Por todo o apoio e conforto espiritual, a trilha sonora para momentos difíceis - nas batalhas vencidas ou mesmo nas que infelizmente perdemos (perdi meu pai para o covid-19 - e in memoriam (foi tambémuma das vítimas do covid-19, aos 76 anos), o melhor disco do ano vai para Rev. John Wilkins, com o disco Trouble.
Procure a playlist do FilhodoBlues-2020 no Spotify para ouvir os destaques de cada álbum.
Para épocas turbulentas, a música, em geral, é um alento para a alma. Mas não nos enganemos: algumas mais do que outras. E o disco Trouble, de Reverend John Wilkins, é desse tipo de música que toca fundo na alma, que mexe com as esperanças, decepções, espiritualidade, fé e faz com que cada tenha seu momento íntimo com seu Deus particular, não importa de qual religião você seja.
Recorrendo, sobretudo, à tradição gospel e mesclando-a em alguns momentos com o blues, o reverendo nos transporta diretamente para sua igreja. Parece que ele quer contar para o mundo inteiro como sua congregação se diverte naquela reunião dominical na casa de Deus, como ele diz em "Down Home Church".
Do início ao fim o disco é cheio de momentos mágicos, seja nas horas mais delicadas, como "Trouble", seja naquelas horas que a gente deposita toda a fé na vontade de Deus, como na incrível "You Can't Hurry God". A reflexão sobre as nossas próprias dificuldades e experiências de vida, os períodos tempestuosos e chuvosos, também são recorrentes, sempre com uma mensagem de esperança de que juntos, contando com algo inclusive mais forte que nós mesmos, poderemos superar esses momentos turbulentos.
E é essa mensagem que o mundo precisa ouvir nesse ano que passamos.é por isso que Trouble, de Reverend John Wilkins, é um verdadeiro alimento para a alma. Dos melhores.
Rory Block é uma das cantoras mais empenhadas em preservar e homenagear a história do blues e suas grandes lendas. Sempre com seu estilo acústico, ela tem o hábito de lançar discos que fazem tributos a algum artista clássico do blues, foi o que ela chamou de "Mentor Series". Foi com essa fórmula que ela já prestou homenagens a Bessie Smith, Mississippi John Hurt, Skip James, Bukka White, Rev. Gary Davis, dentre outros.
Em Prove It On Me, Block revisa nove faixas de grandes mulheres do blues, das menos conhecidas (Rosetta Howard, Arizona Dranes) às mais famosas, como Ma Rainey e Memphis Minnie. O álbum é um ótimo representativo do universo feminino no blues, abrangendo temas religiosos e amorosos clássicos da tradição.
Mais uma bela contribuição de Rory Block para a preservação do legado cultural e musical do blues, dando luz a nomes já praticamente desconhecidos do grande público, sempre com a excelente qualidade musical já típica de sua carreira
O blog O Filho do Blues já acompanha o trabalho do cantor e compositor Reverend Shawn Amos desde o disco de estréia, The Reverend Shawn Amos Loves Tou, de 2015, e de lá para cá ele tem amadurecido cada vez mais. Esse amadurecimento é notório em Blue Sky, no qual é acompanhado pela banda The Brotherhood, que mostra um entrosamento e química muito grande durante todo o disco.
Apesar de ter diminuído no tom de faixas realmente de blues, pode-se perceber a presença do blues em todas as músicas, especialmente quando Amos faz a gaita gritar, sempre de forma inteligente, eficiente e sensível.
Sem dúvida, Blue Sky se insere no catálogo de Reverend Shawn Amos não apenas como um passo adiante, mas também o coloca como um dos nomes mais interessantes e talentosos do cenário do blues contemporâneo.
Um grande guitarrista e expoente do blues rock, Tinsley Ellis oferece mais um bom trabalho, mantendo o nível do seu álbum anterior, Winning Hand, de 2018.
