “Seven O’Clock” é uma das melhores faixas de Gigaton, tanto musicalmente quanto em relação à letra, e poderia muito bem colocá-la na lista de melhores da banda. Uma letra fluindo rápido e sempre com novas imagens e reflexões que clamam para que trabalharmos juntos para transformar essa situação fudida em que nos achamos, sem tempo para depressão ou hesitação autoindulgente. Na letra, várias indiretas para Trump e uma mensagem: “much to be done”.
Em “Never Destination” e “Take The Long Way” o hard rock clássico da banda retorna com satisfação. “Buckle Up” é bem leve e agradável e prepara caminho para a extremamente emotiva “Comes Then Goes”, claramente uma homenagem ao amigo de longa data da banda, Chris Cornell, que morreu em 2017. Só Eddie e o violão exalando emoção. “Retrograde” e “Rivercross”, as quais falam com preocupação sobre as mudanças climáticas, mantém o clima calmo e introspectivo e finalizam o álbum.
Muito mais do que ficar querendo colocar em que posição o novo disco vai ficar na carreira de Pearl Jam, o melhor a fazer é comemorar que rock ’n’ roll com consciência e propósito como esse ainda é feito hoje em dia, o que o torna muito mais relevante do que muita coisa que vem sendo produzida ultimamente.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

No Grammy, David Bowie fatura os cinco prêmios para os quais foi indicado.





E o grande vencedor do Grammy de 2017 não poderia ser outro. Claro, Adele granhou tantos prêmio que teve direito até a mais uma desafinação ao vivo e a quebrar a estatueta para dividir o prêmio de álbum do ano com Beyoncé. Mas, na verdade, o grande vencedor não estava nem presente na premiação. Com cinco indicações (Best Rock Song, Best Alternative Music Album, Best Rock Performance, Best Rocking Package, Best Engineered Album), David Bowie ganhou todas elas. Talvez o mais surpreendente é que mesmo com uma carreira sem igual como a que David Bowie construiu no decorrer dos anos, este tenha sido seu primeiro prêmio com um álbum (já havia ganho por um vídeo clipe, em 1985, além do Lifetime Achievement Award, em 2006) O resultado da premiação teve até comemoração especial por parte do filho de Bowie, Duncan Jones, que postou no twitter “So proud of you Dad!” junto com uma foto em que Jones está com o pai nos braços.





12. Best Rock Performance
(Accepted by Donny McCaslin)
Blackstar
David Bowie
Track from: Blackstar
Label: ISO/Columbia Records

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14. Best Rock Song
(Accepted by the presenters)
Blackstar
David Bowie, songwriter (David Bowie)
Track from: Blackstar
Label: ISO/Columbia Records; Publisher(s): Nipple Music admin. by RZO Music, Inc.

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16. Best Alternative Music Album
(Accepted by Donny McCaslin)
Blackstar
David Bowie
Label: ISO/Columbia Records

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65. Best Recording Package
(Accepted by Jonathan Barnbrook)
Blackstar
Jonathan Barnbrook, art director (David Bowie)
Label: ISO/Columbia Records

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69. Best Engineered Album, Non-Classical
(Accepted by Kevin Killen and Joe LaPorta)
Blackstar
         David Bowie, Tom Elmhirst, Kevin Killen & Tony Visconti, engineers; Joe LaPorta, mastering engineer (David Bowie)
Label: ISO/Columbia Records


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Resenha de David Bowie - No Plan EP





                Hoje, 10/01/17, completa um ano da morte de David Bowie, que deixou o mundo estupefato, pois aconteceu poucos dias depois do lançamento de Blackstar, um disco vigoroso e intrigante que, mesmo imerso em inúmeras simbologias e mensagens pessoais indiretas (que logo se tornaram diretas), fez com que as pessoas continuassem pensando no prolongamento da espetacular carreira de David Bowie na música. Mas no dia 10 duas trágicas notícias chegaram de uma vez: não apenas Bowie estava profundamente doente, coisa que ninguém sabia, mas à essa altura, ele já estava morto. Isso mesmo, algumas horas depois de aparentar ser a pessoa mais viva e enérgica do mundo, David Bowie estava morto.

                Um ano depois, o que podemos dizer é que ainda não digerimos totalmente essa perda. Para nos ajudar com o luto, a BBC apresentou um especial inédito sobre os últimos cinco anos da carreira de David Bowie, The Last Five Years, que em outra oportunidade farei uma resenha específica. Esta postagem de hoje se refere ao lançamento surpresa de um novo EP no dia do aniversário do cantor, que compila as últimas músicas inéditas conhecidas – até o momento – de David Bowie ( que já foram lançadas numa versão do musical Lazarus).





