quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Resenha de Arcade Fire - Reflektor



O acontecimento de 2013 pode ter sido o retorno ao estúdio de David Bowie, mas o grande evento do ano certamente foi o modo pelo qual foi lançado o tão esperado disco da banda canadense Arcade Fire, Reflektor. Foram meses de expectativa e de jogadas de marketing inesperadas, com pouquíssimas informações, apenas com a certeza de que o Arcade Fire estava em estúdio com o produtor James Murphy, que de quando em quando concedia alguma entrevista relatando enigmaticamente como estava indo o processo de gravação. Até que o tempo foi passando e começou a surgir em várias cidades anúncios em arte de rua ou outdoors com um símbolo onde se lia “Reflektor”, ao mesmo tempo em que uma conta era aberta no instagram com mesmo nome. Não sei quem o fez primeiro, mas logo ligaram esses anúncios a um possível nome do novo trabalho do Arcade Fire, que se manteve em silêncio. Através do twitter, a banda confirmou lançamento do novo disco para outubro, em uma resposta a um fã que havia mandado uma mensagem aleatória para o twitter da banda. Por fim, a confirmação do título de Reflektor e o lançamento de dois clipes para o primeiro single, um deles interativo.



Mas como foi possível toda essa euforia acerca do quarto álbum de Arcade Fire? Ano que vem a banda completa dez anos do álbum de estreia, um dos grandes clássicos da década passada, Funeral, que marcou o início de uma trajetória espetacular, de uma banda que tem no sangue a vontade de arriscar, de criar algo novo para transmitir uma mensagem maior, em temas sérios e às vezes até filosóficos, que muitas vezes retratam o mundo fragmentado da pós-modernidade no qual vivemos. Essa qualidade, além da aclamação de imensa parte da crítica, veio acompanhada com o sucesso comercial, sobretudo no último disco, o ótimo The Suburbs, de 2010, ganhador do grammy de melhor álbum em 2011. Pode até demorar para Arcade Fire lançar um disco inédito, mas quando o faz, é com a certeza que durante esse tempo eles desenvolveram algo interessante para transmitir. Dessa vez não foi diferente.

Poucas bandas sabem separar o pessoal do profissional no mundo da música como Arcade Fire e, principalmente, o casal e centro criativo da banda, Win Butler e Régine Chassagne, que, durante esse período de três anos, foram pais. Entre a novidade de assimilar a nova situação, a dupla passou a absorver toda a influência e o impacto que a extensa turnê de The Suburbs, que passou por países como Haiti e Jamaica, a fim de transformar e criar um novo valor estético para a banda. Para facilitar essa transição, foi convocado James Murphy, ex-LCD Soundsystem, para produzir o novo disco. E o resultado pode ser sentido claramente em Reflektor, um álbum duplo de art-rock que pode ser visto como um divisor de águas na carreira de Arcade Fire, abraçando o status de aventureiros do rock, como David Bowie, Brian Eno, dentre outros.




Os dois discos de Reflektor são bem divididos e o planejamento de escolha para a posição e a ordem das músicas demandou tempo e é por isso que cada uma está ali por alguma razão. Os dois discos são bem distintos entre si. O disco I é mais agitado e muitas das músicas, apesar de ter um ritmo sempre recordando um pouco esse batuque caribenho do Haiti, também remetem muito ao Arcade Fire de sempre. Já o disco dois é mais lento, um pouco mais eletrônico, criando um ambiente específico antagônico, como o outro lado.

“Reflektor”, com a magnífica participação nos backing vocals de David Bowie, abre o disco deixando instantaneamente clara a influência de James Murphy no novo som de Arcade Fire, com alguns os efeitos eletrônicos, com uma letra mostrando a era reflexiva, que irá permear o restante das músicas, acrescido dos ritmos do Caribe. “We Exist” fala do nosso mundo contemporâneo onde fazemos nossas atividades automaticamente, sem perceber as pessoas ao nosso redor, como se elas nem ao menos existissem. Em Reflektor há um pouco desse existencialismo, de sentir a experiência de estar vivo e presente no mundo exterior e interior.





