Christopher Owens não demorou muito tempo para curar a ressaca do fim da banda Girls, no auge do sucesso, e lançou seu primeiro disco solo, Lysandre, que apresentou mudanças consideráveis em relação ao som da antiga banda, com a adição de novos arranjos, principalmente com instrumentos de sopro. Em algumas faixas, esse acréscimo casou muito bom, mas em outras nem tanto. A fim de experimentar mais um pouco, Owens resolveu lançar um EP com as músicas de Lysandre nuas de todo e qualquer arranjo senão o próprio Owens e seu violão, totalmente acústico. E o resultado é maravilhoso, arrisco até a dizer que em alguns momentos as músicas soam melhores do que no disco original.
No entanto, ocorre o mesmo “problema” de antes, sendo que o inverso. As músicas que funcionaram muito bem antes, como “Here We Go” e “A Broken Heart” – apesar desta última ser perfeita de qualquer maneira – passa a sensação de faltar algo nessa nudez acústica. A metade final do álbum, por sua vez, soa muito melhor da forma solitária de Owens cantando, até pelo momento crucial do romance da história, com destaque especial para “Lysandre” e “Everywhere You Knew”.
Seasick Steve é uma daquelas figuras que causam no mínimo curiosidade. Um velho de 72 anos que está lançando seu sexto álbum numa carreia que só foi começar em 2004, quando ele, pela primeira vez, lançou algum material oficial, o álbum Cheap, apesar de já ter se tornado uma presença importante na cena underground, tocando até com John Lee Hooker. Esse velho barbudo parece ter saído do passado, como Skip James ou Son House, que, após terem gravado algumas vezes na década de trinta, sumiram do mapa nas décadas seguinte só sendo redescobertos na década de 60. Foi somente em 2006 que Seasick Steve, com toda sua excentricidade, apareceu para o grande público, quando foi convidado do consagrado programa Later... With Jools Holland. A partir daí, ele quer aproveitar o tempo que ainda resta para finalmente gravar sua música e sair tocando em turnê. Com nove anos de carreira, Steve lança hoje seu sexto trabalho, Hubcap Music.
Antes de partir para a análise do álbum, uma explicação sobre o título do disco faz-se necessária. Seasick Steve é conhecido também por fazer seus próprios instrumentos com materiais artesanais e estranhos, como o Diddley Bow, um instrumento africano de uma corda, normalmente usado no Sul rural dos Estados Unidos. Dessa vez, de acordo com o próprio, através de um anúncio oficial escrito à mão, Steve explica que o álbum é chamado Hubcap Music porque ele é tocado em algumas músicas com uma guitarra feita com duas calotas e uma enxada de jardim e não tinha pensado em mais nada para colocar o nome. Isso mesmo. Para completar, Hubcap Music conta com duas participações super especiais, como John Pool Jones, do Led Zeppelin, e Jack White, do White Stripes e que é praticamente o maior embaixador e líder de toda essa geração de bluesmen.
Agora vamos mergulhar no interior de Hubcap Music. Os primeiros segundos da faixa de abertura “Down On The Farm”, um trator sendo ligado e pronto para dar partida, dá uma noção do clima que permeia todo o disco. Steve promove um grande encontro de estilos, como o hard-rock, o country, como a belíssima “Over You”, “Purple Shadows”, dividindo o vocal com uma mulher e “Hope”, com sua ótima letra e cheia de slides na guitarra.
Já o folk e o gospel estão representados na faixa final, “Coast is Clear”, surpreendentemente bem arranjada, com órgãos e instrumentos de sopro, além de backing vocals femininos, que Steve disse que fez para sua esposa. Claro, o blues de raiz, como carro chefe, através das ótimas “Self Sufficient Man” e “The Way I Do”, dentre outras. Em relação aos seus trabalhos anteriores, Hubcap Music tem uma participação mais efetiva de uma banda completa, entregando ótimas e divertidas músicas, como “Keep on Keepin’ On”, “Heavy Weight”.
Através de vários estilos tradicionais da música norte-americana, sendo o Blues tomando o papel principal aqui, Hubcap Music é uma viagem pelo universo ruralista em detrimento da vida exageradamente moderna que vivemos. É quase como uma rotina diária de um trabalhador rural, tem um dos momentos de trabalho braçal, assim como pegar um violão e sentar-se na varanda da casa grande e tocar diante de uma imensidão silenciosa, atenta a seus acordes.
A banda The Nation tem estado ocupada nesses últimos dias, entre as datas do início da nova turnê, participação em programas para divulgação do novo trabalho Trouble Will Find Me e de projetos insanos, como um show com seis horas de duração tocando somente uma música, “Sorrow”, do ótimo High Violet. Ontem foi a vez de ser a banda convidada do programa Late Night With Jimmy Fallon, onde eles tocaram duas músicas de Trouble Will Find Me. “Sea of Love” e a exclusiva para a internet, “I Need My Girl”. Confira abaixo:
Admitindo ou não, The Strokes estava com o orgulho ferido. Tendo recebido aclamação mundial após a explosão do disco de estréia Is This It?, lá no já distante ano de 2001. Nos doze anos que transcorreram até o atual 2013, Strokes nunca conseguiu igualar a sua obra prima inicial, apesar de ter ainda lançado Room On Fire, de 2003, bastante interessante. Em 2006 veio First Impressions of Earth, execrado pela crítica, apesar de ainda ter seus momentos. Mas o aparente declínio da banda só começaria a se mostrar claro com o lançamento de Angles, de 2011, onde, aparentemente, The Strokes se afogou confusamente no seu mar de influências, sem ter um controle da dosagem do eletrônico ou new wave dos anos 80, além do som típico dos Strokes que conhecemos. A crítica em geral e os fãs receberam Angles com uma decepção visível. Além de demorar muito tempo entre os álbuns, o resultado entregue estava longe de ser satisfatório. Impossível dizer com certeza, mas é bem provável que eles sentiram as críticas. É a explicação mais razoável para que dois anos depois de um álbum fracassado, a banda anunciar o lançamento de Comedown Machine. Dava a impressão de que Strokes estava disposto a apostar tudo dessa vez, como um esforço mal humorado de alguém com orgulho ferido. Não seriam concedidas entrevistas, nem sairiam em turnê para divulgar o novo disco. A resposta viria no som, uma última cartada para ver se ainda eram relevantes ou não, se ainda atraíam atenção ou não.