Em Ice Cream in Hell é certeza de encontrar um trabalho incrível na guitarra - você se verá mais de uma vez fazendo a mesma careta que Ellis faz quando está fazendo mais um de seus solos intensos na guitarra.
Álbum altamente indicado para quem é fã de blues rock e adora sair fazendo "air guitar" por aí.
As
últimas semanas têm sido agitadas em termos de lançamentos. São vários e gostaria de ter tempo pra fazer
uma resenha de cada um, mas há aqueles que não podemos deixar passar e
registrar aqui no blog, pois são imensas as chances de figurarem nas principais
listas de fim de ano. O primeiro deles é o disco Daydreams In Blue, do grande pianista Anthony
Geraci, colecionador de vários prêmios do Blues Music Awards, dessa vez em colaboração
com Dennis Brennan, que canta em várias faixas. Como é de costume, Anthony
Geraci lança mão de um ótimo conjunto de instrumentistas, o que torna a banda
completa e equilibrada, com cada um com espaço para mostrar seu respectivo
talento. A banda tem uma ótima seção de instrumentos de sopro e a parte da guitarra
fica a cargo de nada menos que Walter Trout e Monster Mike Welch. Tudo isso
articulado pelo genial trabalho do próprio Geraci no piano e também canta em
algumas músicas.
Originalmente
integrante de grandes bandas no blues, como Sugar Ray & The Bluetones e
Ronnie Earl and the Broadcasters, Anthony Geraci construiu para si uma poderosa
carreira solo. Ele tem sido nomeado para o prestigioso prêmio Pinetop Perkins,
para os pianistas, e seu último trabalho, Why Did You Have to Go, foi nomado
também para várias categorias da maior premiação do mundo do blues. E na sua
bagagem tem ainda experiências iniqualável de ter tocado com gente como Muddy
Waters, B.B. King, Otis Rush, Chuck Berry, Big Mama Thornton, Big Joe Turner e
Jimmy Rodgers.
Todas
as faixas tem seu brilho próprio, são dinâmicas, exaltando uma diversidade que
faz com que o ouvinte não se canse nem se sinta entediado em nenhum momento do
disco. A dobradinha inicial “Love Changes Everything” e “Tomorrow Never Comes”
é de tirar o fôlego, você só fica sem saber no que celebrar mais, a guitarra, o
teclado ou os instrumentos de sopro, sensação completada ainda com “No One
Hears My Prayers”, com Trout fazendo um trabalho à parte na guitarra. A
surpresa fica evidente porque elas nem são exatamente as melhores faixas do
disco. Depois da dançante faixa que dá título ao álbum, começa uma sequência
que conta com faixas focadas no Chicago Blues, como “Mister”, com um ótimo trabalho
no piano e na gaita, no rock dos anos cinquenta que não deixa você parado, como
em “Tutti Frutti Booty”, com uma velocidade incrível de Geraci no piano, e “Jelly,
Jelly”, um blues quase jazz, lento e gostoso de ouvir, cheio de pequenos solos
de piano.
O
álbum continua com “Dead Man’s Shoes” e “Hard to Say I Love You”, com um pé no
jazz de New Orleans. Encaminhando para o final do disco ainda dá tempo de
surpreender ainda com o blues tradicional de “Crazy Blues- Mississippi Woman”.
O
mercado não está entupido de grandes pianistas de blues tanto quanto grandes
guitarristas e até mesmos gaitistas. Então, um disco tão completo e autêntico
de piano blues como Daydreams In Blue é sempre uma delícia para se aproveitar
sem moderação.
Rawer Than Raw, lançado hoje, novo disco de Bobby Rush, é uma grande homenagem e um tributo ao blues clássico do Delta do Mississippi, uma mistura de músicas originais e regravações clássicas de lendas do blues como Howlin' Wolf, Muddy Waters, Elmore James, Skip James, dentre outros. O disco é a sequência do formato usado por Rush no álbum de 2007, Raw, que foi a primeira vez que gravou um disco todo acústico.
