quinta-feira, 30 de junho de 2016

Playlist Filho do Blues-2016: os primeiros seis meses





Os seis primeiros meses de 2016 chegam ao fim no dia de hoje. Muita coisa boa já rolou até aqui e muito mais nos é prometido para os seis meses finais. Como uma retrospectiva parcial, o Filho do Blues criou uma playlist no Spotify para selecionar as melhores músicas que apareceram até agora. Foram escolhidas 53 faixas nos primeiros seis meses do ano. Nos meses restantes, nós continuaremos incluindo novas músicas à playlist, por isso, siga-nos e fique por dentro das novidades. 




Dessa primeira metade do ano, o maior destaque, positivo e negativo, não poderia ser outro senão David Bowie. O lançamento de Blackstar seguido por sua repentina e surpreendente morte certamente foi o evento que já nos primeiros dias de janeiro marcou todo o ano de 2016. Foram escolhidas quatro músicas de Blackstar, além da faixa título, também escolhemos para integrar a lista “’Tis a Pity She Was a Whore”, “Dollar Days” e, claro, “Lazarus”. O colaborador e amigo de longa data de Bowie, Iggy Pop, também deu as caras e lançou um grande álbum em colaboração com Josh Homme, do QOTSA, do qual “Gardenia” e “Break Into Your Heart”. PJ Harvey, em seu novo disco The Hope Six Demolition Project, nos surpreendeu com as faixas “The Wheel”, sobre a crise dos refugiados, e “The Ministry Of Social Affairs”. Outros álbuns do rock surgiram, como novos lançamentos de Weezer (White Album), Tindersticks (The Waiting Room) e Suede (Night Thoughts), dos quais escolhermos, respectivamente, “King of The World”, “Hey Lucinda” e “I Can’t Give Her What She Wants”. Confesso, no entanto, que na esfera de música nacional não chegamos a ouvir muita coisa nova e legal, restringindo ao novo álbum de Clarice Falcão, Problema Meu, do qual selecionamos duas faixas, “Marta” e “Banho de Piscina”
selecionamos
 

No campo do blues/jazz/gospel é que boa parte do ano foi reservada e os destaques são muitos, a começar pelo álbum My Road, de Bob Margolin, do qual tivemos muita dificuldade em selecionar apenas três, que foram “Bye Bye Baby”, “My Whole Life” e “Heaven Mississippi”. A mesma dificuldade foi sentida em outros discos, como Let Me Get By, de Tedeschi Trucks Band, tendo escolhido “Let Me Get By” e “Right On Time”, mas podendo ter escolhido do mesmo álbum várias outras. Mais um grande destaque foi o disco de John Long, Stand Your Ground, do qual não tivemos outra opção senão selecionarmos três faixas: “Climbing High Mountains (Trying to Get Home)”, “Red Hawk” e “No Flowers For Me”. O novo álbum de Eric Clapton, I Still Do, “Spiral”, “Somebody’s Knockin’” e “Alabama Woman Blues”. Também fui obrigado a escolher três faixas de All For Loving You, novo álbum da The Alexis P. Suter Band, “Can’t Find a Reason”, “Don’t Ya’ Tell Me” e a versão mais incrível de “Let It Be” que você pode ouvir (sem contar com a original). Tivemos também mais um grande lançamento de Mavis Staples, do qual selecionamos a incrível “History, Now” e “Action”. A velha guarda de Dion está representada pelas faixas “Ride With You” e "Can’t Go Back to Memphis”, do seu novo álbum New York Is My Home. Um dos maiores guitarrista do blues rock também está presente, claro, com Joe Bonamassa mandando “This Train” e “You Left Me Nothing But the Bills and The Blues”. O blues progressista do professor Big Harp George, em Wash My Horse In Champagne, está garantido com “My Bright Future” e “I Ain’t The Judge of You”. Lucky Peterson, devido a seu disco Long Nights, conseguiu seu lugar com “Earline” e
Waiting On You”, bem como a dupla poderosa composta por Big Jon Atkinson e Bob Corritore, com a clássica cover de Lightnin’ Hopkins, “Mojo Hand” e a incrível “Somebody Done Changed The Lock on My Door”, ambas do álbum House Party At Big Jon’s. O blues potente de Alabama Mike garantiu presença com Upset The Status Quo, faixa título de seu novo álbum, e “Fight for Your Love”. O blues-rock de Moreland & Arbuckle, com o álbum Promised Land or Bust, ficou com “Mean And Evil” e “Woman Down In Arkansas”. O sofisticado jazz de Gregory Porter teve lugar com “Take Me To The Alley” e “In Fashion”, ambas do seu novo e belo álbum Take Me To The Alley. A coletânea God Don't Never Change: The Songs of Blind Willie Johnson teve três representantes, "Mother's Children Have a Hard Time", executada por The Blind Boys of Alabama, "Trouble Will Soon Be Over", por Sinéad O'Connor, e "Jesus is Coming Soon", por Cowbow Junkies.