Eu, particularmente, estava bem cético quanto a Comedown Machine e, confesso, que levou algum tempo até admitir que é um trabalho de qualidade. Depois de se acostumar com ele, podemos apreciar e respeitar o esforço dos Strokes de ampliar seu campo de trabalho e atuação. É difícil sair da zona de conforto. O som praticado no eterno Is This It? com certeza seria mais fácil e relaxado de se fazer, mas não apresentaria desafio algum, além de não acrescentar nada a uma banda com mais de dez anos de história. Caminhar fora da zona de conforto requer coragem. E isso os Strokes estão mostrando que tem nesses dois últimos discos. Angles foi um projeto totalmente fracassado, mas com um objetivo. Comedown Machine, por sua vez, finalmente atinge esse objetivo, apresentando uma banda nova, tocando de um jeito diferente, explorando novos caminhos, mas conseguindo, ainda assim, manter uma identidade, coisa que faltou em Angles.
Mas, a verdade seja dita, a primeira música de Comedown Machine, “Tap Out”, dá um susto danado! É quase um convite a você apertar o botão de parar. Faz você já concluir que eles querem repetir a fórmula de Angles ou, até mesmo, piorá-la. “Tap Out” parece trilha sonora de jogo de vídeo game, do Super Nitendo ou Mega Drive. Se você teve coragem de continuar e tendo conseguido controlar o susto e manter a consciência, vai achar o resto da viagem bem agradável. “All The Time”, primeira música de trabalho de “Comedown Machine” é empolgante e apresenta uma conexão com o passado de Strokes, fato comprovado pelo vídeo clipe cheio de imagens de bastidores e dos shows num clima bem nostálgico.
“One Way Trigger” já anuncia alguns elementos novos na equação da banda que estarão presentes em várias vezes, como sintetizadores e um vocal mais agudo de Julian Casablancas, que era conhecido por uma voz mais rouca e desalinhada. Pode parecer estranho no começo, mas isso mostra como Casablancas é capaz de mudar de um tom para o outro na mesma faixa, apresentando uma dinâmica antes não vista. “Welcome To Japan” tem um ritmo bem interessante e por vezes é um pouco infantil, mas é no refrão e principalmente na parte final que ela fica boa e melódica, chegando até a pregar na mente.
“50/50” é bem rápida, ótimas guitarras e ainda tem os flashes dos momentos mais pesados e animados dos Strokes, principalmente no refrão, onde Casablancas solta um pouco a voz, daquele jeito que conhecemos. Mas o grande poder de se reinventar fica evidenciado em “80’s Comedown Machine”, uma balada totalmente estranha ao mundo Strokiano, mas que apresente um charme irresistível, além de notáveis e inéditos arranjos. Ela é também a música mais longa da carreira da banda, beirando os cinco minutos, para uma banda acostumada a ter uma faixa com média de três ou três minutos e meio.
“Slow Animals” apesar de tentar com um refrão alá “Changes”, de Bowie, fica com “Tap Out” entre as piores de Comedown Machine. “Chances”, por sua vez, volta àquela ótima variação vocal de Casablancas, entre o agudo e normal, casando muito bem entre as estrofes e o refrão, com mais uma bela melodia. A coisa volta a ficar agitada com “Partners In Crime”, com as guitarras, ao invés de teclados e sintetizadores, ditando o ritmo. O mérito de Comedown Machine é fazer essa transição de forma eficaz. Os anos 80 dominam novamente, para nossa tristeza, em “Happy Ending”.“Call It Fate, Call It Karma” mostra exatamente até onde esse “novo” Strokes pode chegar. Uma música totalmente estranha, mas, exatamente por sua quota de surpresa e novidade, fica muito interessante, tocada no violão e com um vocal bem abafado, quase inaudível, soprando uma bela melodia no novo timbre agudo de Casablancas.
Enfim, Comedown Machine, apesar dos altos e alguns baixos, pode ser sim denominado como um trabalho bem sucedido, afinal, atinge o objetivo da banda de renovar seu som e ela o faz de maneira equilibrada, sem comprometer a qualidade do resultado final, até porque mesmo nos momentos mais críticos, ainda restam momentos interessantes. The Strokes veio para mostrar se ainda eram relevantes. E a resposta é sim.
Depois de um retorno triunfal de David Bowie, este ano irá colocar à prova mais uma banda clássica que se reúne para ver se não perdeu a áurea que possuía quando atingiu seu auge. Black Sabbath anunciou mais um novo álbum. A grande diferença é que dessa vez Tony Iommi e Geezer Butler se unem à ninguém menos que Ozzy Osbourne. Os três, acrescentado Brad Wilk, baterista do Rage Against The Machine, gravaram o novo disco, chamado 13, o primeiro que contém os três membros originais da banda, desde 1978, que será lançado em junho deste ano. “God is Dead?”, com a capa fazendo clara referência ao assassinato de deus por Nietzche, é a primeira música a sair deste trabalho e não poderia ter tido um cartão de visita melhor, com apenas nove minutos de duração. Tudo o que fez Black Sabbath na década de setenta, de longe, a melhor fase da banda, está presente em “God Is Dead?”. Os super riffs de Tony Iommi, a dinâmica estrutural e um vocal surpreendentemente limpo – na medida do possível – de Ozzy, depois de tantos anos de abuso de drogas, morcegos e outras substâncias ilícitas e insalubres. O ponto fraco fica pela letra, cheia de clichês, mas convenhamos que nunca foi lá tão boas assim, né?
Não dá para esperar nada muito diferente, uma renovação ou evolução no som. 13 vem ai para matarmos a saudade do Black Sabbath que conhecemos e que gostamos, com Ozzy. Pode mandar vir!