"If you want to get the real deal of the blues, get it from the bluesmen who are from Mississippi. Whether they migrated somewhere else like Chicago or Beverly Hills, if they are from Mississippi you can hear the deep roots of Mississippi in their stories", Bobby Rush falou sobre o blues de Mississippi.
Tudo isso gravado de forma crua e simples como o velho estilo do Delta. Aos 86 anos, Rush mostra vitalidade, experiência e sabedoria de uma vida dedicada ao gênero e ao berço do blues, o delta do Mississippi. Diferente de outras leituras feitas por artistas que sofreram a brutalidade e a violência do racismo nesse estado do sul dos Estados Unidos - Mississippi Goddam, de Nina Simone é um exemplo clássico dessa abordagem, ou J.B. Lenoir com "Down in Mississippi", Rush prefere focar no lado positivo e bucólico, como fica evidente na música ""Down In Mississippi", uma das faixas autorais. O disco vai além de ser apenas uma compilação de clássicos do blues, pois cada música possui uma carga de originalidade a partir da proposta que Rush traz no novo álbum. É o exemo de "Don't Start Me Talkin'", de Sonny Boy Williamson II, ou "Shake It For Me", do gigante Howlin' Wolf.
Totalmente indicado para os fãs de blues, sobretudo os que adoram o delta blues original
Imagine se
você tivesse tanto a linhagem do maior compositor de blues da história quanto a
experiência de ter aprendido tudo com ele próprio. O que você faria? Tentaria
outro caminho ou aproveitaria a bagagem biológica e cultural para manter a
tradição viva?
Esse é o caso de Alex Dixon, neto do grande e incomparável
Willie Dixon, sem dúvida o primeiro compositor profissional de clássicos de
blues – e o maior até hoje. Enraizado nas tradições orais da comunidade negra
no sul dos Estados Unidos, as músicas passavam de cantor para cantor, que
adicionavam um verso aqui, outro ali, tornando a noção de direitos autorais e
composição algo muito difícil de localizar. Mas Willie Dixon está diretamente
ligado à fase de ouro do blues dos anos 50, principalmente quando aliado a
Leonard Chess, um dos fundadores da Chess Records, que seria o epicentro de
gravações memoráveis do blues, em Chicago. Willie Dixon seria o compositor
oficial que criava e pensava músicas especialmente para seus intérpretes. Por exemplo, músicas como “Spoonful”,
“The Little Red Rooster”, “Back Door Man” foram feitas sob medida para um intérprete
com as características de Howlin’ Wolf, enquanto “Hoochie Coochie Man”, “The
Same Thing”, “I Just Want To Make Love to You”, “You Shook Me” se encaixam
perfeitamente com Muddy Waters, “My Babe” com Little Walter, “I Can’t Quit You
Baby”, com Otis Rush, “Bring it On Home”, com Sonny Boy Williamson e inúmeros
outros casos. Perceberam o nível das músicas? Pois bem, todas elas são
de Willie Dixon, músicas que foram reinterpretadas por bandas como Led
Zeppelin, Bob Dylan, The Doors, Rolling Stones, Cream, Eric Clapton, The Allman
Brothers e centenas de outros. Mas não estamos aqui para falar de Willie, mas
sim do seu neto, Alex Dixon, que acabou de lançar um disco do seu novo projeto,
Vintage Dixon, chamado The Real McCoy.
Assim como seu
avô, Alex Dixon também é baixista e compositor, mas também toca outros
instrumentos, como piano. Alex foi criado por seu avô e aprendeu muito com ele.
É esse legado da família que Alex quer homenagear com a nova banda Vintage
Dixon. A banda é formada por Lewis “Big Lew” Powell nos vocais, Alex no baixo
baixo, o filho de Carey Bell, Steve Bell, na gaita, Alvino Bennett na bateria e
Melvin Taylor e Gino Matteo nas guitarras. O disco The Real McCoy é composto
por sete músicas originais, escritas pelo próprio Alex, e quatro covers
conhecidas do catálogo de Willie Dixon.
