Hurricane Ruth acaba de lançar um vigoroso álbum,
Ain’t Ready for The Grave, para o qual grava um clipe igualmente intenso para a
mais emocionante faixa do disco. O vídeo de “Far From The Cradle” é denso,
reflexivo e ainda nos faz pensar na passagem do tempo. Na belíssima letra, Ruth
nos dá algumas dicas de como devemos enxergar esse movimento inexorável que não
vai parar nunca: “We’re far from the cradle, but we ain’t ready for the grave”.
Confira:
quinta-feira, 27 de abril de 2017
Confira Guy Davis & Fabrizio Poggi em ação Live Out Of The Woods
Guy Davis e Fabrizio Poggi lançaram um dos álbuns mais intensos do ano, o histórico Sonny & Brownie's Last Train, no qual se dedicam a homenagear dois grandes gênios do blues, Sonny Terry e Brownie McGhee. Confira agora dois vídeos em que os dois aparecem em ação tocando faixas do disco, "Louise, Louise" e "Walk On"
Resenha de Vin Mott - Quit The Women for the Blues
O disco de estreia de um artista tem que vir com
alguns elementos que forneçam dicas sobre o que o ouvinte pode esperar. O
título e a capa são aspectos importantíssimos para esse fim. É o que acontece,
por exemplo, com o disco "Quit the Women for the Blues", do jovem
estreante Vin Mott, de New Jersey. A capa é simples e mostra Mott em plena ação
tocando gaita, enquanto o título do disco sugere que tenha muito, muito blues.
E melhor, harmonica blues. Pois bem, é isso o que Vin Mott faz, inspirado pelos
mestres tais como James Cotton, Little Water e pegando a tradição de Chicago
blues de Muddy Waters, em cada uma das dez faixas do disco. Outra coisa que
chama atenção e confere muito crédito a Mott e sua banda é que todas as dez
faixas são originais e autorais.
A faixa de abertura e que dá título ao álbum foi
construída sem dúvida com base em "Killing Floor", de Howlin' Wolf.
Inicia o disco com grande estilo. "Make Up Your Mind" é um apelo para
a garota se decidir logo. Aqui, bem como em vários outros momentos do disco,
Mott mostra solos de gaita com grande desenvoltura. O humor ácido aparece em
"Don't Make Me Laugh". A ótima "I'm a Filthy Man" é um dos
pontos altos do disco, com Mott assumindo o papel do safadão da história.
Mas a grande estrela do álbum mesmo é "The
Factory". No blues, as contradições da luta de classes aparece na maioria
das vezes de forma indireta. Por ser um estilo que se desenvolveu num ambiente
brutal e segregado, no qual os negros estavam sujeitos à violências por todos
os lados, é natural que eles não se sentissem seguros o suficiente para
escancarar tudo o que pensavam nas suas letras, exceto nos salões frequentados
somente por membros do próprio grupo. Ainda assim, algumas gravações de
cantores que tiveram coragem de colocar os pingos nos i's nas letras se
destacaram. Por exemplo, "Take This Hammer", de Leadbelly, que serve
quase como uma "dedada" para o capitão, ou, provavelmente a mais
clássica, "Big Boss Man", de Jimmy Reed, alcança um momento em que ele
fala na letra: "você não é tão grande, você só é alto, e isso é
tudo". Big Bill Broonzy, J. B. Lenoir, Josh White e Nina Simone são alguns
outros que se destacam por ter deixado essa luta de classes mais clara em
algumas letras do blues. Pois bem, longe de colocar Vin Mott na mesma posição
em termos de experiência de classe que os negros norte-americanos durante a
praticamente toda sua história enquanto comunidade americana, mas "The
Factory" sem dúvida retrata a esfera da luta de classe que foi transferida
da zona rural para as fábricas. A música, um slow blues arrastado que
representa a exaustão no final de um dia de trabalho, mostra uma letra que
representa a realidade de muito trabalhador industrial pelo mundo afora. Típico
de um morador de uma zona industrial. Representa também a indignação, a raiva
por essas relações sociais de produção. Vale a pena transcrever um trecho da letra:
I've been working / all around the clock (2x)
got
stuck on the third shift / man, what a shock
I've
been working / all around the clock
this
living, ain't much living
I've
been beaten down by the Factory.