Iron & Wine, depois do lançamento do ótimo Ghost On Ghost, começa a disponibilizar clipes do trabalho e a primeira música escolhida foi a lindíssima “Joy”, uma das melhores do álbum. “Grace For Saints and Ramblers” foi a primeira música a ser trabalhada, no entanto, não teve nenhum vídeo oficial, somente houve a liberação do áudio. No caso de “Joy”, o casamento visual e musical ficou do mesmo nível, ou seja, belo. Cheio de cores e formas, muito bem feito. Confira abaixo:
Nesse fim de semana que passou ocorreu a primeira parte do mega festival Coachella, que acontece anualmente na Califórnia desde 1999. O evento não acontece em apenas um fim de semana não, são dois. Ainda tem mais um fim de semana de atrações nos dias 19, 20, 21, 22. Os primeiros dias de festival, sexta, sábado e domingo, foram transmitidos em sua grande parte ao vivo pelo youtube. Depois de alguns dias, é hora sair à procura dos shows mais interessantes que foram gravados na íntegra. E o primeiro foi Dinosaur Jr, que tocou no domingo, dia 14.
Quando Dinosaur Jr subiu ao palco ainda estava claro. Apesar do status lendário da banda para o rock alternativo, nomes como Nick Cave & Bad Seeds, Red Hot Chilli Peppers, Vampire Weekend, dentre outros, atrairiam mais público atualmente. Por essa razão, a apresentação também é, naturalmente, mais curta que os demais. Pouco mais de quarenta minutos de show, os quais o trio, liderado pelo guitar hero J Mascis, faz ser escutado na plenitude cada segundo. Com um show curto, mas conciso, a banda mesclou alguns de seus eternos clássicos, como “Out There”, “Feel The Pain”, “The Wagon”, “Freak Scene” e “Sludgefeast”, que fizeram a alegria dos presentes que estavam debaixo do sol, junto com as recentes “Watch The Corners” e “Rude”, do trabalho mais recente da banda, I Bet On Sky, lançado no ano passado. Um show projetado para público de festival, que com certeza ficou bastante satisfeito.
A música é, acima de tudo, uma comunicação de sentimentos, de sensações. E nesse profundo mar de sentimentos que é a alma humana, existem as emoções que todos gostam de sentir. Quem não gosta de fechar os olhos e se imaginar nos braços da pessoa amada quando se escuta uma bela canção de amor? Ou então sentiu o coração sangrar quando se depara com as impressões de um fim de relacionamento? Ou as quatro paredes se fecharem sobre si numa melancólica canção solitária? Enfim, são infinitos os caminhos e as expressões que os seres humanos podem transmitir. Mas, assim como o citado oceano profundo, também há em nós aquelas profundezas escuras, as quais não ousamos nem ao menos encarar. É como aqueles peixes horrendos que vivem submersos e supostamente esquecidos nas águas escuras. Citando Shakespeare, “Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”. Dito isso, e, admitindo que a música, bem como a arte em geral, tem o papel absoluto e primordial de ser um retrato de tudo o que há na vida. Existem artistas que são comprometidos em explorar, buscar e empregar em sua arte não apenas as coisas boas e gostosas, mas também esse lado sombrio e negligenciado. Artistas como os integrantes da banda The Flaming Lips, por exemplo. No decorrer de sua carreira de décadas, os Lips colecionam clássicos, bem como projetos altamente ambiciosos e desafiadores, difíceis de imaginar postos em prática. Zaireeka, um álbum quadruplo de 1997, idealizado para tocar todos ao mesmo tempo, uma música de 24 horas de duração são apenas alguns dos projetos insanos da banda, que acaba de ganhar mais um capítulo, com o lançamento do álbum The Terror.
Apesar do jeito brincalhão de drogado com cabeça nas nuvens, Wayne Coyne, líder da banda, é um exemplo claro de um artista que leva totalmente a sério a sua arte, sacrificando inclusive sua vida pessoal para se dedicar totalmente às suas criações e suas viagens artísticas. Em recente entrevista à Pitchfork, Wayne cede um dos raros momentos em que fala de sua vida pessoal, afirmando que The Flaming Lips é sua família e que não se imaginaria sendo pai, com todas as responsabilidades e grilhões que acompanha o nascimento de um herdeiro. Ainda assim, ele pouco fala da sua separação da companheira de vinte e cinco anos, Michelle. Apesar de não ser declarado, é difícil não imaginar que essa perda tenha influenciado o conceito e o som de The Terror.
Em relação ao conceito, nesta mesma entrevista, Coyne fala: “eu realmente acredito que quando você é jovem, você deve pensar que o mundo é seu e você pode fazer qualquer porra que quiser com ele, e as pessoas devem sair de seu caminho. Quando você vai envelhecendo, no entanto, você percebe – e esta é uma boa notícia, embora também devastadora – que há amor que irá morrer e amor que você não pode entender mais. Eu não acho que eu iria desaparecer ou me matar se esse amor desaparecesse – eu posso desejar que sim, mas a vida simplesmente continua. Esta é a frieza nesse álbum, e é a natureza da realidade. É bem filha da puta. Quanto mais felicidade nós sentimos, mais nós sabemos que há sofrimento e dor no mundo. Você não pode conhecer um sem ter a realização do outro”. Este é The Terror nas palavras de seu idealizador, Wayne Coyne.
Agora vamos a sua realização, de fato. Coyne levou sua arte ao extremo ao tentar retratar esse sentimento de desespero e terror. Ele não se importou que sua música ficasse quase inaudível, estranha, sombria, catastrófica. Dizer que The Terror é bom é complicado. Ele não deve ser julgado como os outros discos. Simplesmente não há nada como ele. Não dá para analisar as músicas isoladamente, mas sim como um todo, uma unidade totalmente inseparável. É um disco desafiador. Não se gosta dele assim de imediato. Não sei nem mesmo se chega-se a gostar dele! Eis o grande desastre e o grande trunfo de The Terror. Era exatamente essa a sensação que Wayne queria que sentíssemos ao nos apresentar este álbum. Assim fica explicado as apresentações ao vivo com as músicas de The Terror, com um maravilhoso efeito visual e a imagem medonha de Wayne todo iluminado segurando uma boneca bebê no braço, como no Lollapalooza Brasil e até mesmo no famoso programa de Tv David Letterman. É pavoroso. Algumas músicas podem até ser escutadas, como “Look... The Sun Is Rising”, ou “Try To Explain”. No entanto, outras são completamente inaudíveis e acabam se tornando experiências sofríveis, como “You Lust”.
