domingo, 10 de fevereiro de 2019

Resenha de Walter Trout - Survivor Blues




O lançamento de um novo álbum do guitarrista Walter Trout é sempre um evento para se marcar na agenda e esperar ansiosamente. Dono de uma discografia de dar inveja a muitos guitarristas renomados por aí, Trout não se cansa e procura sempre cravar mais a fundo seu nome no hall dos gigantes do gênero do blues rock com seu novo disco, Survivor Blues. Walter Trout procura um conceito que irá guiar todo o trabalho e como não podia ser diferente, em Survivor Blues o sentimento que motivou Trout e a banda foi resgatar músicas de blues menos conhecidas e rearranjá-las e trazê-las novamente para a superfície. Portanto, Survivor Blues não é um mero álbum de covers, mas sim um disco de raridades. Eu, pessoalmente, conhecia apenas duas músicas das doze faixas. "God's Word", de J. B. Lenoir, e "Please Love Me", de B.B. King.



O disco tem início com “Me, My Guitar and the Blues”, de Jimmy Dawkins, é um slow blues em que Trout deixa sua marca em solos incríveis na guitarra e intensidade no vocal. O resgate de músicas antigas não foi desconectada da realidade, pois a segunda faixa “Be Careful How You Vote” parece atemporal, pois funciona para qualquer época, e cai como uma luva para os tempos atuais, um chamado para a responsabilidade na hora de votar. “Sadie”, de Hound Dog Taylor, recebe um ritmo bem interessante e em seguida "Please Love Me" do saudoso B.B. King recebe uma versao acelerada e intensa. A visionária "Nature's Disappearing", do mestre  John Mayall, de 1970, mostra um tema extremamente relevante do meio ambiente e mudanças climáticas. "Something Inside of Me", de Elmore James, é outro grande destaque do disco, com amplo espaço para Trout destilar toda sua habilidade na guitarra. Em "Going Down to the River", Trout dá um tratamento do blues elétrico ao Delta blues de Mississippi Fred McDowell. Para finalizar, uma versão digna de "God's Word", de J. B. Lenoir.

            A inspiração para o álbum surgiu enquanto Trout estava dirigindo e colocou no rádio uma estação de blues que apareceu uma banda tocando "Got My Mojo Workin'". E então ele pensou consigo mesmo: "o mundo precisa de mais uma versão dessa música, tantas e tantas vezes regravadas?" Pois bem, com Survivor Blues, Trout escolhe a dedo aquelas que valem a pena serem redescobertas.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Resenha de Gaye Adegbalola - The Griot



A figura do Griot está em alta no mundo do blues. Os griots fazem parte da rica tradição africana de preservar sua tradição oral. Esses indivíduos são poetas, músicos ou contadores de história que têm o papel de transmitir histórias, fatos históricos, conhecimentos e canções do seu povo, mantendo-as sempre vivas na comunidade. O cantor Eric Bibb ampliou essa função no seu último álbum, Global Griot, dando um aspecto mais cosmopolita à figura do griot, normalmente confinado dentro do próprio grupo. Dessa vez, a cantora Gaye Adegbalola lança mão do simbolismo do griot no seu novo disco, The Griot, para denunciar e desabafar diretamente sobre os problemas políticos contemporâneos, especialmente sobre as mulheres e negros na sociedade americana, sob a gestão de Donald Trump. O disco é um soco direto, sem meias palavras. Ela usa sua toda a vivência de 74 anos, vencedora do Blues Music Award, fundadora do The Uppity Blues Women, para falar sobre variados assuntos, ora utilizando-se da revolta, indignação, outras vezes mostrando seu lado mais sensual e bem-humorado, o que é sua marca registrada. O subtítulo do disco é “Topical Blues for Topical Times” e para deixar as coisas mais claras, ela define o tema de cada música na contracapa do álbum.




A faixa de abertura, “Nothing’s Changed” é uma verdadeira aula de história sobre a injustiça, desigualdade, racismo, em que embora pareça que todas as coisas mudaram, na verdade, nada mudou. Na letra, ela não poupa as palavras: “KKK and Nazis march in Charlottesville/Spewing hate, carrying guns, wanting blood to spill/They’re saluting Hitler and their President/They wave their rebel flags and like the war ain’t over yet/Some will stand against democracy it’s true/Star-spangled love in the red, white, and blue”

Na segunda faixa, “The Griot”, praticamente conversada, ela dá a definição do griot e em seguida mostra toda a acidez contra a hipocrisia em “Liearrahea”, com certeza endereçada a Trump, em que ela faz um trocadilho com a “mentira” (lie) e a diarreia, ou seja, Trump vive cagando mentiras. “FGM (Female Genital Mutilation)” é um manifesto em favor das mulheres que ainda hoje sofrem a mutilação dos órgãos genitais. É praticamente uma declaração de guerra em que Gaye diz que vale a pena morrer e lutar uma guerra para uma mulher ter seu prazer intacto. “Dirty Sheets” é um blues direto e forte sobre a pobreza e o aumento da desigualdade na sociedade americana, pois mesmo trabalhadores não tem condições dignas de moradias.



“(You’re) Flint Water” trata da poluição e revolta, dizendo na cara que não pode “nem dar descarga em você” e protesto em “Kaepernicked”. É muito interessante ver uma senhora de 74 anos saber tanto de tecnologia quanto Gaye nos mostra em “Ain’t Technology Grand?”, em que, de maneira sarcástica, ela fala dos benefícios e riscos da tecnologia. Em “Don’t Criticize Me” ela fala da inspiração para seu blues, que acha humor na dor, colocar essa dor pra fora,  fala da inspiração ela vida do dia a dia, pela dor. Gaye compôs todas as faixas, com exceção de três, nas quais ela fala de  esperança, em “(There is Always) One More Time”, onde a voz dela lembra até David Bowie, sexo em “Need a Little Sugar in My Bowl” e traição em “Jelly Bean Blues”.

Por fim, Gaye Adegbalola mostra que é uma atenta e perspicaz observadora do mundo em que a gente vive. Com The Griot, o ano começa com resistência, energia, humor e sensibilidade.