Gonna get me a pistol, gonna shoot the Boss
(2x)
And I won't be sorry, for nobodies loss
Gonna get me a pistol, gonna shoot the Boss
This living, ain't much living
I've been beaten down by the Factory
Na verdade, em algum momento da vida, todos nós
trabalhamos nessa fábrica que Vin Mott fala tão vivamente. Seja ela real ou
não.
Mas como todo bom trabalhador, a vida não se resume
a reclamar da exploração. Tem muita festa, namoro e diversão também. A coisa
fica mais animada, inclusive sexualmente, com "Freight Train" e
"Ol' Greasy Blues". Mas claro que teria que ter alguma música sobre
problemas de relacionamento, com o "I Wanna Get Ruff With You". O
álbum se encaminha para o final com "Livin The Blues", mas um ótimo
lamento de quem realmente está vivendo o blues. "Living the blues, been
misused, treated so bad". Isso é o blues. Para finalizar, uma divertida
instrumental "Hott Mott's Theme", em que Mott usa pouco mais de dois
minutos para se divertir com sua banda e sua gaita.
Então, seja utilizando o humor, o desejo sexual, a
exaustão física, a raiva ou o ímpeto festeiro, "Quit The Women For the
Blues" é um ótimo disco autêntico de blues. Não é qualquer um que estreia
com um álbum totalmente com músicas autorais, principalmente no blues, um
gênero que é tão comum ver regravações atrás de regravações. É rejuvenescedor,
sem dúvida. Vale muito a pena ficar de olho nos seus próximos passos.
Resenha - John Primer & Bob Corritore - Ain't Nothing You Can Do!
De um lado, John Primer, um renomado guitarrista no meio do Blues que carrega a honra de ter integrado a última banda do lendário Muddy Watters, pouco antes da morte deste, em 1983. Além disso, conta com uma sequência de vigorosos discos solos, sempre fiéis ao tradicional estilo do Blues de Chicago e guarda o Blues Award de 2016, na categoria de Best Traditional Male Artist. Do outro lado, Bob Corritore, um dos grandes gaitistas da atualidade, que também é vencedor de um Blues Award, em 2011, na categoria Historical Album, com o álbum Harmonica Blues. Para juntar o talento dos dois está, mais uma vez, a gravadora Delta Groove Music, altamente influenciada pelo som puro e tradicional do Blues da cidade do vento. Em 2013 foi o disco de estreia dessa parceria, "Knockin' Around These Blues". Agora o catálogo da dupla é acrescida por "Ain't Nothing You Can Do", no qual a dupla mantém a pegada do Blues nostálgico e original que era tocado pelos clássicos décadas atrás. O disco ainda conta com a presença do pianista de Blues Barrelhouse Chuck em sete faixas, que infelizmente nos deixou no ano passado, aos 58 anos, e ainda com Henry Gary, pianista de Howlin' Wolf, aos incríveis 91 anos, tocando nas três outras faixas. O guitarrista Big Jon Atkinson, com quem Corritore lançou um disco no ano passado, "House Party At Big Jon's", também toca em três músicas.
A faixa de abertura é "Poor Man Blues", uma aclamação para ajudarmos aqueles que estão necessitando, que não tem um prato de comida. Cada música aqui parece construída para que todos os músicos disponham de momentos de mostrarem seus talentos de forma mais livre e solta. Incrível como há momentos em que a voz de John Primer parece bastante com a de Muddy Waters. Em "Elevate Me Mama", de Sonny Boy Williamson, a guitarra de Primer também canta demais, enquanto "Harmonica Boogalo" é simplesmente uma das melhores Jam de gaita que você escutará este ano.