Os destaques
ficam a cargo de “Nothing New Under The Sun”, um shuffle poderoso acompanhado
por “Spider In My Stew”, “My Greatest Desire” um blues mais lento cheio de
gaitas incríveis. Dentre as covers, as que mais se destacam são dos intérpretes
mais memoráveis de Willie, “Howlin’ for My Darlin”, gravada por Howlin’ Wolf, e
“I Want to Be Loved”.
Enfim, The
Real McCoy é puro Chicago Blues com um pé no passado e outro no presente.
Aproveitemos.
Mesmo
em meio à pandemia, o processo eleitoral nos Estados Unidos está com toda
força. Vários nomes do cenário do blues aproveitaram para mandar um recado para
literalmente despejar Trump do cargo de presidente dos Estados Unidos. A música
gravada por Rick Estrin & The Nightcats é uma atualização do clássico “Dump
That Chump”, traduzindo, despeje esse idiota. O que Rick fez foi nomear o
idiota em questão. “Dump That Trump”. Para o Brasil poderíamos muito bem
adaptá-la ainda mais. “Dump That Bolsonaro”. Que tal?
No final do vídeo tem uma
mensagem do Nightcats na placa do Signs of Justice, que diz que “nós
acreditamos que a vida dos pretos importam, nenhum ser humano é ilegal, amor é
amor, direitos das mulheres são direitos humanos, a ciência é real, água é
vida, injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. Vários
artistas do blues aproveitaram o gancho pra mandar sua mensagem de expulsar
Trump do cargo. São mais de cinquenta que incluem Charlie Musselwhite, Kim
Wilson, Elvin Bishop, Joe Louis Walker, Alabama Mike, Lucky Peterson, Big Harp
George, Nick Moss, dentre outros.
Vale a pena conferir. Espero que
contamine os eleitores e realmente coloquem para fora Trump e o movimento siga
expulsando todos os líderes autoritários de extrema-direita, fascistas, que se alastram pelo
mundo, inclusive aqui nesse país tropical chamado Brasil.
O que The Rolling Stones, Eric
Clapton, Led Zeppelin, Jimi Hendrix, Bob Dylan, The White Stripes, The Who e
muitos outros têm em comum? Todos eles foram influenciados por Robert
Johnson, que nasceu em 8 de maio de 1911, no Mississippi, berço do blues. Sem
Johnson o blues, o rock e pode-se dizer que a música pop em geral não seriam os
mesmos. Sua influência vai muito além da carreira curta e com poucas músicas
gravadas, marcando profundamente imaginários e mitos de longa duração na música
pop.
De
carreira meteórica, Johnson tem apenas duas fotos conhecidas e gravou apenas 40
músicas em duas sessões; uma em San Antonio, em novembro de 1936 e Dallas, em julho
de 1937, gravações cheias de ruídos e chiados. Entre elas, clássicos eternos
como “Cross Road Blues”, “Walkin’ Blues”, “Love In Vain”, “Ramblin’ On My Mind”,
Sweet Home Chicago”, “Stop Breakin’ Down”, revisitadas inúmeras vezes por uma
variedade indizível de artistas cujo tamanho só aumenta.
No
campo do imaginário, Johnson contribuiu fortemente em dois mitos que marcaram a
cultura pop até hoje. Quem já ouviu a história de vender a alma ao diabo em
nome de uma habilidade que ninguém mais tem? Pois bem, reza a lenda que Robert
Johnson, guitarrista de mediano pra ruim, encontrou-se com o capeta em uma
encruzilhada das rodovias 61 e 49, em Clarksdale, onde acabou acertando o
acordo. O fato é que pouco tempo depois Johnson reaparece com uma habilidade
incrível na guitarra, chamando rapidamente a atenção de todos na região. O
outro mito é o tal do “clube dos 27”, artistas famosos que tiveram a vida
encurtada por alguma tragédia. Kurt Cobain, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Amy
Whinehouse são membros do clube que muito antes deles já tinha Robert Johnson
provavelmente se divertindo entre uma dose de uísque e outra. Como tudo na vida
de Johnson, sua morte é bastante controversa. A teoria mais aceita é que ele
bebeu um uísque envenenado depois de paquerar com a mulher do dono do bar,
tendo morrido depois de pneumonia em 16 de agosto de 1938, com 27 anos. Outras
teorias dizem que morreu de sífilis, assassinado, envenenado pelo próprio
uísque, etc.
