quinta-feira, 4 de abril de 2013

Abença Pai: Centenário de Muddy Waters


Hoje é um dia especial para a música. Principalmente para nós, que somos o Filho do Blues. É dia de celebrar o centenário de uma das maiores lendas, uma das maiores influências do blues, o que decretou “the blues had a baby and they named it rock n’ roll” e inspirou o nome deste humilde blog. O homem que inspirou Rolling Stones, Eric Clapton, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, dentre outros inúmeros nomes gigantes que moldaram e criaram esse gênero chamado rock n’ roll.

Nascido em 04 de abril de 1913, sob o nome de Mckinley Morganfield, que abandonou para transformar o mundo como Muddy Waters. O pseudônimo veio pela paixão de tocar junto das águas lamacentas do Rio Mississipi quando ainda criança. A partir de 1955, ele usou 1915 como seu ano de nascimento, sendo inclusive marcado no seu túmulo, embora documentações antes disso, como certidões de casamento e cartão da união dos músicos, tenham apontado de fato para 1913. Outros documentos ainda listam como 1914. Mas não importa. O que realmente vale, além de termos a chance de comemorarmos o seu centenário por três anos, é celebrarmos mais ainda seu legado. 




Muddy Waters, vamos chamá-lo assim, passou sua juventude na lendária Plantação Stovall – Stovall Plantation – e é inegável sua parcela de participação na construção do seu talento artístico e musical. Stovall Plantation é tido como o lugar de nascimento do Blues e hoje em dia é o local do Museu Delta Blues, na cidade de Clarksdale, em Mississipi. Ele começou tocando gaita, juntamente com outros bluesman que estavam se tornando populares naquela região, ninguém menos que Charley Patton, Son House e Robert Johnson. Mas não era vida mole para esses caras. O blues era um meio de expressão, de relatar suas paixões, suas dores e suas lutas no dia a dia das plantações de algodão. Em todos eles, essa fase de trabalho pesado nas plantações foi marcante até o final de suas vidas. Quando tocavam no sábado a noite, nenhum deles imaginavam que iriam mudar a música e levar aquela tímida cena formada por negros americanos trabalhadores para o próximo passo em direção à história. Em 1943, Muddy Waters, acreditando em seus sonhos de músico, mudou-se para Chicago levando consigo o Delta Blues. Lá, ele criou o Chicaco Blues. Com a ajuda de Big Bill Broonzy, que abriu as portas no mercado de músicos em Chicago, Muddy estava trabalhando durante o dia e tocando seu blues nos bares à noite. Em 1945, mais um fato que iria moldar a música de Muddy Waters. Seu tio, Joe Grant, lhe deu sua primeira guitarra elétrica, o que tornou possível ele se fazer ouvido por cima de audiências barulhentas.  



A partir daí Muddy Waters foi construindo seu legado, sempre como um grande compositor, dono de uma voz forte, inconfundível, além de, claro, um talentoso e habilidoso guitarrista, sempre com seus belos solos de slide. No final da década de 40, a lendária The Chess Records começou a trabalhar com ele e a partir daí começou a surgir os primeiros clássicos, como “I Can’t Be Satisfied” e “(I Feel Like) Goin` Home”. Até aí, o rock n’ roll não passava de espermatozóides no saco de vários desses bluesmen que circulavam pela cidade. Com o sucesso feito por essas duas faixas, Muddy começou a gravar acompanhado por uma banda que tinha “somente” Little Water na gaita e Jimmy Rogers na guitarra. Essa banda foi crescendo e transformando a cena do Blues de Chicago, com uma música poderosa e inovadora. Outro futuro grande nome a entrar para a banda em 1953 foi o pianista Otis Spann, que foi, juntamente com Muddy Waters, uma das grandes referências da banda, mesmo após a saída de Little Water e Jimmy Rogers na década de 60 para darem início a suas carreiras solos. Para se ter uma idéia da potência e significado dessa banda na década de 50, eles gravaram sucessos como “Rollin’ And Tumblin’”, “I’m Ready”, “I’m Your Hoochie Coochie Man”, “Trouble No More”, “Got My Mojo Working”, “Mannish Boy” e “I Just Want To Make Love With You”. Ou seja, pode perguntar a todos esses nomes do rock que eu citei ali em cima. Essas músicas eram o que eles andavam tocando nas suas garagens antes de conquistarem o mundo. Juntamente com seu antigo parceiro Little Water e o surgimento do gigante Howlin’ Wolf, essa era a cena de Chicago, da qual Muddy Waters era o rei.