Um dos destaques é a sensual "Big Legged Woman", que prova como existem músicas que podem ser sensuais sem ser ofensivas às mulheres. Nenhum assédio, apenas admiração. "Gambling Blues", de Magic Slim, também conta entre os destaques. É o momento da jogatina, hobby favorito dessa turma da pesada. O disco ainda conta com "May I Have a Talk With You", de Howlin' Wolf. O disco chega ao fim com "When I Leave Home", em torno de sete minutos, com tempo suficiente para guitarristas, gaitista e pianistas.
A experiência de John Primer mesclada com a técnica e o vigor de Bob Corritore, contando ainda com uma ótima banda de músicos, faz com que "Ain't Nothing You Can Do" seja um dos melhores discos de blues puro e tradicional lançados no ano.
quinta-feira, 13 de abril de 2017
Resenha de Eric Bibb - Migration Blues
É impossível não politizar um álbum que nos dias de hoje leve o nome de "Migration Blues". Eis o novo álbum do cantor e compositor Eric Bibb, que lança o novo disco em meio ao governo turbulento e xenófobo do novo presidente norte-americano, Donald Trump, com propostas cada vez mais mirabolantes para tratar da questão da imigração no país anglo-saxão.
O próprio Bibb não poderia deixar sua posição passar de forma indireta. Dessa forma, ele mesmo afirma que "Migration Blues" é seu álbum mais politizado até hoje: "Do jeito que eu vejo, o preconceito para com nossos irmãos e irmãs que são chamados atualmente de 'refugiados' é o problema, o medo e a ignorância são os problemas. Os refugiados não são 'problemas' - eles são seres humanos corajosos escapando de circunstâncias terríveis", diz Bibb na capa do próprio álbum. É um trabalho que as mentes facilmente suscetíveis a frases de efeito e pensamentos rasos colocariam uma etiqueta: "politicamente correto".
Eric Bibb é um cantor que já possui uma sólida carreira construída, calcada na música americana de raiz. Portanto, Bibb nos entrega mais uma mixórdia de Blues, Folk, Country, baladas, só que agora ele acrescenta esse ingrediente que permeia todo o disco, tornando-o mesmo um álbum conceitual. Esse ingrediente é o respeito à pessoa humana, principalmente àqueles que para sobreviver tem que superar obstáculos inimagináveis. Assim, ele mesmo, um afro-americano, recorre à sua própria história e à história de andanças e sofrimento de seu povo nos Estados Unidos para compreender melhor e, acima de tudo, combater as intransigências e intolerâncias do mundo contemporâneo. Afinal, como o próprio Bibb diz no seu site oficial, "Enquanto pensava na atual crise de refugiados, pensei na Grande Migração [...] Se você está olhando para um ex-parreiro, viajando de Clarksdale para Chicago em 1923, ou um órfão de Aleppo, em um barco cheio de refugiados 2016 - é Blues da migração."
Do jeito que eu vejo, o preconceito para com nossos irmãos e irmãs que são chamados atualmente de 'refugiados' é o problema, o medo e a ignorância são os problemas. Os refugiados não são 'problemas' - eles são seres humanos corajosos escapando de circunstâncias terríveis.
A própria escolha das músicas evidencia essa intenção de valorizar as pessoas, combater sentimentos de ódio e violência em torno das pessoas. Totalmente acústico, Bibb mescla clássicos do Folk, como "This Land Is Your Land", de Woody Gutrie e "Master of War", de Bob Dylan, com composições originais focadas no Country, Blues e no Gospel, como a tocante "Prayin' for the Shore", uma balada gospel sobre a crise de refugiados na Síria: "Em um velho barco vazado / Em algum lugar no mar / Tentando sair da guerra / Bem-vindo ou não, nós conseguimos pousar em breve / Oh, Senhor, rezando por terra". Já na faixa "Refugee Moan", Bibb nos acerta no coração quando se coloca na pele de um desses refugiados e canta: "Um caminho para um país pacífico / Onde o povo tem piedade de um homem sem teto".