"Flashbulb Eye” é a única do primeiro disco totalmente descartável. Começa com um ritmo parecido com “Here Comes The Night Time”, mas fica muito confusa, cheio de arranjos eletrônicos sobrepostos. Destoa completamente do restante do álbum. “Here Comes The Night Time”, por sua vez, é uma das melhores do disco e, inclusive, da carreira de Arcade Fire. Ela pode entrar certamente entre aquelas que comprovam o nível de genialidade nas composições dessa banda tão peculiar e especial. O ritmo intenso inicial é reduzido e vai entrando em diversas variações de tempo e ritmo, além dos arranjos, especialmente o do piano, que é lindo, logo após a parte do refrão. Sim, não poderia também me esquecer de uma das melhores imagens criadas da carreira da banda, “a thousand horses running wild in a city on fire”. Lindo e apocalíptico. Genial. “and if you can feel it, then the rules are dead”. Exato. A quebra rítmica no final da canção também dá outra direção, com um ótimo trabalho de guitarra.





“Normal Person” começa com um questionamento cético, “Do you like rock and roll music? Cause i don’t know if i do”. Curiosamente e intencionalmente, é uma das músicas mais pesadas da carreira da banda, com um refrão pesadíssimo e solos de guitarra. A letra, como não poderia ser diferente, é um show à parte. Em cada verso, Win Butler é capaz de questionar várias situações de nossas vidas e, nesse caso, em relação à normalidade, diante de um mundo onde todos acabam sendo iguais aos outros, sonhando em inglês, e em inglês correto. Mais uma música incrível e no nível das melhores da banda. “You Already Know” lembra o Arcade Fire clássico, digamos assim, em alguns momentos a batida de The Suburbs, mais rítmica. “Joan of Arc” finaliza o primeiro disco com uma linha de baixo sensacional, seguida por uma guitarra firme e constante, e é mais uma que mistura o inglês com o francês através de mais um vocal épico de Régine, soando mesmo como Joana d’Arc. Apesar de não ter tido uma música só para ela cantar, a presença de Régine pode ser sentida e apreciada muito mais em Reflektor, com várias participações no decorrer de músicas que ficaram perfeitas, como também em “Reflektor”.





Como foi dito, a mudança para o segundo disco é sentida diretamente na forma da primeira música, na verdade, uma continuação, porém em um formato bem diferente. “Here Comes The Night Time II” revela a entrada no outro lado e é acompanhado, praticamente na íntegra, por um som mais contemplativo e cheio de efeitos sonoros para criar um ambiente lúdico, talvez do pós-vida, na jornada de Orfeu para resgatar sua Eurídice. No entanto, a mudança de estilo não prejudica a qualidade apresentada nas demais faixas do trabalho, como o prova “Awful Sound (Oh Eurydice)”, sendo sentida novamente a influencia dos ritmos caribenhos na batida, junto com alguns arranjos eletrônicos, enquanto que nessa história o amor de Orfeu é renegado por Eurídice. No refrão há uma quebra súbita, num som mais tradicional, quase como os Beatles. 

“It’s Never Over (Oh Orpheus)”, dominada mais por Régine, segue o exemplo de “Flashbulb Eye” e destoa das demais, apesar de ser um pouco melhor do que esta última, num ritmo mais dançante e eletrônico, o qual funciona melhor quando ajuda a criar um ambiente mais reflexivo e contemplativo, como em vários momentos nesse segundo disco, por exemplo, em “Porno”, com uma melodia bastante bonita e na faixa final, “Supersymetry”.

Reflektor é mais uma obra prima de Arcade Fire e os coloca de vez como a melhor banda da última década. Mesmo ganhando o prémio máximo da música no trabalho anterior, não hesitaram em dar uma mudança de direção forte, mas mesmo assim sem uma ruptura total, o que foi mais ou menos sugerido que seria com algumas entrevistas que a banda concedeu. Enfim, tudo em Reflektor é grandioso, bem pensado e articulado, mais vasto do que os demais, tanto na riqueza musical – que já era imensa – quanto na temática. É um álbum ambicioso e muito bem sucedido, confeccionado por uma banda excepcional. Um novo clássico.


2 comentários:

  1. Tudo que o Arcade Fire faz é bom!Afterlife é quase tão boa quanto My Body is a Cage e The Well and the Lighthouse (minhas preferidas.)
    E esse ábum só não foi melhor que Funeral...

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  2. Talking heads ? Já vi isso antes.

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