quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Resenha Apanhador Só - Antes Que Tu Conte Outra


Tentarei não me empolgar por demais falando do álbum Antes Que Tu Conte Outra, da banda gaúcha de indie rock e experimental Apanhador Só, talvez a banda de maior valor do rock brasileiro desde Los Hermanos, afinal, o marco dos barbudos foi tão grande que é difícil não fazer alguma conexão com eles. Alguns até exageram e copiam a fórmula idêntica, como é o caso de Cícero, mas, em Apanhador Só, é como se fosse uma continuidade do movimento que Los Hermanos iniciou, mesclando o som da identidade da música brasileira com o rock internacional. A trunfo de Apanhador Só é que eles vão além. Eles pegam o momento que Los Hermanos deixou e dão sequência, através de um experimentalismo muito interessante, bem pensado e criativo, utilizando-se de arranjos não convencionais, objetos, entre outros. Mas tá bom de falar de Los Hermanos.




Antes Que Tu Conte Outra não é o primeiro trabalho de Apanhador Só. A discografia, até o momento, conta com a estréia homônima, em 2010, o Acústico-Sucateiro, de 2011, o LP com duas faixas, Paraquedas, de 2012, e finalmente Antes Que Tu Conte Outra, que se tornou realidade pela capitação de recursos do crowdfunding, conseguindo, junto aos fãs, quarenta mil para a produção do disco, segundo a própria banda. Vale a pena aqui dar os devidos créditos. O trabalho de produção do disco ficou excelente e, devido ao estilo de som da banda, era absolutamente necessário que assim fosse, com o turbilhão de arranjos de sucata colocados no seu devido lugar e, acima de tudo, perceptível aos ouvidos. Outro ponto que merece um parabéns é a qualidade e o bom gosto que a banda vem tendo na confecção do álbum, falando agora não na esfera musical, mas na parte organizacional. No site oficial da banda, eles disponibilizam para download toda discografia, junto com as imagens do encarte e um arquivo de texto com as letras e os créditos de todos os participantes na elaboração do trabalho. Uma coisa simples, mas que demonstra muito cuidado da banda em apresentar seu trabalho.





Vamos agora ao que interessa realmente. Antes Que Tu Conte Outra já começa apresentando o som peculiar da banda. “Mordido” faz uma junção da eletrônica e barulhos aleatórios, carregada por uma melodia maravilhosa e letra interessante, culminando numa explosão de sons, com várias guitarras no volume máximo, produzindo um orgasmo sonoro. Não podia ter um cartão de visita melhor. “Vitta, Ian, Cassales” apresenta inúmeras variações de ritmo que são inesperadas e agradáveis, deixando um pé um pouco no MPB, mas sem deixar de experimentar um som aqui e outro ritmo ali. Também muito boa. “Lá em casa tá pegando fogo”, algumas partes recitadas, é uma que lembra bastante alguns trabalhos de Arnaldo Antunes. Outro grande momento é o primeiro single de Antes Que Tu Conte Outra, a empolgante “Despirocar”, com uma letra inteligente e bem-humorada, que acompanha muitas paneladas e altas doses de intensidade, principalmente no refrão, como o título sugere, é uma despirocação só. As gargalhadas que aparecem no refrão são soltas na faixa seguinte, “Líquido Preto”, muitíssimo engraçada e inteligente, no seu estilo, que paga tributo mais uma vez a Arnaldo Antunes, tem que sacadas geniais desse tipo, escrevendo liricamente sobre coisas fúteis. No caso de “Líquido Preto”, é praticamente tudo o que todo mundo sempre quis falar sobre a Coca-Cola, mas nunca conseguiu. É uma genialidade simples que chega quase a dar raiva. No bom sentido, claro.





“Não se precipite” é uma das mais convencionais na forma da música, mas o bom gosto e as boas melodias também estão presentes nessa faceta mais tradicional e pop da banda. Mas até nessa faceta existem surpresas; em alguns momentos, chega até a mesclar com um heavy metal indie. Esse clima mais familiar toma conta desse momento de Antes Que Tu Conte Outra, com “Rota” e, especialmente, “Torcicolo”, também um dos grandes destaques do disco, intensa do início ao final, bem que se encaixaria em um single, com umas variações muito interessantes. Entre um verso e outro com um riff que, inclusive, lembra muito “Retrato Pra Iaiá”, dos Los Hermanos. Dá-se, em algumas momentos até mesmo um intercâmbio cultural, já que, no meu universo amplamente nordestino, tratando-se de bandas nacionais, é até engraçado encontrar uma banda que use “calhorda”, “pilantra”, entre outros.



Na parte final nos reserva grandes surpresas e emoções, a começar com “Nado”, com uma letra super criativa e arranjos cada vez mais loucos. Na parte dos créditos da música, podemos avistar “instrumentos” como: estalo de língua, grunhido, carrinho de mão, interferência de celular, freada de bicicleta, interfone, liquidificador, dentre outros inúmeros, “tocados” sempre com “maestria” por Felipe, Fernão e Foca. “Reinação” tem um detalhe que faz toda a diferença na música, no meio de uma melodia e acompanhamentos lentos e calmos, uma distorção gutural se apresenta de quando em quando, deixando sempre o ouvinte atento e ligado. A letra faz algumas belas referências ao hino nacional. A faixa final, “Cartão Postal”, totalmente acústica, brinda-nos com os melhores versos de todo o disco, como: ” Eu tô sentado dentro de um cartão-postal” e, principalmente: “Eu espero a minha janta debaixo da mesa olhando aqui calado me vem a certeza que as pernas do meu lado vão envelhecer e que os sapatos que elas vestem vão perder o verniz a carne dura menos que qualquer madeira”. Depois dessa, sem mais.


Um comentário:

  1. Belíssima resenha. Traduziu com maestria minha opinião sobre o álbum e sobre a banda. Ars longa Vita brevis.

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