The Terror é, por fim, sinistro. Tanto pelo seu conceito quanto pela sua execução. Numa análise musical, lendo a música como uma forma de entretenimento, é um álbum horrível. No entanto, num sentido mais nobre e amplo, elevando da música seu papel artístico, The Terror é uma obra prima. É a execução máxima de um projeto ambicioso, que chega a sacrificar a si mesmo em virtude da representação exata de um sentimento horrendo. E, diante do recentíssimo atentado terrorista na Maratona de Boston que aconteceu hoje, o desespero, o medo, enfim, o terror é o que está representado nessas faixas. Um álbum que somente The Flaming Lips seria capaz de fazer.
A banda Phosphorescent, banda de Matthew Houck, que lançou o ótimo álbum Muchacho há poucas semanas, foi a escolhida para inaugurar uma nova série da Pitchfork.tv, chamada Outside In. Na apresentação, com quarenta minutos de duração, em um palco muito bem decorado, a banda toca ao vivo as músicas do novo disco, com grande destaque para “The Quotidian Beasts”, com a voz de Houck ainda mais desleixada e gritos desafinados do que no estúdio. É a aspereza do grunge vestido uma roupa mais leve. A faixa seguinte é logo a melhor de todas, “Song For Zula”. Simplesmente linda.
O show ainda segue com extrema beleza através de “A New Anhedonia”, “Down To Go”. Para finalizar, Houck escolheu mesclar o repertório com uma antiga, “Los Angeles”, do álbum Here’s To Taking Easy, de 2010. Senti falta da faixa título “Muchacho”, mas mesmo assim, é uma bela apresentação que reafirma a posição de Phosphorescent.
Como tudo na vida, a carreira de uma banda/artista também tem um ciclo a percorrer. No início, toda a atenção e esforço estão no sentido de se alcançar o auge. Nesse percurso, o artista acaba trabalhando uma das mais penosas e importantes etapas, mesmo que inconscientemente: a maturidade. Quando o autoconhecimento é ampliado, a autoconfiança naturalmente surge, a coragem e vontade de se arriscar um acorde novo, um instrumento novo, um arranjo novo. E é assim que começa a rodar a engrenagem do desenvolvimento. E é assim que alguns chegam ao auge de sua atividade criativa e artista – a maioria nunca chega e outros chegam por acaso. Da maior dificuldade – atingir o auge – surge o maior desafio: manter-se. É com esse grande objetivo que nos chega o quinto álbum de Iron & Wine, projeto folk-indie do hipster barbudo Sam Beam. Ghost On Ghost chega ao público apenas dois anos depois do ótimo Kiss Each Other Clean, álbum muito bem sucedido de Beam, 11º lugar na lista de melhores álbuns de 2011, que marcou a consolidação do desenvolvimento artístico que Sam Beam estava buscando no decorrer de sua carreira, principalmente após The Shepherd’s Dog, de 2007. Desde então, Beam abandonou um pouco aquela imagem de artista solitário com seu violão em detrimento de um som mais moderno e aprimorado, sobretudo no âmbito dos arranjos e ritmos. A grande dúvida em relação em Ghost On Ghost era exatamente essa: seria Beam capaz de dar mais um passo e manter-se no topo, ou sua capacidade criativa tinha se esgotado ou apresentaria um declínio?
As primeiras músicas de Ghost On Ghost que surgiram foram capazes de soprar as nuvens da dúvida e podermos antever o que estaria a caminho: mais um trabalho brilhante, feito por uma mente que tem consciência exata de onde colocar uma nota, um arranjo. Sam Beam se juntou com uma banda eclética de multinstrumentistas e o resultado dessa miscigenação fica clara em cada faixa do novo disco, a exemplo da faixa de abertura “Caught in Briars”, que foi uma das que Beam já havia dado uma amostra, no entanto, essa amostra foi feita somente no violão. No disco, ela apresenta-se com uma roupagem totalmente nova. Começa com no violão, mas logo toda a banda começa a tocar, criando um som bem diferente, parecido até um pouco com a bossa-nova brasileira. Já que não tem ainda no youtube a versão do disco, vou colocar a versão só com o violão mesmo. The Desert Babbler” mostra o lado mais comercial de Beam, se encaixaria perfeitamente na rádio, com os melódicos backing vocals e um clima mais ensolarado, clima esse que é totalmente cortado pela belíssima “Joy”, com uma melodia magnífica. É lenta, mas não chega a ser melancólica. É de uma beleza contemplativa, como o título sugere, de “alegria”.
“Low Light Buddy Of Mine” é mais uma muito boa, onde dá pra sentir um pouco do gingado do soul e do jazz, assim como em algumas outras faixas. Destaca-se inclusive um solo bem legal de saxofone. Os instrumentos de sopro estão inseridos em diversos momentos em Ghost On Ghost, sempre com grande destaque e muito bem conduzidos. O ritmo que Beam canta também é muito cativante e natural. O álbum segue com outra faixa animada, “Grace for Saints and Ramblers” que é outra que já nos tinha sido apresentada, que ao final do dia a dia tudo resume-se a “but it all came down to you and i”.
“Grass Widows” é bem delicada e é outra com o clima bem jazz, inclusive no belo solo de piano no meio da música. Depois da funky “Singers and The Endless Song”, vem mais outra belíssima “Sundown (Back in the Briars)”, cuja sensação nos remete novamente a “Joy”, parece que estamos flutuando no entorpecimento apaixonado. Os arranjos instrumentais vistosos dão lugar a belas melodias dos backing vocals. “Winter Prayers” nos faz relembar o Beam dos primeiros anos, somente com seu violão e seu clima melancólico e solitário. É sempre bom esses momentos assim, onde ele é capaz de mesclar os seus dois estilos.
As três últimas faixas são um destaque à parte, começando por “New Mexico’s No Breeze”, que se encaixa perfeitamente no fone de ouvido em uma viagem nas estradas da vida. A melodia é muito bonita e, novamente, muito bem conduzida pela voz aguda de Beam. Quando achamos que já está para acabar, começa um inesperado e muito bem sucedido lindo solo de piano. Chega finalmente ao grande trunfo de um álbum bem sucedido. Se em Kiss Each Other Clean, Beam nos entregou uma das melhores faixas do ano, com “Rabbit Will Run”, em Ghost on Ghost ele nos prega a mesma peça. “Lovers Revolution” tem a mesma sensação de inesperado, de atenção aos mínimos detalhes. A riqueza dos instrumentos e arranjos estão de volta potencializados ao extremo. A diferença de “Rabbit Will Run” é que, enquanto esta já começa no seu máximo, “Lover’s Revolution” é progressiva, vai crescendo à medida que Beam vai conduzindo sua “orquestra”. Bem rítmica e com uma letra inteligente e cheia de imagens poéticas, entrecortado por um solo jazzístico de sax. Sensacional. Por fim, “Baby Center Stage” dá um ponto final em Ghost On Ghost de forma bastante digna e merecida.
