quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Resenha de Gaye Adegbalola - The Griot



A figura do Griot está em alta no mundo do blues. Os griots fazem parte da rica tradição africana de preservar sua tradição oral. Esses indivíduos são poetas, músicos ou contadores de história que têm o papel de transmitir histórias, fatos históricos, conhecimentos e canções do seu povo, mantendo-as sempre vivas na comunidade. O cantor Eric Bibb ampliou essa função no seu último álbum, Global Griot, dando um aspecto mais cosmopolita à figura do griot, normalmente confinado dentro do próprio grupo. Dessa vez, a cantora Gaye Adegbalola lança mão do simbolismo do griot no seu novo disco, The Griot, para denunciar e desabafar diretamente sobre os problemas políticos contemporâneos, especialmente sobre as mulheres e negros na sociedade americana, sob a gestão de Donald Trump. O disco é um soco direto, sem meias palavras. Ela usa sua toda a vivência de 74 anos, vencedora do Blues Music Award, fundadora do The Uppity Blues Women, para falar sobre variados assuntos, ora utilizando-se da revolta, indignação, outras vezes mostrando seu lado mais sensual e bem-humorado, o que é sua marca registrada. O subtítulo do disco é “Topical Blues for Topical Times” e para deixar as coisas mais claras, ela define o tema de cada música na contracapa do álbum.




A faixa de abertura, “Nothing’s Changed” é uma verdadeira aula de história sobre a injustiça, desigualdade, racismo, em que embora pareça que todas as coisas mudaram, na verdade, nada mudou. Na letra, ela não poupa as palavras: “KKK and Nazis march in Charlottesville/Spewing hate, carrying guns, wanting blood to spill/They’re saluting Hitler and their President/They wave their rebel flags and like the war ain’t over yet/Some will stand against democracy it’s true/Star-spangled love in the red, white, and blue”

Na segunda faixa, “The Griot”, praticamente conversada, ela dá a definição do griot e em seguida mostra toda a acidez contra a hipocrisia em “Liearrahea”, com certeza endereçada a Trump, em que ela faz um trocadilho com a “mentira” (lie) e a diarreia, ou seja, Trump vive cagando mentiras. “FGM (Female Genital Mutilation)” é um manifesto em favor das mulheres que ainda hoje sofrem a mutilação dos órgãos genitais. É praticamente uma declaração de guerra em que Gaye diz que vale a pena morrer e lutar uma guerra para uma mulher ter seu prazer intacto. “Dirty Sheets” é um blues direto e forte sobre a pobreza e o aumento da desigualdade na sociedade americana, pois mesmo trabalhadores não tem condições dignas de moradias.



“(You’re) Flint Water” trata da poluição e revolta, dizendo na cara que não pode “nem dar descarga em você” e protesto em “Kaepernicked”. É muito interessante ver uma senhora de 74 anos saber tanto de tecnologia quanto Gaye nos mostra em “Ain’t Technology Grand?”, em que, de maneira sarcástica, ela fala dos benefícios e riscos da tecnologia. Em “Don’t Criticize Me” ela fala da inspiração para seu blues, que acha humor na dor, colocar essa dor pra fora,  fala da inspiração ela vida do dia a dia, pela dor. Gaye compôs todas as faixas, com exceção de três, nas quais ela fala de  esperança, em “(There is Always) One More Time”, onde a voz dela lembra até David Bowie, sexo em “Need a Little Sugar in My Bowl” e traição em “Jelly Bean Blues”.

Por fim, Gaye Adegbalola mostra que é uma atenta e perspicaz observadora do mundo em que a gente vive. Com The Griot, o ano começa com resistência, energia, humor e sensibilidade.
        
  

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