A noite de gala do mundo do blues foi bem diferente neste ano. Devido à pandemia do coronavírus, não tinha como fazer o evento de cinco horas de duração, tomado de gente, com apresentações ao vivo e tudo o mais. Como tem sido nesse período de distanciamento social, o 41º Blues Music Awards foi transmitido ao vivo pelas redes sociais e teve apresentações remotas de casa de vários artistas que ganharam destaque durante o ano passado.
O grande vencedor da noite foi o estreante Christone 'Kingfish' Ingram, que levou pra casa cinco prêmios, dentre eles o mais desejado álbum do ano, com o disco de estréia Kingfish (os outros prêmios foram Melhor álbum de artista jovem, melhor álbum de contemporary blues, e, individualmente, melhor guitarrista e melhor artista de blues contemporâneo. Nick Moss faturou dois troféus com o disco Lucky Guy! (banda do ano e melhor álbum de blues tradicional). Bobby Rush, que se recuperou recentemente da covid-19, também ganhou prêmios na noite. Confira a lista de vencedores completa abaixo:
Quando
se fala em álbum instrumental a gente pensa logo em alguma big band ou algum
instrumentista extremamente virtuoso de jazz. O que pensar, então, de um disco
instrumental totalmente de blues? Bem, essa é a proposta do grupo 11 Guys
Quartet, que lançou o trabalho Small Blues and Grooves, um projeto que ficou
mais de dez anos na geladeira e que só veio à tona em 2020. Vamos falar
primeiro da banda. Há quase quarenta anos quatro caras se uniram e resolveram se
divertir tocando em bares na área de Boston. Eles misturavam rock e blues e
eram chamados de 11th Hour Blues Band. Esses caras eram Paul Lenart, na
guitarra, Bill “Coach” Mather, no baixo, Chuck Purro, na bateria, e Richard “Rosy”
Rosenblatt na gaita. Eles chegaram a gravar um disco em 1985, Hot Time In The
City Tonight. Avançando para 2008, o grupo se reuniu novamente no estúdio e
gravaram um monte de músicas instrumentais que eles tinham composto. O material
nunca chegou a tornar-se público... até hoje.
Pois
bem, vamos retomar a pergunta inicial: o que pensar de um disco instrumental
totalmente de blues? Os mais apressados poderiam achar que seria algo
repetitivo demais. Ledo engano. Tem slow blues, shuffle, boogie e muito mais. “Read
Trippin’”, que abre o disco, tem o DNA de Freddie King; “Sleepless” e “Down and
Dirty” são slow blues da melhor qualidade; “Swing Low” certamente fará você
querer dançar, etc.; Outros poderiam pensar que para dar certo precisaria de
mais elementos, para dar uma refinada maior no som. Erro crasso. É incrível
como o básico de guitarra/baixo/bateria/gaita consegue revisitar toda uma
variedade de estilos do blues de forma tão autêntica. Sem soar injusto com os
demais integrantes, pode-se afirmar que a gaita funciona como a verdadeira voz
do grupo, ditando o ritmo e a direção das emoções e sensações. Por essa razão,
esse álbum é especialmente indicado para quem é fã de gaita. Mas isso não
significa que não tenha algumas momentos inspiradores guiados pela guitarra,
como em “Four Maypops” e “Doggin’ It”.