Mas como tudo tem seus altos e baixos, o fim da década de 50, como um filho recém nascido ingrato e que só faz bater e chorar para o pai, o surgimento do rock n’ roll tirou as atenções desses artistas de Chicago para os novos ícones do rock. Mas aí acontece outro fato que terminou de desencadear os acontecimentos das décadas seguintes, até hoje. Em busca de um novo público, Muddy Waters embarcou para a Inglaterra em 1958 e - como dizê-lo? – foi revolucionário, incendiário, e conquistou a audiência inglesa (mas também teve seus momentos de vaias, por ser muito “elétrico” antes do seu tempo). Sem essa viagem, talvez a paixão que os britânicos haviam criado pelo blues, houvesse arrefecido. Talvez Rolling Stones não fossem os Rolling Stones. Eric Clapton não tivesse feito o The Yardbirds ou o Cream. Enfim, talvez não houvesse ocorrido a Invasão Britânica. Foi dessa época o show memorável de Muddy Waters no Newport Jazz Festival, em 1960, do qual foi feito seu primeiro disco ao vivo. Dessa forma, a década de 60 ainda rendeu bons álbuns para Mudy, como principalmente Fathers and Sons.  



Com a explosão dos Beatles, a Invasão Britânica, o blues foi sendo pensado cada vez mais para a audiência branca que estava se interessando pelo gênero. Toda essa fase foi marcada por essa absorção do espírito do blues para o público de massa. Em 1972, Muddy gravou com um banda nova, formada por Rory Gallagher, Steve Winwood, Rick Grech e Mitch Michell, mas a química não foi a mesma encontrada com as bandas passadas. Muddy falou “esses caras são músicos dos melhores, eles podem tocar comigo, colocar a partitura na frente deles e eles tocarem, você sabe, mas não é disso que eu preciso vender para o meu público. Esse não é o som de Muddy Waters. E se vocês mudarem meu som, então vocês vão mudar o cara como um todo”. Pouco depois ele ficou sem contrato com a gravadora.

Mas esse não foi o fim. Em 1977, um grande fã de Muddy Waters, o bluesman Johnny Winter, convenceu a sua gravadora, Blue Sky Records, a contratá-lo e o próprio Winter produziu o primeiro disco, que juntou Muddy com sua banda de viagem, o que gerou o fez renascer com um novo clássico, o álbum Hard Again. Foi um sucesso, com um som cru e vigoroso, foi ovacionado pelo público e pela crítica, garantindo ainda para Muddy Waters alguns prêmios, como um Grammy Award por Best Traditional or Ethnic Folk Recording. Depois disso veio uma das mais bem sucedidas turnês de sua carreira, dividindo o palco com Eric Clapton e Rolling Stones. Ainda deu tempo para dois bem sucedidos trabalhos com Winter, I’m Ready de 1978 e King Bee.



Mas a saúde não dura para sempre e em 1982 ela começou a dar sinais de cansaço. No ano seguinte, em 1983, Mckinley Morganfield, ou melhor, Muddy Waters, tomba finalmente vítima de um ataque cardíaco em sua casa, Westmont, Illinois, que desde então vem mudando nomes de ruas em homenagem a esse bluesman. Mas se a saúde não é eterna, felizmente, o seu legado é e ainda permanecerá intocado por gerações e gerações ainda vindouras. E em 2113 (ou 2114 ou 2115, que seja!) outros estejam celebrando o duplo centenário dessa lenda!

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