Depois da agradável viagem no decorrer de Ghost on Ghost, podemos finalmente dar essa resposta: o gênio de Sam Beam foi capaz de, além de manter-se no topo com um grande álbum, ainda desenvolver-se ainda mais como cantor e compositor, mergulhando mais no mundo do pop, ou melhor, da música mais acessível ao público em geral, ao mesmo tempo em que inseria no seu som mais influências de outros estilos, como o soul, funk e jazz.
Grunge. Apenas dois nomes serão relacionados a esse movimento musical que surgiu em Seattle no final da década de 80 para conquistar o mundo até a metade dos anos 90. E não é Nirvana, que fez a transição do grunge para o mainstream, muito menos Pearl Jam, que pegou carona mais por ser de Seattle do que pelo som, já que tem na veia muito mais do classicismo da década de 70. Também não é nem Alice In Chains nem Soundgarden, que, por sua vez, bebem muito do heavy metal. Os dois nomes que serão para sempre relacionados ao movimento dos camisa de flanela, são Sub Pop e Mudhoney. Sub Pop, a gravadora independente de Seattle que deu voz a todo movimento, que permitiu que bandas como The Jesus And Mary Chain, Nirvana, Soundgarden e a própria Mudhoney que, por sua vez, é o segundo nome que está embutido na palavra Grunge. Mudhoney, banda quase irmã de Pearl Jam e tida como a “criadora” do grunge e, inclusive, do termo grunge, com a clássica faixa “Touch Me I’m Sick”, lá em 1988. Embora bem menos conhecida do que Pearl Jam e Nirvana, por exemplo, Mudhoney é uma banda que nunca deixou seu estilo, sua marca de fazer música. Mas, enfim, depois de tantos anos, o que a Sub Pop e Mudhoney tem em comum agora? É através do selo histórico que chega as lojas Vanishing Point, novo álbum da banda de Mark Arm e Steve Turner, com essa belíssima capa ai, fotografia tirada pela esposa de Mark Arm em uma viagem para a Síria, nas ruínas de Apamea. O disco chega após o maior período sem lançamentos da banda, o último havia sido The Lucky Ones, de 2008. E, depois de cinco anos, o que esperar de Vanishing Point? Bem, Mudhoney.
Apenas com essa definição já ser possível imaginar perfeitamente o som, vamos, naturalmente, destrinchá-lo. Do primeiro minuto ao último, Vanishing Point apresenta uma banda tocando um som forte, enérgico e vigoroso. Parece mentira que os integrantes já são coroas. “Slipping Away”, a faixa de abertura e a melhor do disco, mostra todos os ingredientes desse Mudhoney, as guitarras sujas e o vocal Iggy Popist de Mark Arm soando mais forte do que nunca. A irreverência da banda, inclusive, está presente por todo o disco, principalmente na parte lírica, sempre com muito humor. Clássico verso em “Slipping Away”: “baby baby, ow baby, yeah!... “ah ah ah ah, oh oh, goddamn!” Num momento da música, fica só o ritmo da bateria de Dan Peters, enquanto Arm vai aumentando o som no “slipping.... awaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaayyyy”, no bom e velho estilo Mudhoney, seguido por mais um solo de Turner. A faixa seguinte é o primeiro single de Vanishing Point, “I Like it Small”, que mostra como a banda está satisfeita por ser pequena, por representar o underground, simplesmente gostar de ser pequeno.No vídeo, parece ser toda a equipe da Sub Pop cantando em coro no final “i like it small!”
O senso de humor continua com “What to Do With The Neutral”, cuja letra é quase uma análise filosófica de como lidar com o fato de ser neutro. A contradição do conteúdo e a seriedade na forma com que Arm canta essa música, fica muito interessante, parece bem que poderia estar em algum livro de Nietzsche. Toda a fúria do punk está presente na curta e veloz “Chardonnay”, com direito a todos seus palavrões, demonstrando o lado mais selvagem, um desabafo com a cena musical hoje em dia, que tem como as bandas do mês. Arm berra: “get the fuck out of my backstage!” Quase na velocidade do vento, quando chega em “The Final Course”, nos damos conta que já passaram cinco faixas muito boas.
Se você acha que o nível cai na metade final, está muito enganado. As últimas cinco músicas ainda nos reservam bons momentos e mais faces da banda, como sendo arrastado pelos riffs estilo Sabbath em “In This Rubber Tomb”, ou a faceta mais melódica da banda, como “Sing This Song of Joy” e seu refrão “i sing this song of joy for all the girls and boys dancing on your grave”.
A agressividade, indiferença e desprezo também estão presentes, dessa vez em “I Don’t Remember You”, com o refrão firme e Mark Arm exclamando it’s clear to me you’re the same piece of shit”. “The Only Son of The Widow of Nain” é outra com veia no punk e Arm declarando que não está acabado: “I’m coming back, I’m coming back, for more!”, mais um vocal sensacional de Mark Arm em seus plenos 51 anos de idade. Incrível. Vanishing Point se esvai com a bem humorada “Douchbags on Parade ”, criticando mais uma vez o mainstream. “Here they come, they’re all numer one, i want a number two".
Vanishing Point chega ao fim com a missão cumprida. Afinal, a intenção era mostrar uma banda honesta, íntegra, com consciência de si própria, em relação a seu papel e sua posição. É uma velha banda rejuvenescida, como se tocar fosse uma máquina do tempo que a transportasse para vinte anos atrás, tocando essas mesmas músicas.