 Outros álbuns também chamaram atenção, mas ficaram com apenas uma faixa representante. É o caso de RB Stone, com a ótima música “Some Call It Freedom”, do álbum Some Call It Freedom (Some Call It The Blues); Boo Boo Davis, “The Snake”, de seu disco One Chord Blues; Toronzo Canon, o guitarrista de blues de Chicago, com a faixa “Walk It Off”; e Kenny “Blues Boss” Wayne, com “Blackmail Blues”, do seu novo álbum Jumpin’ & Boppin’. A banda Dinosaur Jr só aparece com “Tiny” porque o restante do álbum ainda não foi lançado, chamado Give a Glimpse Of What Yer Not, que com certeza terá alguma outra faixa em breve. 
 

Acho que é isso, pessoal. Sintam-se convidados a seguir a playlist e ficar acompanhando as novidades. Sintam-se à vontade também em dar sugestões nos comentários. Muitos desses álbuns ainda não tiveram resenhas publicadas no site, alguns ainda terão, outros, infelizmente, não. Quisera eu ter tempo de escrever todas elas! 

E que venham os seis meses restantes de 2016!



terça-feira, 28 de junho de 2016

Resenha de John Long - Stand Your Ground



John Long toca o blues daquele jeito que você esperava ouvir lá na década de 40 ou 50. É o blues ainda tradicional vivo, respirando e pulsando. No blues de John Long você sente a cada nota o espírito do Delta blues, de Son House, Bukka White e Robert Johnson, e o Chicago Blues de mestres como Muddy Waters e Sonny Boy Williamson.  Nascido em 1950, em St. Louis, no Missouri, John Long teve a oportunidade de ter convivido com alguns desses mestres nos seus anos formativos, na década de 70, mudando para Chicago; um deles, um tal de Muddy Waters, chegou a falar de John Long nos seguintes termos: “John Long is one of the best young country blues artists today”; outro, chamado de Homesick James, tido por Long como seu pai adotivo, foi o seu grande mentor e amigo. Apesar de tão gabaritado, a carreira em estúdio de John Long é pequena: em 2006, a gravadora Delta Groove Music lançou seu primeiro disco de alcance nacional, Lost and Found, que atraiu grande atenção e sucesso de crítica. Apesar de bem sucedido, levou nada menos que dez anos para Jonh Long dar sequência a sua carreira, lançando em maio Stand Your Ground, pela mesma Delta Groove Music, conseguindo ainda superar a qualidade que havia deixado no seu primeiro registro.  Através de oito músicas autorais e cinco covers, John Long vai muito além de apenas gravar um álbum de blues tradicional, mas seu estilo lírico e abordagem vocal toca muito profundamente regiões da nossa alma. 