"Delta Getaway" trata de uma migração bastante conhecida da população afro-americana: a Grande Migração para o norte na primeira metade do século passado, em que a população negra fugia do sangrento sul da Ku-Klux-Klan, do Jim Crow, para as cidades industriais do norte com a promessa de uma vida mais segura e livre. Na letra, o narrador sobe para Chicago para escapar de um linchamento. Essa vida do sul foi retratada na letra de "Blacktop": "todos os dias parece assassinato aqui", que já foi imortalizada pelo Blues do lendário Charley Patton. Outra que trata da Grande Migração é "We Had To Move". Não são apenas os migrantes negros dos Estados Unidos ou os contemporâneos que são lembrados por Bibb. "Diego's Blues" conta a histórias dos mexicanos que migraram para substituir a mão de obra negra no Delta depois da Grande Migração.
"Migration Blues" é rico musicalmente, socialmente e politicamente. É, enfim, um grande registro de uma época confusa e tensa, que, no futuro, se constituirá num ótimo disco-manifesto dessa época.
Resenha Guy Davis & Fabrizio Poggi - Sonny & Brownie's Last Train
Guy
Davis está entre os mais renomados cantores do blues da nova geração que surgiu
para dar um novo fôlego ao gênero a partir da década de 90. Cantor versátil e
bastante produtivo, Guy Davis conta com um respeitável catálogo, que abrange
desde clássicos recentes, como You Don’t Know My Mind, de 1998, e Butt Naked
Free, de 2000, até álbuns puramente conceituais, como o interessante The
Adventures of Fishy Waters, de 2012. Para o seu novo projeto, Davis se juntou
com o gaitista italiano Fabrizio Poggi, que tem também uma carreira tão longa
quando a de Davis, no entanto não dispõe de tanta inserção no cenário mundial. Nesse
projeto colaborativo, a dupla decide homenagear aqueles que provavelmente são a
dupla mais lendária de toda a história do blues: Sonny Terry (1911-1986) e
Brownie McGhee (1915-1996). Os dois se completavam de tal modo, Sonny na gaita
e com seus “woooh” inconfundíveis, e Brownie com sua voz profunda e inabalável
e a seu dedilhado no violão. Essa dupla
fez um dos sons mais incríveis do século XX, levando o blues rural e inclusive
as técnicas do blues a novos patamares. Pois bem, é para homenagear esses dois
grandes cantores da história do blues que juntou Guy Davis e Fabrizio Poggi no
projeto intitulado Sonny & Brownie’s Last Train: A Look Back At Brownie
McGhee and Sonny Terry, lançado esse no final de março. Ambos foram
profundamente influenciados pelo estilo de gaita chamado Piedmont, do qual
Sonny e Brownie foram precursores.
]
Qualquer
álbum que tem como intuito ser um tributo tem de enfrentar necessariamente dois
dilemas: o primeiro se trata da escolha das faixas. O segundo dilema é como
essas músicas vão ser executadas; se respeitando as versões originais ou
reinventando-as e dando novas roupagens. Não existe uma fórmula pronta para
álbuns assim, uns funcionam utilizando a primeira forma e outros funcionam
melhor com a segunda abordagem.
Bem, no caso
de Sonny & Brownie’s Last Train, ouso dizer que só dá tão certo porque Guy
Davis e Fabrizio Poggi gravam essas músicas de forma primitiva, crua, e,
portanto, poderosa, da mesma forma que Sonny e Brownie fizeram no seu tempo. Até
porque, segundo o próprio Guy, Brownie e Terry foram dois músicos cujo trabalho
nunca será superado, muito menos melhorado”. Guy encarna o papel de Brownie, enquanto Fabrizio
se encarrega de representar a gaita de Sonny, o que não é uma tarefa nada fácil.
O resultado do trabalho de Fabrizio sem dúvida é um dos pontos mais fortes do
disco.
Pois bem,
estamos em 2017. Nada mais vai alcançar a genialidade das gravações de Sonny
Terry e Brownie McGhee do que esse projeto de Guy Davis e Fabrizio Poggi. O
fato de ser um tributo sincero faz com que o álbum atinja todos os seus
objetivos. É um álbum honesto, empolgante, histórico e apaixonante.
Assinar:
Postagens (Atom)