The National já começa a se movimentar para promover seu novo álbum, o sexto da carreira, Trouble Will Find Me, que tem lançamento previsto para dia 20/21 de maio. Na semana passada, a banda já fez a estreia de algumas músicas do disco em uma apresentação surpresa em Berlin. Agora é a vez de divulgar o vídeo do primeiro single de Trouble Will Find Me, “Demons”. O clipe é bastante interessante, mostrando um artista desenhando a belíssima arte da capa do álbum. Confira:
Phosphorescent é um projeto de banda de um homem só. E o homem por trás da banda chama-se Matthew Houck, que há dez anos estreou com o álbum A Hundred Times or More, sempre mostrando um country indie depressivo e cheio de melodias irresistíveis. Ano após ano e a cada novo lançamento, Houck foi conquistando espaço e se desenvolvendo como compositor e cantor. As primeiras composições, eram sempre com um acompanhamento musical bem simples, basicamente um violão ou guitarra, uma leve bateria aqui ou ali, assim como alguns toques no piano. O foco e a beleza estavam nas letras e melodias arrepiantes. No entanto, nos últimos três discos, Houck estava claramente tentando desenvolver-se também musicalmente, como, especialmente em Pride, de 2007 e Here’s To Talking Easy, de 2010. Ambos podem ser considerados como trabalhos bem sucedidos, ainda que apresentassem claramente Houck como um compositor ainda que não entregava-se integralmente à sua genialidade. Nesses trabalhos, há flashes de momentos marcantes e apoteóticos, como “Wolves”, “My Dove, My Lamb”, “Cocaine Lights”, “It’s Hard To Be Humble (When You’re from Alabama)”, dentre algumas outras. Nas demais, ainda que mantendo um nível interessante de qualidade, diante dessas, dava para notar que ainda faltava algo. Esse algo que faltava foi completamente extinto na maravilhosa obra que nos chega esse ano, com o lançamento de sua obra-prima Muchacho, seu sexto álbum e de longe, seu melhor.
Após o preâmbulo, ou uma invocação, de “Sun, Arise! (An Invocation, An Introdution)”, como sugere o título, a diferença na composição de Houck já mostra-se latente na mais bela, charmosa e sexy música do ano até agora. “Song For Zula” mostra um lado completamente novo, com arranjos modernos e eletrônicos na medida exata, revelando uma influência do soul. Os primeiros segundos até lembram “Black Tie White Noise”, de David Bowie. Em termos das letras, são um caso a parte em praticamente todas as faixas. Essa, por exemplo, mostra a visão cética de um amor que não deu certo, questionando a visão tradicional do amor e, após a experiência fracassada, na qual ele se vê desfigurado, preso e sem reconhecer a si mesmo, destaca “i will not open myself up this way again”. A faixa chega ao fim e o ouvindo é deixado sem fôlego para se libertar um pouco com a seguinte, “Ride On, Right On”, também dançante e gostosa de se ouvir, como se tivesse andando pela cidade à noite ouvindo essa música no fone de ouvido.
“Terror In The Canyons (The Wounded Master)” mostra um ritmo mais lento e diferente das duas predecessoras, com uma percussão bem tropical, no bongô. A letra é bem direta e há um pouco de ressentimento escondido e disfarçado com frieza. “And you’re telling me you’re leaving, and i’m telling you to go, and i`m not so sorry for the heart-wreck”, sentimento que reaparece em alguns outros momentos, mais especificamente na faixa seguinte, a também ótima “A Charm / A Blade”, onde Houck mais uma vez crava friamente: “hey cut my heart but do it fast, we don’t want this hurt to last”. O refrão é bem grandioso, cheio de cores e arranjos, com trompetes e orquestra, lembrando um pouco os Beatles.
“Muchacho’s Tune” é outro ponto máximo do disco. Houck chegou ao esgotamento físico e psicológico depois da turnê do último trabalho, em 2010, precisando de parar um tempo. Assim, ele passou uma temporada no México, dai a inspiração para o nome do álbum, Muchacho. Houck chegou a dizer em entrevista para a Pitchfork que suas letras são tão pessoas e dolorosas que o surpreende inclusive conseguir cantá-las. É assim que segue “Muchacho’s Tune”, com Houck mostrando-se praticamente nu, quase como uma prece desesperada para a personagem mais forte e segura que conhecemos, a mãe. Ele suplica, despedaçado: “i’ve been fucked up, i’ve been a fool(…) I’ll fix myself up, to come and be with you”. Belíssima música.
O clima de depressão sagrada continua em “A New Anhedonia”, com a voz de Houck sangrando ao final de cada verso. A música se arrasta no violão e no piano, enquanto no refrão aparecem delicados arranjos vocais. “The Quotidian Beasts” é, pasmem, mais uma perfeita, quase épica, fazendo uma mistura de Bob Dylan com Neil Young. A letra é também sensacional, o desejo de sangrar, de sofrer. “i said ‘it’s you took your claws you slipped ‘em under my skin, there’s parts that got outside, honey, I want to put ‘em back in”. Perfeita. A transição de uma estrofe para outra também é feita de forma magistral, uma orgia de sons e coros. Com “Down To Go”, mais uma balada country no piano linda, Muchacho caminha para seu final, já que “Sun’s Arising (A Koan, An Exit)”, é, naturalmente, o desfecho e a conclusão do que foi aberto após a primeira música.
Ou seja, Muchacho é a completa realização de um grande compositor que finalmente se encontrou e amadureceu. Belíssimas, completas e complexas composições fazem desse um álbum irresistível, do início ao final, tornando-se artífice no que se refere ao trabalho de compositor.
Hoje é um dia especial para a música. Principalmente para nós, que somos o Filho do Blues. É dia de celebrar o centenário de uma das maiores lendas, uma das maiores influências do blues, o que decretou “the blues had a baby and they named it rock n’ roll” e inspirou o nome deste humilde blog. O homem que inspirou Rolling Stones, Eric Clapton, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, dentre outros inúmeros nomes gigantes que moldaram e criaram esse gênero chamado rock n’ roll.
Nascido em 04 de abril de 1913, sob o nome de Mckinley Morganfield, que abandonou para transformar o mundo como Muddy Waters. O pseudônimo veio pela paixão de tocar junto das águas lamacentas do Rio Mississipi quando ainda criança. A partir de 1955, ele usou 1915 como seu ano de nascimento, sendo inclusive marcado no seu túmulo, embora documentações antes disso, como certidões de casamento e cartão da união dos músicos, tenham apontado de fato para 1913. Outros documentos ainda listam como 1914. Mas não importa. O que realmente vale, além de termos a chance de comemorarmos o seu centenário por três anos, é celebrarmos mais ainda seu legado.