O álbum começa com “Baby Please Set A Date”, com acompanhamento de bateria, piano e cheio de slides no violão amplificado, bem característico de seu estilo. “Red Hawk” já é uma dos destaques do disco, principalmente a voz e o estilo Delta de John Long. A letra também é bastante interessante, que fala sobre o falcão vermelho, em extinção, símbolo bastante forte no xamanismo da população nativa da América, vítima de caçadores. John Long apela para a permanência do espírito do Falcão Vermelho, para continuar voando com todo seu poder místico. A faixa seguinte, “Things Can’t Be Down Aways”, com Long liderando na gaita, diz que temos que parar de ficar por aí pra baixo e mudar, tomarmos alguma posição, porque em algum momento as coisas melhoram, dias melhores acabam aparecendo. Puro blues: vamos tentando que algum dia a gente para de se dar mal. “Stand Your Ground”, faixa que dá título ao trabalho, segue nessa linha e diz para nos impormos, não aceitarmos as pessoas nos dizendo o que fazer e tomarmos cuidado com os diabos vestidos de ovelha “when the Devil comes ’round in sheep’s clothing / Stand Your Ground, stand your ground / don’t you let nobody push you around”. 

Em “Welcome Mat”, mais uma enraizada no mais puro Delta blues que você encontra por aí hoje, alerta pra aquelas que tiram vantagem do companheiro(a), mas caminham em gelo fino. A seguinte, “No Flowers For Me” é de arrepiar; a letra fala do narrador enfrentando a morte e pedido que seus filhos que ao invés de comprar flores para ele doem a dinheiro para algum fundo de pesquisa para curar a doença de Parkinson. Cada estrofe de despedida é um aperto no coração. Belíssima. “Well, I’ve been shaking, i’ve been hurting, and someday soon my body will be set free”. O nível continua altíssimo com “One Earth, Many Colors”, mais rítmica, que é uma grande conclamação para o respeito e a celebração da diversidade da espécie humana em suas mais diferentes formas: “open your heart and mind / one earth, many colors, for one human kind”. Mensagem muito necessária nesses dias de hoje, cheio de fronteiras ideológicas, de raça, religiosas e sociais, que parecem ultimamente caminhar de volta ao passado, aumentando o abismo entre as diferenças. “Healin’ Touch”, que já estava presente no seu disco Lost And Found, de 2006, recebe uma abordagem ainda mais minimalista. 

A parte final do disco guarda ainda duas belas covers tradicionais do gospel, “I Know His Blood Can Make Me Whole” e “Precious Lord, Take My Hand”, e que recebem um tratamento especial por John Long e ainda uma dos maiores destaques do disco que até aqui já havia sido de grande qualidade, “Climbing High Mountains”; esta última, que contém basicamente John Long na gaita e o pé ditando o ritmo, é sobre a luta diária, a batalha para escalar uma montanha a cada dia para voltar pra casa, chamando palavrões, tomado de frustração. Mais uma belíssima.  

O que John Long nos mostra em Stand Your Ground é que o blues não tem tempo, pois um blues cujos mestres remetem às fases pré-guerra ainda soa tão atual e ambientado aos novos tempos, com nossos sentimentos, nossas preocupações com a morte, nossas batalhas diárias pela sobrevivência. Sem dúvida, até este momento, ocupa confortavelmente a posição de melhor álbum de blues do ano.


segunda-feira, 20 de junho de 2016

Resenha Alabama Mike - Upset The Status Quo


Alabama Mike (nome artístico de Michael Benjamin) é mais um nome da cena do blues a lutar duro pra conquistar seu espaço. Até abraçar a carreira como músico, o então motorista de caminhão passou, em 1999, a ser um cantor de soul e blues, conseguindo abrir sua própria gravadora em 2009, a Jukehouse Records. Através dela, Alabama Mike lançou dois discos e agora chega ao terceiro, com Upset The Status Quo, que mostra um pouco das facetas de quem iniciou o contato com a música no coral de Igreja, em Talladega, Alabama. Sonoramente, Upset The Status Quo encontra-se na mistura do soul e do blues, com algumas músicas funcionando mais do que as outras, no entanto.

                Sem dúvida, o grande destaque do disco inteiro é a própria canção que dá nome ao álbum, “Upset The Status Quo”, ultrapassando os seis minutos de duração, com sua sonoridade forte, intensa e uma letra incrível, criticando severamente a manipulação midiática, estimulando o livre-pensamento exatamente para bater de frente com o establishment, o poder constituído. Uma audácia incrível para o blues. É uma alfinetada no “sonho americano”, no qual apenas alguns recebem uma mixaria. Então, Mike conclama: “Wake up! And Upset The Status Quo! / you got to break loose, people, and upset the status quo / don’t you let nobody tell what to think anymore”. A gaita dá um fôlego extra que segue até o final.