Por
fim, Small Blues and Grooves é a trilha sonora perfeita pra aquele dia em que
você senta pra relaxar com os amigos, bater aquele papo e tomar aquela boa
cerveja gelada com um som ambiente agradável do início ao fim.
O
primeiro disco da enxurrada de que falei no post anterior finalmente saiu e já
podemos adiantar que cumpriu todas as promessas. John Primer e Bob Corritore,
pela terceira vez, fazem justiça à fama e à posição que conquistaram no mundo
do blues. John Primer, guitarrista e um dos maiores representantes
contemporâneos do Chicago Blues, que já tocou com Muddy Waters, Junior Wells e
Magic Slim, e Bob Corritore, o incansável especialista e super produtivo mestre
da gaita, seguem a fórmula de sucesso anterior e dividem as atenções no novo
disco, The Gypsy Woman Told Me, lançado hoje nas plataformas de stream. Além da
dupla, o álbum conta com uma lista de colaboradores de primeira: Billy Flynn,
Bob Welsh, Kid Andersen são apenas alguns desses nomes.
O
álbum é empolgante do início ao fim e o repertório também é incrível, mesclando
músicas novas, como “Little Bitty Woman” e “Walked So Long”, com versões a
maior parte delas tiradas do fundo do baú e desconhecidas, como a faixa que
abre o disco, “Keep-A-Driving”, de Chick Willis’ e “I Got The Same Blues”, de
J.J. Cale. Mas também tem Jimmy Reed, “Let’s Get Together” e Sonny Boy
Williamson, “My Imagination”, que serve perfeitamente para a gaita de Corritore
brilhar. Mas a mais conhecida certamente é a música que dá título ao álbum, “The
Gypsy Woman Told Me”, clássico de Muddy Waters. Tem músicas pra dançar batendo
com os pés no chão, tem músicas para ficar soprando o ar lentamente com a gaita
imaginária e também muitos temas já tradicionais no imaginário do blues, como o
errante jogador que perde tudo, em “Gambling Blues”, o solitário de coração
partido, o azarado, enfim, todos os ingredientes para compor um disco de blues
completo.
Normalmente,
um disco crava duas ou três músicas na playlist do Filho do Blues. Aqueles
discos que no final do ano vão brigar pelo topo da lista dos melhores do ano chegam
a levar umas cinco a seis faixas para a playlist. Bem, esse é o caso de The
Gypsy Woman Told Me, um disco para fazer vibrar tanto fãs novos quanto fãs mais
puristas de blues.
No
auge do isolamento social ao redor do mundo, que impede os familiares, amigos e
trabalhadores de diversos setores, inclusive o artístico, de se reunirem e
tocarem suas próprias vidas, o mundo do blues se preparou para tomar o mundo de
inveja em meio à pandemia de coronavírus. Enquanto nós só podemos fazer lives
solo, por coincidência ou não, nos próximos meses vem uma sequência de
lançamentos de artistas que usaram e abusaram da reunião de amigos fazendo e
compartilhando aquilo que amam: o blues.
O
primeiro desses projetos é encabeçado por uma dupla já bastante conhecida no
cenário do blues: o guitarrista John Primer e o incansável gaitista Bob
Corritore. Dois grandes nomes contemporâneos do Chicago Blues, eles lançam no
início de maio mais um álbum juntos (o terceiro), com o título de The Gypse
Woman Told Me, claramente inspirada pela música de Muddy Waters. Outros nomes
que integram a banda colaborativa são Billy Flynn, Kid Andersen, Bob Welsh,
Jimi “Primetime” Smith, dentre outros. Eles liberaram a faixa título como um
aperitivo do que vem pela frente.
