segunda-feira, 10 de junho de 2013

Resenha James Cotton - Cotton Mouth Man



É impossível não associar o blues ao passado. Embora o auge desse estilo esteja no passado, ainda há hoje em dia ótimos expoentes que nunca deixarão a mágica e a tradição do blues morrerem, tais como Gary Clark Jr, Seasick Steve, Jack White, dentre inúmeros outros. Além dessa safra de novos artistas, ainda temos a oportunidade de aproveitar novos trabalhos de artistas consagrados, que foram testemunha e desempenharam papéis importantes nesse passado glorioso do blues. É o caso do grande gaitista James Cotton, um dos maiores de todos os tempos. O seu interesse pela música despertou pela primeira vez quando ouviu Sonny Boy Williamson, o pai e inspirador de praticamente todos os gaitistas. Depois de ouvi-lo, Cotton deixou sua casa e, juntamente com seu tio, saiu a procura de Williamson. Acabou encontrando-o e virando aprendiz do mestre Sonny Boy. Após alguns anos, depois que Sonny Boy foi morar fora com sua esposa, Cotton acabou herdando a banda de seu mestre, mas acabou não dando muito certo, pois, segundo depoimento do próprio Cotton: “ele simplesmente me deu a banda, mas eu não pude mantê-la junta, porque eu era muito jovem e louco naqueles dias e todos na banda eram crescidos e muito mais velhos que eu”. Posteriormente, Cotton substituiu Little Walker e Junior Wells na banda de Muddy Waters, no final da década de 50 (foi James Cotton soprando a gaita na eterna gravação Live At Newport Jazz Festival, de 1960). E foi durante esses anos que ele foi aprimorando sua técnica para dar uma guinada na sua carreira e se tornar, ele próprio, um dos grandes mestres do instrumento. De sua carreira solo, podemos tirar alguns grandes álbuns, como 100% Cotton, de 1974, High Compression, de 1984 e Harp Attack, de 1990, além do incrível álbum de colaboração Superharps, contando com os quatro maiores gaitistas da atualidade (o próprio James Cotton, Billy Branch, Charlie Musselwhite e Sugar Ray). Em 2013, ele reúne suas forças restantes e lança mais um belo registro de blues da melhor qualidade, o álbum Cotton Mouth Man.


No auge dos seus 78 anos, James Cotton teve sérios problemas nas cordas vocais e praticamente não pode cantar, já que deixou sua voz praticamente incompreensível. Mas esse fato não chega nem perto de ser um problema em Cotton Mouth Man. Enquanto a impossibilidade de cantar faz Cotton concentrar todo seu fôlego e seu figor na gaita, ele passou o vocal na maior parte das músicas para Darrell Nulisch, que faz um ótimo trabalho. Outros nomes dos vocalistas são Gregg Allman, Keb Mo, Warren Haynes, Ruthie Foster, Delbert McClinton. O próprio James Cotton ainda consegue cantar a última música do álbum, “Bonnie Blue”.

Cotton Mouth Man” inicia o disco de mesmo nome já ditando o ritmo que será acompanhado pela próxima hora, agitada e bem empolgante, com, claro, altos solos de gaita e riffs bem interessantes de guitarra. O disco foi produzido por Tom Hambridge, em Nashville, que compôs doze das treze músicas presentes no álbum, várias com Cotton. Esse fato ajudou a aproveitar melhor as qualidades da banda e do próprio Cotton. A velocidade continua alta com “Midnight Train”, no exato ritmo de locomotiva, cantada pelo convidado Gregg Allman, líder da Allman Brothers Band. “Mississippi Mud” é o primeiro grande ponto alto do disco. O vocalista Keb Mo é que lidera essa, com um vocal pra baixo, acompanhado pelo delicado e divino piano de Chuck Leavell e a gaita de Cotton, cujo solo é maravilho, num ótimo Country Blues. “He Was There” tem aquele gingado clássico na gaita do blues, tipo “Mannish Boy”, de Muddy Waters. 




“Something For Me” é bem forte e enérgica, com o vocal inicialmente estranhamente distorcido. Warren Haynes é quem canta essa e acrescenta esse tom cru e violento, enquanto que Ruthie Foster contribui com o melhor vocal de todo o álbum, na bela e incrível “Wrapped Around My Heart”, no meio estilo Etta James. O conjunto completo, tanto a voz de Foster, os delicados solos de guitarra e a gaita sempre presente de Cotton, fazem dela a melhor faixa do disco. O ritmo e a intensidade do álbum continua intacta com os números seguintes, especialmente no puro blues de “Hard Sometimes”, a dançante “Young Bold Women” e “Blues Is Good For You”. Para fechar o álbum, Cotton guardou a única faixa que ele próprio canta, “Bonnie Blues”, um Delta Blues, só com o violão e a gaita e a sua voz áspera e desgastada. A letra autobiográfica fazendo referência a suas experiências com Sonny Boy e Muddy Waters, emocionante.

Com a voz completamente acabada e pela carreira e legado que tem nas costas, James Cotton não tinha obrigação nenhuma de provar nada. Mesmo assim, aos 78 anos, esse grande gaitista prova que ainda tem muito a oferecer, tocando não só com a boca, mas com o coração.


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