                As letras também abordam temas relacionados a vida moderna. Se na faixa de abertura, uma das formas de manipulação e distração usadas pela classe dominante eram as mídias sociais, em “Identity Theft”, com uma pegada bem mais soul/funk, num estilo R&B e solos de metais, trata da problemática da segurança na vida online, do roubo de identidades. Um dos grandes destaques é a potência da voz de Alabama Mike, enfatizando as partes da letra mais importantes. Um grande vocalista.  Em “Mississippi”, num formato mais de blues tradicional de Chicago, Mike exalta as raízes da vida rural; “Think” mostra a mesma pegada R&B com uma forte linha de baixo e solos de saxofone, junto com gritos estridentes de Mike; o slow blues de “Can’t Stay Here Long”, sobre a volta saudosa para a casa em Alabama por um curto tempo, lembra um pouco de Rolling Stones e é um dos grandes momentos do álbum, possivelmente também o melhor vocal do disco. É a transitoriedade da vida: “the places I used to go ain’t there no more / the people I used to know they’re not around no more / just don’t feel like home no more”.

                “Fight For You Love” é bem intensa e rápida, dá vontade de pular e dançar durante todos os seus sete minutos.  A ironia e o humor negro tomam conta em “Restraining Order”, mais uma focada no R&B. “Rock Me In Your Arms”, tem uma sensação romântica dos anos 50, e é uma bela balada blues-soul. “SSI Blues”, outro destaque e cujo ritmo lembra a clássica “Walkin’ Blues”, é sobre a importância do programa social Supplemental Security Income, um tipo de “Bolsa Família Blues”, para quem não tem renda e não pode trabalhar, ao mesmo tempo que satiriza quem acha que o valor é muito alto e mantém o beneficiário na mordomia, viajando pelo mundo. I’m going to hire me a boat and sail around the world, stop in Hong Kong and get me a China girl.” Também presente no disco Unleashed, de 2013, do projeto The Hound Kings, do qual Alabama Mike fez parte, os músicos da banda soam muito alinhados aqui. O álbum encaminha para o final com “Somewhere Down The Line” e “God Is With You (Benediction)”, esta última com Mike usando todo seu talento no soul construído nos corais de Igreja.

                Embora por vezes o álbum peque por certa falta de equilíbrio entre as faixas, a quantidade de destaques é bem superior às demais. Além disso, a qualidade lírica e vocal que Alabama Mike impõe a algumas dessas faixas faz de Upset The Status Quo um lançamento bastante interessante e que vale a pena ser conferido. 



domingo, 19 de junho de 2016

Café & Blues: The Kitchen Table Blues - "The Blues Had A Baby and They Named It Rock'n Roll"



Como já deixei claro na inauguração do blog, o nome veio de uma música de Muddy Waters, “The Blues Had a Baby and They Named It Rock’n Roll”, presente no disco Hard Again, de 1977. E foi exatamente ela que The Reverend Shawm Amos, com a participação especial de Charles Wright, escolheu para tocar no episódio de hoje do The Kitchen Table Blues. Embora a hora do domingo não seja mais propícia para o café da manhã, confira abaixo o episódio 64 do 14º volume da série The Kitchen Table Blues, com Charles Wright: 



sexta-feira, 17 de junho de 2016

African-American Appreciation Music Month: American Folk Blues Festival (Volume 2)


Hoje é sexta feira! Dando continuidade às homenagens ao African-American Appreciation Music Month e pensando na diversão do fim de semana, o Filho do Blues posta o segundo volume do American Folk Blues Festival, do ano de 1965. O Volume 2 é classificado por muitos como o episódio mais forte e consistente da série, a partir da seleção de faixas e artistas participantes. O time é composto só de feras do quilate de Sonny Boy Williamson, Sunnyland Slim, Willie Dixon, Howlin’ Wolf, Memphis Slim, T-Bone Walker e vários outros. Confira a tracklist abaixo:

Songs: 

Bye Bye Bird, My Younger Days (Sonny Boy Williamson), Come On Home Baby (Sunnyland Slim), Nervous (Willie Dixon), Mojo Hand (Lightnin' Hopkins), Black Snake Blues (Victoria Spivey), Everyday I Have the Blues (Memphis Slim), Don't Throw Your Love on Me so Strong (T-Bone Walker), Tall Heavy Mama (Roosevelt Sykes), Sittin' and Cryin' the Blues (Willie Dixon), Murphy's Boogie (Matt "Guitar" Murphy), Stranger Blues (Sonny Terry & Brownie McGhee), Shake for Me, I'll Be Back Someday, Love Me Darlin (Howlin' Wolf), Down Home Shakedown (Big Mama Thornton)



quarta-feira, 15 de junho de 2016

Confira o novo vídeo de The Reverend Shawm Amos, "Joliet Bound"





The Reverend Shawm Amos continua desfrutando dos espaços conquistados após seu ótimo disco lançado no ano passado, The Reverend Shawm Amos Loves You. Mais uma música do disco ganha um vídeo oficial. Dessa vez a escolha foi “Joliet Bound”, escrita por volta de 1930 por Memphis Minnie, um dos destaques do disco. O vídeo foi gravado ao vivo na destilaria Kings County Distillery, no Brooklyn, construindo um cenário estilo na época da Lei Seca e dirigido por Eli Cane. Confira o vídeo e fiquem de olho no Reverend:


segunda-feira, 13 de junho de 2016

Resenha de Big Harp George - Wash My Horse In Champagne



Há algo de muito peculiar no blues em relação aos outros gêneros musicais: parece que ele vai ficando melhor com a idade. Alguém que carrega o peso dos anos nas costas, o acúmulo de experiências, as seguidas perdas e conquistas, aparentemente canta o blues com mais propriedade do que os mais jovens (claro, não chega a ser uma regra, seria, talvez, mais uma tendência do que uma certeza). Portanto, não é tão anormal assim alguém iniciar a carreira no blues com mais de cinquenta, sessenta anos. Leo Welch, por exemplo, lançou seu primeiro álbum com mais de oitenta anos. Outro caso, de quem vamos tratar nesta resenha, é George Bisharat, um professor emerito de Direito Criminal, da University of California Hastins College of Law, que, aos 59 anos, adotou o nome de Big Harp George e lançou seu primeiro álbum de blues, Chromaticism, em 2014, que inclusive foi nomeado ao Blues Music Award de 2015. O ex-professor e agora bluesmen profissional, Big Harp George acaba de lançar seu segundo trabalho de estúdio, chamado Wash My Horse In Champagne, que prova assertiva acima. Com um senso de humor agudo, carregando mensagens críticas da sociedade contemporânea, e uma banda muito boa, Harp George manda uma seleção toda de originais em que mostra todo seu talento como gaitista e compositor. Bastante viajado e colecionador de experiências nos mais distantes cantos do planeta, já tendo passado tempo em Beirut, no Líbano, em Cairo, no Egito e nos territórios ocupados por Israel fora de Jerusalem. Com essa experiência, Bisharat propõe uma revolução no blues para adaptá-lo aos novos tempos e torná-lo relevante culturalmente de novo. Para ele, o blues não tem que ser necessariamente sobre bebida, ir atrás de mulher e jogatina. "É sobre ser uma boa e sólida pessoa", diz Bisharat numa entrevista ao jornal Mercury News. E é essa perspectiva sobre o blues que ele coloca em Wash My Horse In Champagne. Ele resume "blues é sobre o triunfo do espírito humano sobre circunstâncias adversas contra opressão, contra injustiça, contra a pobreza, e dureza de qualquer natureza". 