Outro
lançamento que promete é o novo trabalho do cantor, compositor e guitarrista,
Dion, membro do Hall da fama do Rock. Apesar de não ser um artista estritamente
do blues, Dion possui alguns álbuns muito bons, inteiramente dirigidos ao
gênero, como Bronx In Blue (2006), Son of Skip James (2007), Tank Full of Blues
(2011) e New York is My Home (2016). O novo trabalho é chamado Blues With
Friends e é bem ambicioso em relação aos colaboradores, que vão do novo ao
antigo: Joe Bonamassa, Jeff Beck, Billy Gibbons, Sonny Landreth, Paul Simon,
Samantha Fish, Rory Block, Bruce Springsteen, entre outros. “Eu precisava pegar
os melhores guitarristas e músicos vivos de cada geração, de toda variação do
blues”, diz Dion. E não se trata de um álbum de covers de blues, mas sim de
músicas autorais compostas por Dion entre o final de 2019 e início de 2020. Duas coisas para deixar mais na
vontade; a primeira, a nota escrita pelo próprio Bob Dylan sobre o álbum: “Dion
knows how to sing and he knows just the right way to craft these songs, these
blues songs. He’s got some friends here to help him out,
some true luminaries. But in the end, it’s Dion by himself alone, and that
masterful voice of his that will keep you returning to share these blues songs
with him.” Em seguida, ficamos com a primeira música do disco, “Blues
Comin’ On”, com Joe Bonamassa.
O
terceiro lançamento da lista de reunião entre amigos e colegas é Blues Comin’
On (mesmo nome da nova música de Dion, mas aparentemente sem relação entre
elas), do guitarrista de blues-rock Joe Louis Waker. O disco será lançado em junho, mas já
tem um aperitivo. Louis Walker
divulgou “Old Time Used To Be”, acompanhado por Keb’ Mo’. Outros nomes
que se juntam a Joe Louis Walker são Eric Gales, Albert Lee, Mitch Ryder, Lee
Oskar, dentre outros.
A lendária banda The Rolling
Stones despertou com a primeira música inédita em oito anos. “Living in a Ghost
Town”, escrita por Jagger e Richards, começou a ser criada antes da pandemia de
coronavírus, mas depois que ela surgiu eles sentiram a necessidade de retomar a
gravação e concluí-la. Digamos que é a versão dos Stones para “O Dia em que a
Terra Parou”, de Raul, adaptada aos novos tempos de isolamento social e ruas das
cidades desertas. Confira o vídeo e a letra de Living in a Ghost Town logo
abaixo:
Essa febre de lives durante a
quarentena inspirou artistas do mundo todo para se reunirem virtualmente numa
ação mobilizadora em torno do combate ao novo coronavírus. A ONG Global Citizen
organizou, junto a Lady Gaga, o evento One World: Together At Home, com o
objetivo de angariar fundos para compra de suprimentos para os profissionais de
saúde que estão na linha de frente nessa guerra ao covid-19. Gaga conseguiu
mobilizar uma grande quantidade de artistas ao redor do mundo para participar
do evento, que rolou ontem, dia 18 de abril.
O blog selecionou as
apresentações mais interessantes:
The Rolling Stones – You Can’t Always Get What
You Want
Paul McCartney – Lady Madonna
Elton John – I’m Still Standing
Eddie Vedder – River Cross
Stevie Wonder performs "Lean On Me" /
"Love's In Need of Love Today
Camila Cabello & Shawn Mendes - What A
Wonderful World
E você, gostou de mais alguma apresentação? Coloca aí pra gente.