Muddy Waters, vamos chamá-lo assim, passou sua juventude na lendária Plantação Stovall – Stovall Plantation – e é inegável sua parcela de participação na construção do seu talento artístico e musical. Stovall Plantation é tido como o lugar de nascimento do Blues e hoje em dia é o local do Museu Delta Blues, na cidade de Clarksdale, em Mississipi. Ele começou tocando gaita, juntamente com outros bluesman que estavam se tornando populares naquela região, ninguém menos que Charley Patton, Son House e Robert Johnson. Mas não era vida mole para esses caras. O blues era um meio de expressão, de relatar suas paixões, suas dores e suas lutas no dia a dia das plantações de algodão. Em todos eles, essa fase de trabalho pesado nas plantações foi marcante até o final de suas vidas. Quando tocavam no sábado a noite, nenhum deles imaginavam que iriam mudar a música e levar aquela tímida cena formada por negros americanos trabalhadores para o próximo passo em direção à história. Em 1943, Muddy Waters, acreditando em seus sonhos de músico, mudou-se para Chicago levando consigo o Delta Blues. Lá, ele criou o Chicaco Blues. Com a ajuda de Big Bill Broonzy, que abriu as portas no mercado de músicos em Chicago, Muddy estava trabalhando durante o dia e tocando seu blues nos bares à noite. Em 1945, mais um fato que iria moldar a música de Muddy Waters. Seu tio, Joe Grant, lhe deu sua primeira guitarra elétrica, o que tornou possível ele se fazer ouvido por cima de audiências barulhentas.
A partir daí Muddy Waters foi construindo seu legado, sempre como um grande compositor, dono de uma voz forte, inconfundível, além de, claro, um talentoso e habilidoso guitarrista, sempre com seus belos solos de slide. No final da década de 40, a lendária The Chess Records começou a trabalhar com ele e a partir daí começou a surgir os primeiros clássicos, como “I Can’t Be Satisfied” e “(I Feel Like) Goin` Home”. Até aí, o rock n’ roll não passava de espermatozóides no saco de vários desses bluesmen que circulavam pela cidade. Com o sucesso feito por essas duas faixas, Muddy começou a gravar acompanhado por uma banda que tinha “somente” Little Water na gaita e Jimmy Rogers na guitarra. Essa banda foi crescendo e transformando a cena do Blues de Chicago, com uma música poderosa e inovadora. Outro futuro grande nome a entrar para a banda em 1953 foi o pianista Otis Spann, que foi, juntamente com Muddy Waters, uma das grandes referências da banda, mesmo após a saída de Little Water e Jimmy Rogers na década de 60 para darem início a suas carreiras solos. Para se ter uma idéia da potência e significado dessa banda na década de 50, eles gravaram sucessos como “Rollin’ And Tumblin’”, “I’m Ready”, “I’m Your Hoochie Coochie Man”, “Trouble No More”, “Got My Mojo Working”, “Mannish Boy” e “I Just Want To Make Love With You”. Ou seja, pode perguntar a todos esses nomes do rock que eu citei ali em cima. Essas músicas eram o que eles andavam tocando nas suas garagens antes de conquistarem o mundo. Juntamente com seu antigo parceiro Little Water e o surgimento do gigante Howlin’ Wolf, essa era a cena de Chicago, da qual Muddy Waters era o rei.
Mas como tudo tem seus altos e baixos, o fim da década de 50, como um filho recém nascido ingrato e que só faz bater e chorar para o pai, o surgimento do rock n’ roll tirou as atenções desses artistas de Chicago para os novos ícones do rock. Mas aí acontece outro fato que terminou de desencadear os acontecimentos das décadas seguintes, até hoje. Em busca de um novo público, Muddy Waters embarcou para a Inglaterra em 1958 e - como dizê-lo? – foi revolucionário, incendiário, e conquistou a audiência inglesa (mas também teve seus momentos de vaias, por ser muito “elétrico” antes do seu tempo). Sem essa viagem, talvez a paixão que os britânicos haviam criado pelo blues, houvesse arrefecido. Talvez Rolling Stones não fossem os Rolling Stones. Eric Clapton não tivesse feito o The Yardbirds ou o Cream. Enfim, talvez não houvesse ocorrido a Invasão Britânica. Foi dessa época o show memorável de Muddy Waters no Newport Jazz Festival, em 1960, do qual foi feito seu primeiro disco ao vivo. Dessa forma, a década de 60 ainda rendeu bons álbuns para Mudy, como principalmente Fathers and Sons.
Com a explosão dos Beatles, a Invasão Britânica, o blues foi sendo pensado cada vez mais para a audiência branca que estava se interessando pelo gênero. Toda essa fase foi marcada por essa absorção do espírito do blues para o público de massa. Em 1972, Muddy gravou com um banda nova, formada por Rory Gallagher, Steve Winwood, Rick Grech e Mitch Michell, mas a química não foi a mesma encontrada com as bandas passadas. Muddy falou “esses caras são músicos dos melhores, eles podem tocar comigo, colocar a partitura na frente deles e eles tocarem, você sabe, mas não é disso que eu preciso vender para o meu público. Esse não é o som de Muddy Waters. E se vocês mudarem meu som, então vocês vão mudar o cara como um todo”. Pouco depois ele ficou sem contrato com a gravadora.
Mas esse não foi o fim. Em 1977, um grande fã de Muddy Waters, o bluesman Johnny Winter, convenceu a sua gravadora, Blue Sky Records, a contratá-lo e o próprio Winter produziu o primeiro disco, que juntou Muddy com sua banda de viagem, o que gerou o fez renascer com um novo clássico, o álbum Hard Again. Foi um sucesso, com um som cru e vigoroso, foi ovacionado pelo público e pela crítica, garantindo ainda para Muddy Waters alguns prêmios, como um Grammy Award por Best Traditional or Ethnic Folk Recording. Depois disso veio uma das mais bem sucedidas turnês de sua carreira, dividindo o palco com Eric Clapton e Rolling Stones. Ainda deu tempo para dois bem sucedidos trabalhos com Winter, I’m Ready de 1978 e King Bee.