                “No Plan” é tão emocionante e tão impactante quanto “Larazus”, que foi totalmente ressignificada após a notícia da morte de David Bowie. Em “No Plan”, ao contrário, já a ouvimos conscientes que ele não está mais aqui e se encontra nesse lugar em que ele menciona na letra da música. Musicalmente, ela se enquadra num jazz meio sombrio com alguns belos solos de saxofone de Doug McCaslin, que conhecemos tão bem em Blackstar.
Vale a pena transcrevê-la na íntegra:

Here, there's no music here
I'm lost in streams of sound
Here, am I nowhere now?
No plan
Wherever I may go
Just where, just there
I am

All of the things that are my life
My desire, my beliefs, my moods
Here is my place without a plan

Here, second avenue
Just out of view
Here, is no traffic here?
No plan

All the things that are my life
My moods, my beliefs
My desires, me alone
Nothing to regret
This is no place, but here I am
This is not quite yet

                “Killing a Little Time”, por sua vez, é um rock pesado que relembra um pouco a fase de Outside. Parece que aqui ele está lidando com a raiva de saber que o momento está próximo, pensando no que ainda poderia oferecer. “This rage in me / I've got a handful of songs to sing / To sting your soul / To fuck you over / This furious reign”.
                 “When I Met You” finaliza esse conjunto de últimas músicas gravadas por David Bowie de forma melancólica: "Now It's all the same, it's all the same/ The sun is gone, it's all the same."
                Mas nisso David Bowie errou. Prefiro outra citação de uma música dele próprio (“Sunday”):
“Everything has changed
For in truth, it's the beginning of nothing
And nothing has changed
Everything has changed
For in truth, it's the beginning of an end
And nothing has changed
And everything has changed”


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Resenha de The Rolling Stones - Blue & Lonesome





                Com certeza há aqueles álbuns difíceis e trabalhosos para gravar, compor e colocar todas as coisas meticulosamente nos seus devidos lugares; há outros, porém, que esse processo parece ser uma moleza. Esse é o caso de Blue & Lonesome, primeiro álbum de estúdio de Rolling Stones após mais de uma década, no qual a gigantesca banda decide dedicar o novo disco inteiramente ao blues. Não é surpresa que os Stones amem o blues, o que surpreende em Blue & Lonesome é o quão bem eles ainda tocam o blues. Acho que não é necessário abordar demoradamente a longa e intensa relação de Mick Jagger, Keith Richards e companhia com o gênero musical criado pelos negros dos Estados Unidos no início do século XX; o próprio nome da banda já entrega essa relação; o fato há 51 anos a regravação de “Little Red Rooster” chegar ao número 1 das paradas britânicas é outra evidência; a primeira aparição de Howlin’ Wolf na TV norte-americana ter sido como condição para os Stones participarem do programa em 1965, mais uma (“I think it’s about time you shut up and we had Howlin’ Wolf on stage”, Brian Jones disse à época). Mas ainda não é apenas isso: antes de ser uma das maiores bandas da história do rock, os Rolling Stones eram uma banda cover de blues, que viviam tocando as músicas que, atravessando o Atlântico, chegavam às casas desses jovens britânicos cheios de força criativa e energia. Pois bem, já deve ser possível imaginar a facilidade com que esses senhores que tocam juntos há mais de meio século, juntaram-se para gravar as músicas que eles tocam... bem, há mais de meio século. Esse é Blue & Lonesome, gravado em apenas três dias.



                O melhor também é que agora são realmente os Stones tocando o blues sendo os próprios Rolling Stones, e não apenas um bando de jovens britânicos em busca de criar seu som e querendo soar como seus ídolos transatlânticos. A voz de Mick Jagger está na sua melhor forma, bem como sua técnica com a gaita. O mesmo é verdade para toda a banda. Para melhorar, as músicas não são simples cópias das originais; em Blue & Lonesome os Stones colocam seu próprio DNA, o que torna o álbum não simplesmente um álbum de covers de blues, ou um álbum de tributo, mas sim um álbum dos Rolling Stones.
                Toda a tracklist é impecável, da faixa de abertura, “Just Your Fool”, de Buddy Johnson e regravada interminadas vezes, em que Jagger se solta totalmente como gaitista, à última faixa, a clássica “I Can’t Quit You Baby”, de Willie Dixon, com participação de Eric Clapton, outro aficionado por blues. Pode-se dizer que os fãs de blues reconhecem facilmente a grande maioria das doze faixas do disco e com certeza já vão ter em mente várias outras referências das mesmas músicas tocadas outras dezenas vezes. O que aparentemente poderia ser enfadonho faz o efeito contrário. A familiaridade facilita a dar valor, curtir mais diretamente o som e reconhecer o trabalho da banda. As escolhas estão centradas no som de Chicago das décadas de 40 e 50, então estão presentes naturalmente Little Walter (“Hate To See You Go”, “I Gotta Go”), Howlin’ Wolf, com a ótima versão de “Commit A Crime”, Buddy Guy e Junior Wells, com a clássica “Hoo Doo Blues”, Jimmy Reed, com “Little Rain” em roupagem brilhante e solo incrível de gaita, Eddie Taylor com outra favorita dos covers de blues, “Ride ‘Em On Down”, novamente Willie Dixon com “Just Like I Treat You” e, claro, Memphis Slim com a faixa título, “Blue And Lonesome”. (Senti falta de Muddy Waters, no entanto). A mais desconhecida do grande público talvez seja a ótima “Everybody Knows About My Good Thing”, de Little Johnny Taylor.
                Blue & Lonesome é fruto de um atalho no processo de gravação de um novo álbum de inéditas de Rolling Stones. A viagem no túnel do tempo fez a banda soar mais uma vez relevante e gigante como sempre fora, mas que alguns pareciam ter esquecidos. Espero que o alto nível alcançado com a happy hour com os amigos empolgue e impulsione a banda para um disco de inéditas tão bom quanto.