Por diversos
motivos, emocionais, artísticos/estéticos e políticos, o rock vem me
decepcionando nos últimos anos, sobretudo após a morte repentina de David
Bowie, o que pode não ter nada a ver, mas para mim foi um marco referencial. Para
agravar a situação, outras bandas que eram referências para mim foram
decepcionando a cada novo lançamento. Arcade Fire, Queens Of The Stone Age, são
só dois grandes exemplos dessas bandas que acabaram cedendo a tendências do
mundo pop e eletrônico, especialmente uma onda new-wave, que, ironicamente, era
bastante influenciada pelos experimentos de Bowie. Ao saber que Pearl Jam iria
lançar um novo álbum, o primeiro desde Lightning Bolt, de 2013, confesso que
fiquei receoso que a banda abriria mão do seu estilo clássico e cederia às
exigências do mundo fonográfico em busca de ampliar seu público. O mundo já não
seria mais o mesmo: David Bowie estava vivo e surpreendendo o mundo como
sempre, com o disco The Next Day, Arcade Fire lançava Reflektor, e Queens Of
The Stone Age completava o belo ano musical com ...Like a Clockwork. Por fim, esse
receio veio acompanhado de um calafrio ao ouvir o primeiro single de Gigaton,
nome do novo disco, “Dance of The Clairvoyants”, que reúne todos os elementos
que temia. Mas nada como um dia após o outro. Gigaton é um dos discos mais
ricos e interessantes da banda, que já tem em seu catálogo grandes clássicos
desde a década de 90.
A partir da
capa de Gigaton e através de suas músicas, percebe-se claramente a preocupação
de Pearl Jam com a política, em especial o tema do meio ambiente. A variedade
de sons é bem grande, mostrando a experiência e a riqueza do percurso em três
décadas de carreira. Tem as faixas mais pesadas, no estilo clássico, outras
mais experimentais e introspectivas, bem como acústicas.
O disco começa
com “Who Ever Said”, mostrando já de início toda a energia que a banda ainda
dispõe ao afirmar que ainda tem o que dizer, pois, como diz a letra, “quem
disse que tudo já foi dito abriu mão da satisfação”. A música também conta com
variações rítmicas bem interessantes. “Superblood Wolfmoon”, outra bastante
rápida e pesada, os riffs de guitarra estão bem definidos e acompanhados aqui
por um belo solo. Essa dupla inicial certamente agrada os fãs mais antigos, que
exigem muita guitarra e energia de Eddie Vedder. É porque o oposto vai
acontecer agora com a faixa seguinte, “Dance of The Clairvoyants”, a viagem da
banda pelo experimento new-wave.
Após o
delírio, uma rápida fuga, é o que se trata de “Quick Escape”, muito peso e
riffs novamente e uma letra pessimista sobre os caminhos que estamos tomando, cutucando
o presidente dos Estados Unidos, com a pessoa indo de um lugar para outro em
busca de um lugar onde Trump ainda não tinha fudido tudo. As coisas se acalmam
com a belíssima “Alright”, sobretudo num mundo onde a vida está cada vez mais
rápida, cobrando para vencermos sempre. Eddie Vedder diz na letra “tudo bem,
ficar sozinho, ficar quieto, dizer não, ser uma decepção na sua própria casa,
tudo bem desligar tudo, ignorar as regras do estado, é por você mesmo”.
“Seven O’Clock” é uma das melhores faixas de
Gigaton, tanto musicalmente quanto em relação à letra, e poderia muito bem colocá-la
na lista de melhores da banda. Uma letra fluindo rápido e sempre com novas
imagens e reflexões que clamam para que trabalharmos juntos para transformar
essa situação fudida em que nos achamos, sem tempo para depressão ou hesitação autoindulgente.
Na letra, várias indiretas para Trump e uma mensagem: “much to be done”.
Em “Never
Destination” e “Take The Long Way” o hard rock clássico da banda retorna com
satisfação. “Buckle Up” é bem leve e agradável e prepara caminho para a
extremamente emotiva “Comes Then Goes”, claramente uma homenagem ao amigo de
longa data da banda, Chris Cornell, que morreu em 2017. Só Eddie e o violão
exalando emoção. “Retrograde” e “Rivercross”, as quais falam com preocupação
sobre as mudanças climáticas, mantém o clima calmo e introspectivo e finalizam
o álbum.
Muito mais do
que ficar querendo colocar em que posição o novo disco vai ficar na carreira de
Pearl Jam, o melhor a fazer é comemorar que rock ’n’ roll com consciência e
propósito como esse ainda é feito hoje em dia, o que o torna muito mais
relevante do que muita coisa que vem sendo produzida ultimamente.