O álbum inicia no piano com “Home Stretch”, mas logo a gaita de Harp George toma conta da condução. A letra fala da redenção de um esposo arrependido, para ser um “homem melhor”, “dizer adeus à bebida e olá à minha esposa”, “parar de dirigir loucamente por aí”, etc. Ou seja, alguém que trocou coquetéis e churrascos por saladas e chá. “Road Kill” é bem divertida e com ritmo dançante, música pra festejar e tomar umas cervejinhas. Tem algo bem anos cinquenta nela, os backing vocals e os solos de guitarra, por exemplo. “Wash My Horse In Champagne”, a faixa que dá título ao álbum, tem uma forte inspiração brasileira e latina, especialmente no violão; na letra, a imagem de "lavar meu cavalo com champagne"  é uma ótima referência coletada numa de suas viagens ao Brasil, ouvindo a história de Manaus, no início do século XX, que explodiu em riqueza com a busca incessante pela borracha para a crescente e nova indústria automobilística que surgia nos Estados Unidoos. Em Manaus, havia uma pessoa tão rica que foi vista lavando o seu cavalo em champagne, literalmente. “Well I’m not rich now and I’m living in a world of pain / Like a Manaus rubber baron gonna wash my horse in champagne / I’m gonna wash my horse in champagne!” Isso marcou Harp George e o inspirou para compor a música, que mostra a resistência e persistência para conseguir vencer mesmo com todos os percalços, contando ainda com uma referência brasileira: . “Cool Mistake”, para somar à gaita de Harp George, conta com J. Hansen tocando o washboard;

My Bright Future” inicia a melhor fase do disco;  um slow blues emocionantemente desolador. “It’s all downhill from here brother / And it’s now so very clear to me / Much as I hate to admit it / My bright future is behind me”. Outro ponto alto do disco sem dúvida é “I Ain’t The Judge Of You”, uma inesperada e muito bem vinda letra pró-LGBT. “I ain’t the judge of you / You ain’t hurting no one / I ain’t the judge of you / Go on and have your fun”. Infelizmente, muitos ainda não pensam como o velho Big Harp George; é o que provou ontem o atentado à boate gay em Orlando, nos Estados Unidos, deixando 50 mortos. Uma mensagem muito atual e necessária nesse nosso mundo de hoje. Com “I Wasn’t Ready” o nível continua elevado, um belo blues lento sobre George tendo que lidar com perda da mãe: "No I  / No I never saw it coming / Guess a grown man / Can still be a fool / But I wasn’t ready to lose you”. De arrepiar.

O ritmo volta a acelerar com “If Only”, com uma sessão de metais pra empolgar ainda mais. “Light From Darkness” tem um ritmo mais de funk; “Mojo Waltz” é uma agradável faixa instrumental em que Big Harp divide solos de gaita com uns de metais, provocando um resultado bastante interessante. Em “What’s Big” Harp George afirma que a grandeza está, na verdade, num “coração de ouro” e não “jogar cartas”, “levantar a mão pra esposa”, “beber uísque até cair no chão”, muito menos “grandes armas e explodir pessoas”. Politicamente correto no blues; estranho, mas não desnecessário. Pra fechar, após a instrumental cheia de solos de gaita, “Size Matters”, “Justice In My Time”, inspirada por sua experiência visitando a casa de sua avó perdida na guerra entre Palestina e Israel de 1948, na qual mais de 700 mil palestinos foram desabrigados e perderam suas casas. A letra mostra um belo dueto com apenas gaita e baixo, fechando com chave de ouro. "Hey people  / I’m looking for justice in my time / Some folks seek freedom in the grave / But I want mine before I die”.

Em tempos turbulentos, em que as pessoas reclamam que a vida perde a graça com o politicamente correto, Big Harp George mostra que se pode se divertir respeitando os outros e buscando sermos melhores pessoas sempre. Por isso, uma grande relíquia para 2016. Como Harp George diz na faixa final:

“Freedom in the grave ain’t enough
             I want mine before I die”. 

