Oficialmente, Willis Earl Beal tem apenas um ano de carreira, mas tem tanta coisa para se falar dele que parece uma figura antiga do mundo da música. Nesses pouco mais de doze meses, Beal acabou de lançar seu segundo álbum, isso sem contar com um EP com regravações de algumas das músicas do disco de estreia, o intrigante e ótimo Acousmatic Sorcery, que apresentou ao mundo essa figura totalmente estranha do submundo das ruas de Chicago. Essa produção toda é o reflexo de quando era ainda um artista de rua anônimo tentando viver de empregos esporádicos e de sua própria arte, cantando nas esquinas das ruas e/ou fazendo desenho dos transeuntes. Nessa época, ele conta que escreveu mais de 130 canções, algumas das quais fizeram parte do disco de estreia e outras que fazem parte do seu mais recente trabalho, Nobody Knows. O trabalho de Willis Earl Beal vai além da música, é também estético e, algumas vezes, filosófico. É uma arte que confronta diretamente a solidão, os sentimentos e o desespero diante da tomada de consciência do isolamento do próprio ser, embora pertencente a uma multidão, também isolada e desesperada em si mesma. É assim que o indivíduo se torna um “ninguém”. O mundo inteiro é um conjunto de “ninguéns” que coexistem em um determinado ambiente e compartilham uma ilusão de ser “alguém”. E é exatamente essa ilusão, essa ânsia de querer ser algo, que se é nada. É disso que se trata a música de Willis Earl Beal e talvez por isso seu caráter estranho, ruidoso, destoante e solitário, que aqui habita concomitante com a beleza, a vida e o amor, mesmo que de uma forma pouco convencional.
Falado da parte filosófica, no que se refere ao estilo musical, serve como complemento a este campo de fundo. Por isso não seria de todo errado considerar a obra de Willis Earl Beal, até o momento, como conceitual, sobretudo este segundo álbum, Nobody Knows. Mesmo assim, aqui Beal apresenta uma separação e mudança em relação a seu trabalho anterior. Em Acousmatic Sorcery, ao mesmo tempo que apresentava um trabalho super original e de qualidade, apontava também para uma precariedade intencional de recursos e produção. Foi uma escolha estética, mas que poderia ter dado ainda mais qualidade sonora ao trabalho, o que Beal conseguiu um pouco mais com o EP Principles of a Protagonist. Em Nobody Knows, Beal compreendeu que sua música poderia ser mais polida, sem perder sua qualidade única e original. E é isso que faz Nobody Knows um passo adiante do que o disco de estreia.
Tirando já pela faixa de abertura,
“Wavering Lines”, você pode entender isso. Confesso que havia ficado preocupado quando vi na tracklist essa música, pois há no youtube uma belíssima versão, que conta com Beal, sem instrumento algum, apenas cantando-a com uma voz incrível e marcando o ritmo batendo palmas. Já a versão ao vivo na turnê de Acousmatic Sorcery, perdeu toda sua beleza, na minha opinião, com a máquina rodando uma batida e Beal cantando a letra em outra melodia, que antes era intocável. Mas, a partir do momento que apertei no play, ela é a realização de tudo o que eu pensava dela, ainda melhor. Na primeira parte, foram-se embora as palmas e é apenas a voz de Beal ainda mais limpa e bela que antes. Depois, ao invés de uma máquina rodando repetitivamente um som, aparece um órgão, que vai acompanhando a belíssima melodia da música. Não podia começar de forma melhor. Mas, calma. Ainda melhora, com o ponto máximo de Nobody Knows:
“Coming Through”, que conta com a participação da musa Cat Power fazendo os backing vocals. Surpreendentemente, Beal surge com uma banda propriamente dita, fazendo um soul de arrepiar, conclamando e verdade e questionando os valores da sociedade pós-moderna.
“and the truth will soon be coming through”. É o ponto máximo do lirismo poético de Beal, unindo-se com sua proposta filosófica por meio de versos fortes e inquietantes, tais como “
Morality & virtue could easily hurt you” ou
“Identify yourselves by stating your name, Validate your independence by being pawns in the game”.
O clima agora fica depressivo e contemplativo com a já conhecida
“Everything Unwinds”. É daquelas que é para se ouvir de olhos fechados. Por isso o clipe é bem explícito: uma tela preta com os escritos:
“Nothing occurred. Please Try. Learn more”. Em
“Burning Bridges”, com pianos e uma bateria marcial, Beal canta com sua voz potente o isolamento ao “queimar as pontes para que nenhum homem vá para além do mar”. “
Desintegrating” é como um oásis no deserto da tristeza. Embora ainda soando um pouco isolada e solitária, Beal aqui finalmente – e do seu próprio jeito - celebra a vida:
“you are alive, alive, the greatest treasure on fire”. A estrutura da música também chama atenção, com partes cantadas fragmentadas por vozes, ritmos e estilos diferentes. Em
“Too Dry To Cry” finalmente o blues sujo de Willis Earl Beal dá suas caras e, devo dizer, ainda melhor que
“Take Me Away”, de Acousmatic Sorcery. Mais um momento sensacional.
A segunda parte do disco é onde Beal escolheu para soltar seus demônios mais à vontade, a começar com
“What’s The Deal?”, inconstante e etérea, onde ele começa a gritar toda sua frustração, raiva e desesperança. Toda essa tensão é acompanhada por um órgão tipo de Igreja, dando uma atmosfera ainda mais nervosa. Ele também não tem mínima cerimônia em atestar:
“open your eyes / you wear a disguise a disguise, / a disguise, a disguise a disguise / just drink your scotch / take you dumb ass to bed / pull your pearl neck / while listening to the clock tick / you don't know shit / and you never will”. Esse é Beal em toda sua perspicácia e crítica contra a sociedade pós-moderna.
“Ain’t Got No Love” volta a aparecer o blues, dessa vez furioso e descontrolado. A risada gutural e insana de “
Angel Chorus” está de volta aqui. A voz de Beal vai crescendo em intensidade até explodir em gritos descontrolados e risadas histéricas. É a insanidade total.
“White Noise”, é uma das 130 músicas que Beal tinha composto antes de lançar seus trabalhos e aqui ele está acompanhado somente por um violão.
“Hole in The Roof” é mais uma ótima música, num blues mais rápido que os outros, acompanhado por uma banda completa, com um baixo vigoroso.
A agitação diminui com “
Blue Escape”, uma bela balada ao piano. Essas faixas que já eram conhecidas antes, em uma demo que Beal gravou em 2011, como
“Blue Escape”, “White Noise” e a própria
“Wavering Lines”, mostra a grande capacidade que ele tem em recriar suas próprias músicas, fato evidente nas suas apresentações ao vivo, embora essas nem tanto para o lado positivo.
“Nobody Knows” também é bem interessante, com os órgãos característicos e o estalo de dedos e uma bela melodia. E para terminar em grande estilo,
“The Flow”, realmente com um fluxo bem natural e interessante. No final, a mensagem, por incrível que pareça, é otimista como ainda não havia aparecido até o momento: “
just go with the flow”.
Nobody Knows é, finalmente, um trunfo para Willis Earl Beal, que conseguiu perceber as fragilidades do seu som, intencionais ou não, e melhorá-lo para um formato mais acessível, porém, não menos interessante. Enquanto que Acosumatic Sorcery obteve resenhas misturadas, Nobody Knows a crítica está bem mais unânime quanto a sua genialidade. A cada novo passo, Willis Earl Beal se encaminha para ser – se ainda não for – um dos nomes mais originais da música.