quarta-feira, 4 de julho de 2018

Resenha de Buddy Guy, The Blues is Alive and Well


                O blues está vivo e bem. E, sem dúvida, um dos grandes responsáveis por isso é Buddy Guy, a lenda viva do blues, que aos 81 anos continua na atividade, fazendo shows, saindo em turnê e lançando ótimos e vigorosos álbuns que chamam a atenção e fazem um grande serviço ao gênero. The Blues is Alive and Well é o último lançamento de Buddy Guy, que em 2016 conquistou mais um Grammy pelo trabalho anterior, Born to Play the Guitar, de 2015. Como sempre e como vem fazendo há mais de 50 anos, Guy canta o blues, sente o blues, vive o blues e, acima de tudo, Buddy Guy é o blues. A cada novo disco lançado, o guitarrista lendário aproveita o tempo que lhe resta para falar de suas experiências, de suas vivências, sobre o que o blues lhe proporcionou durante sua longa vida e reflete ainda sobre a mortalidade, o momento da partida, pensamentos naturais para alguém chegando ao limiar da existência. The Blues is Alive and Well alterna esses momentos mais sérios, reflexivos, e momentos de diversão pura, o que prova que a idade não impede de desfrutar do que a vida, especialmente a vida que o blues guardou para ele, tem a proporcionar.

A faixa de abertura “A Few Good Years”, mais lenta, trata exatamente desse apelo por um pouco mais de bons anos, lembrando o quanto ele teve sorte e o quanto o blues transformou sua vida, possibilitando-o viajar pelo mundo afora e viver com boas condições financeiras. Mas a calmaria logo dá um tempo com a faixa seguinte, “Guilty As Charged”, sobre a vida namoradeira, cuja energia surpreende para quem já ultrapassou os oitenta anos e toca e canta dessa maneira tão intensa. “Cognac” é a primeira que conta com participações especiais, de nada mais nada menos do que Keith Richards e Jeff Beck. Para quem estava com dúvidas, estes nomes já indicam o tamanho do prestígio e da moral de Buddy Guy. A faixa é uma homenagem à sua bebida favorita, um conhaque, que ainda remete à fama de Muddy Waters de bom bebedor.  A faixa título, bem focada no soul blues, fala sobre a mulher traindo e enganando, um bom combustível para manter o blues vivo e bem.


“Bad Day”, um dos pontos altos do disco, acha Buddy Guy reclamando que depois de um dia cansativo e ruim é melhor ser deixado sozinho. Aqui Buddy Guy, que não é conhecido por letras críticas de protesto, dá uma cutucada na situação de perigo iminente dos negros nos Estados Unidos: “I was stopped by the police / Just for bein’ who I am / They said, why you goin’ in such a hurry / I said ‘Wooh! Guilty, damn!’”. A faixa “Blues No More”, bem no estilo B.B. King, conta com a participação de James Bay. “Whiskey for Sale”, com um ritmo bem funk, é a única faixa que destoa das demais em termos de qualidade. Tudo bem, está perdoado.




“You Did The Crime” tem a participação de outro ícone do rock, Mick Jagger, na gaita. “Old Fashioned” é um contraste de gerações. Tendo 81 anos, Buddy Guy certamente se sente um pouco fora de moda hoje em dia, principalmente cozinhar em fogão a lenha, deixar as portas abertas, respirar o ar da zona rural, dentre outras delicadezas que não nos damos mais o luxo. Como o título já sugere, “When My Day Comes” é outra na qual Buddy Guy reflete sobre a mortalidade, assim como “End of the Line”, onde ele também pensa nos amigos que perdeu e que às vezes se sente como se estivesse no fim da linha e reflete sobre o fato de ser a única lenda viva remanescente do blues: “I’m the last one to turn off the light”. Mesmo assim, estando  na última página do livro da vida, Buddy diz na letra que ainda dá conta do serviço.

O outro grande momento do disco fica para a versão de “Nine Below Zero”, clássica de Sonny Boy Williamson, onde Guy troca os solos de gaita pelos de guitarra e nos entrega uma versão super selvagem da música. O boogie “Oh Daddy” encaminha o disco para o final, junto com “Somebody Up There” , que é quase um momento espiritual, que depois de ver tudo o que viu e passou ele ainda estar vivo. “Alguém lá em cima deve gostar de mim”, conclui Guy. Por fim, a brincadeira ingênua e inocente na guitarra de “Milking Muther For You”.

The Blues is Alive and Well é mais um registro único da passagem de Buddy Guy por este plano. Alguém que foi salvo pela música, viveu na música e certamente irá morrer com a música. Embora no fim da linha, Buddy Guy nos dá uma mensagem reconfortante quando diz que talvez não tenha muito tempo restante, mas enquanto tiver, ele promete manter o blues vivo. O que temos de fazer é continuar aproveitando e nos sentido sortudos de poder desfrutar desse grande talento.


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