quinta-feira, 13 de abril de 2017

Resenha de Eric Bibb - Migration Blues


É impossível não politizar um álbum que nos dias de hoje leve o nome de "Migration Blues". Eis o novo álbum do cantor e compositor Eric Bibb, que lança o novo disco em meio ao governo turbulento e xenófobo do novo presidente norte-americano, Donald Trump, com propostas cada vez mais mirabolantes para tratar da questão da imigração no país anglo-saxão.

O próprio Bibb não poderia deixar sua posição passar de forma indireta. Dessa forma, ele mesmo afirma que "Migration Blues" é seu álbum mais politizado até hoje: "Do jeito que eu vejo, o preconceito para com nossos irmãos e irmãs que são chamados atualmente de 'refugiados' é o problema, o medo e a ignorância são os problemas. Os refugiados não são 'problemas' - eles são seres humanos corajosos escapando de circunstâncias terríveis", diz Bibb na capa do próprio álbum. É um trabalho que as mentes facilmente suscetíveis a frases de efeito e pensamentos rasos colocariam uma etiqueta: "politicamente correto".

Eric Bibb é um cantor que já possui uma sólida carreira construída, calcada na música americana de raiz. Portanto, Bibb nos entrega mais uma mixórdia de Blues, Folk, Country, baladas, só que agora ele acrescenta esse ingrediente que permeia todo o disco, tornando-o mesmo um álbum conceitual. Esse ingrediente é o respeito à pessoa humana, principalmente àqueles que para sobreviver tem que superar obstáculos inimagináveis. Assim, ele mesmo, um afro-americano, recorre à sua própria história e à história de andanças e sofrimento de seu povo nos Estados Unidos para compreender melhor e, acima de tudo, combater as intransigências e intolerâncias do mundo contemporâneo. Afinal, como o próprio Bibb diz no seu site oficial, "Enquanto pensava na atual crise de refugiados, pensei na Grande Migração [...] Se você está olhando para um ex-parreiro, viajando de Clarksdale para Chicago em 1923, ou um órfão de Aleppo, em um barco cheio de refugiados 2016 - é Blues da migração."

Do jeito que eu vejo, o preconceito para com nossos irmãos e irmãs que são chamados atualmente de 'refugiados' é o problema, o medo e a ignorância são os problemas. Os refugiados não são 'problemas' - eles são seres humanos corajosos escapando de circunstâncias terríveis.

A própria escolha das músicas evidencia essa intenção de valorizar as pessoas, combater sentimentos de ódio e violência em torno das pessoas. Totalmente acústico, Bibb mescla clássicos do Folk, como "This Land Is Your Land", de Woody Gutrie e "Master of War", de Bob Dylan, com composições originais focadas no Country, Blues e no Gospel, como a tocante "Prayin' for the Shore", uma balada gospel sobre a crise de refugiados na Síria: "Em um velho barco vazado / Em algum lugar no mar / Tentando sair da guerra / Bem-vindo ou não, nós conseguimos pousar em breve / Oh, Senhor, rezando por terra". Já na faixa "Refugee Moan", Bibb nos acerta no coração quando se coloca na pele de um desses refugiados e canta: "Um caminho para um país pacífico / Onde o povo tem piedade de um homem sem teto".

"Delta Getaway" trata de uma migração bastante conhecida da população afro-americana: a Grande Migração para o norte na primeira metade do século passado, em que a população negra fugia do sangrento sul da Ku-Klux-Klan, do Jim Crow, para as cidades industriais do norte com a promessa de uma vida mais segura e livre. Na letra, o narrador sobe para Chicago para escapar de um linchamento. Essa vida do sul foi retratada na letra de "Blacktop": "todos os dias parece assassinato aqui", que já foi imortalizada pelo Blues do lendário  Charley Patton. Outra que trata da Grande Migração é "We Had To Move". Não são apenas os migrantes negros dos Estados Unidos ou os contemporâneos que são lembrados por Bibb. "Diego's Blues" conta a histórias dos mexicanos que migraram para substituir a mão de obra negra no Delta depois da Grande Migração.

"Migration Blues" é rico musicalmente, socialmente e politicamente. É, enfim, um grande registro de uma época confusa e tensa, que, no futuro, se constituirá num ótimo disco-manifesto dessa época.

Nenhum comentário:

Postar um comentário