         Por isso que temos que construir o mundo justo aqui e agora.

sábado, 4 de junho de 2016

African-American Appreciation Music Month: American Folk Blues Festival (Volume 1)



                Entre os anos de 1962 e 1966, o American Folk Blues Festival viajou pela Europa levando ao público europeu – onde eles eram tratados com mais respeito e admiração do que no próprio Estados Unidos – grandes nomes do blues, como Muddy Waters, Howlin’ Wolf, John Lee Hooker, Sonny Boy Williamson II e muitos outros. O programa de TV, que foi lançado depois que foi descoberto, 40 anos das apresentações, além de levar alguns desses artistas a se apresentarem fora dos Estados Unidos, pela primeira vez, também foi de extrema importância especialmente para o público do Reino Unido, servindo de influência para os jovens que já estavam realizando aquela troca cultural com o blues e o jazz. Combinações interessantes, diálogos, os artistas apresentando uns aos outros para o público, além da própria lista de performances, tornam esse vídeo, bem como os outros três volumes, um dos melhores registros áudios-visuais do blues. Nesse mês de junho de 2016, em homenagem ao African-American Appreciation Music Month Filho do Blues estará postando o vídeo de cada um dos 4 volumes do American Folk Blues Festival.

1. T-Bone Walker - Call Me When You Need Me (1962) [0:00]
2. Sonny Terry & Brownie McGhee - Hootin' Blues (1962) [4:09]
3. Memphis Slim - The Blues Is Everywhere (1962) [7:40]
4. Otis Rush - I Can't Quit You Baby (1966) [10:12]
5. Lonnie Johnson - Another Night to Cry (1963) [15:38]
6. Sippie Wallace - Women Be Wise (1966) [20:36]
7. John Lee Hooker - Hobo Blues (1965) [25:02]
8. Eddie Boyd - Five Long Years (1965) [27:46]
9. Walter "Shakey" Horton - Shakey's Blues (1965) [30:43]
10. Junior Wells - Hoodoo Man Blues (1966) [34:09]
11. Big Joe Williams - Mean Stepfather (1963) [37:38]
12. Mississippi Fred McDowell - Going Down to the River (1965) [40:38]
13. Willie Dixon - Weak Brain and Narrow Mind (1964) [43:38]
14. Sonny Boy Williamson - Nine Below Zero (1963) [48:12]
15. Otis Spann - Spann's Blues (1963) [54:43]
16. Muddy Waters - Got My Mojo Working (1963) [58:56]
17. Finale - Bye Bye Blues (1963) [62:44] 

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Obama declara Junho de 2016 como "African-American Music Appreciation Month"


Junho, o mês do São João,  do forró, começou, certo? Bem, há controversas, como diria Pedro Pedreira na Escolinha do Professor Raimundo. De acordo com Obama, o presidente dos Estados Unidos, declarou hoje o mês de junho de 2016 como “African-American Music Appreciation Month”, ou Mês de Apreciação da Música Afro-Americana. Desde 1979, pelo presidente Jimmy Carter, o mês de junho é dedicado genericamente como Black Music Month, fruto de um lobby da indústria fonográfica interessada em vender mais discos. A cada ano, Obama muda o termo. É mais uma homenagem simbólica do primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Na declaração, Obama diz que a música afro-americana está “entre as formas de arte mais inovadoras e poderosas que o mundo já conheceu” e também que ela “nos ajuda a imaginar um mundo melhor”.  Em homenagem ao African-American Appreciation Month, o blog Filho do Blues estará postando vídeos de alguns dos principais expoentes da música afro-americana (mas nem por sonho com o intuito de esgotá-la) para que ninguém possa desmentir a declaração de Barack Obama. Imagino que para Nina Simone, J. B. Lenoir, Billie Holiday e Big Bill Broonzy, especialmente quando cantaram canções como “I Ain’t Got Life”, “Alabama Blues”, “Strange Fruit” e “When Do I Get To Be Called a Man”, respectivamente, deve ser uma emoção muito grande, onde quer que estejam, que em 2016 um presidente dos Estados Unidos, negro, daria mais essa demonstração de gratidão e reconhecimento pelo incrível legado deixado por essa riquíssima bagagem cultural da música negra. Ao mesmo tempo em que perguntamos: dá pra avançar mais? Claro que sim.