Mas a saúde não dura para sempre e em 1982 ela começou a dar sinais de cansaço. No ano seguinte, em 1983, Mckinley Morganfield, ou melhor, Muddy Waters, tomba finalmente vítima de um ataque cardíaco em sua casa, Westmont, Illinois, que desde então vem mudando nomes de ruas em homenagem a esse bluesman. Mas se a saúde não é eterna, felizmente, o seu legado é e ainda permanecerá intocado por gerações e gerações ainda vindouras. E em 2113 (ou 2114 ou 2115, que seja!) outros estejam celebrando o duplo centenário dessa lenda!
O último dia do Lollapalooza Brasil 2013 tinha tudo para ser ressacado. Após shows como os do sábado, ou se ficou muito bêbado assistindo em casa – como eu – ou amanheceram com o corpo todo quebrado – para quem estava lá. No entanto, ainda havia mais um dia e uma grande banda. O line-up do domingo foi, talvez ainda mais do que a sexta, o mais tímido. Mas tinha o grande e esperado show de Pearl Jam, fato que eu nunca poderia ignorar. Foi exatamente por isso que a grande decepção do Lollapalooza Brasil 2013, pelo menos para quem ficou em casa assistindo, foi a proibição de transmissão ao vivo da apresentação de Pearl Jam. Aproximadamente às seis horas da noite, a Multishow emitiu um comunicado informando que a banda não havia autorizado a transmissão do show do Pearl Jam ao vivo e, por esse motivo, iriam encerrar as atividades diretamente do festival mais cedo. Essa notícia, como grande fã de Pearl Jam, me pegou bastante desprevenido. Para quem conhece e é fã da banda e sabe de sua trajetória, com certeza teve a mesma reação. Essa atitude não condiz com tudo o que a banda fez nesses mais de vinte anos de estrada, sempre respeitando, fazendo e pensando o melhor para os seus fãs, inclusive comprando uma guerra “suicida” contra a gigante empresa de ingressos Tickermaster, em meados da década de 90. Pois, enfim, para mim essa foi a decepção do Lollapalooza Brasil 2013, vinda de uma de minhas bandas favoritas.
Dessa forma, perdi todo o interesse nos outros shows. Ou quase. Isso seria um erro que faria passar despercebida a grande apresentação da banda brasileira Planet Hemp e toda sua quota de energia, sarcasmo, críticas e fumaças. Com uma apresentação dividida em três atos, cada qual tendo seu grande hit para ajudar o público a empunhar seus cigarrinhos de maconha e endoidar de vez. No primeiro ato, chamado “O Usuário e a Luta pela Legalização da Maconha”, teve suas cinco músicas para todo mundo pular, como “Legalize Já!”, “Dig Dig Dig (hempa)”, e “Fazendo a Cabeça”. Já o segundo ato, “Os cães ladram mas a caravana não para”, contou com “Queimando Tudo”. Para o terceiro e último ato, “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça”, teve ainda uma bela e emocionada homenagem a Chorão, com a música de Chico Science, “Samba Makossa”. Para finalizar o show, o clássico máximo “Mantenha o Respeito”.
Um ótimo show, principalmente quem pôde matar a saudade dessa banda no clima nostálgico do final dos anos 90. Muito bom.
Quanto ao show de Pearl Jam, diante de muita insistência e revolta dos fãs, a banda autorizou o Multishow a transmitir somente uma vez a apresentação no Lollapalooza no sábado, seis de abril, às 21h30. Para o padrão de setlist de Pearl Jam, o show foi bastante burocrático, bem típico de show planejado para público de festival, com muitos hits e poucas surpresas. Mas, afinal, é Pearl Jam. E, com certeza, irei conferir.
O segundo dia do Lolla começou com uma surpresa. Eu já estava um pouco decepcionado achando que iria perder dois shows que estava ansioso para ver. Mas, quando começou a transmissão, Gary Clark Jr estava começando a tocar no palco alternativo no canal Bis para meu alívio e felicidade. A surpresa só me deixou desfalcado de cerveja, que tinha programado para ir comprar só mais tarde, mas enfim.
Gary Clark Jr já começou dando o seu melhor do blues, com sua melhor música, “When My Train Pulls in”, acompanhada pelos seus épicos solos de guitarra, empolgante do início ao fim. O público desde o início parecia absorvido pelo som. Sensacional. Até agora só com a primeira música, Gary Clark Jr já tinha dado a melhor apresentação do festival. O show seguiu animado e com bastante energia, principalmente pela magia com que Clark Jr toca sua guitarra, é um espetáculo à parte, habilidade técnica impressionante, emoção e performance. Tudo isso conquistou de cara o público. Não é à toa que às vezes ele é chamado de Jimi Hendrix contemporâneo. Depois de duas na porrada, Gary Clark Jr mostrou seu lado mais delicado, com uma balada simplesmente linda. Depois de mais uma rápida, ele paga magistralmente seu tributo a Jimi Hendrix, com “Third Stone From The Sun / You Love Like You Say”. A Jam que ele faz entre as música é ainda mais incrível do que a presente no álbum Black and Blu, Depois ele emenda com outra épica faixa do disco, “Numb”, para quem achava que era impossível viajar ainda mais na guitarra e no blues. Na sequência, mandou mais uma bem forte, “Ain’t Messin Around”, com uma tag de “Satisfation”, dos Stones. Então, ele resolve abaixar o ritmo e mandar outra balada irresistível a soul “Black and Blu”, misturando-a com “Bright Lights”.
O show de Gary Clark Jr. é exatamente o que se espera de um ótimo artista iniciante a fim de conquistar novos públicos. Quem já conhecia, certamente virou ainda mais fã. E quem não conhecia, com certeza ficou marcado pela apresentação e chegará em casa para pesquisar quem, afinal, é Gary Clark Jr.
O segundo grande show da noite veio também do palco alternativo, com Alabama Shakes fazendo jus à posição de destaque que conquistaram com o disco de estreia, Boys & Girls. Brittany Howard veio vestida como que para uma premiação, com uma escova boa no cabelo e abrindo com o primeiro hit do grupo “Hold On”. A voz dela está em ótima forma, assim como sua presença de palco. O repertório, como não poderia ser o contrário, foi todo baseado no sucesso de Boys & Girls, tocando suas músicas de maiores sucessos, como “Rise to The Sun”, “Heartbreaker”, “Be Mine”, esta última com Brittany libertando-se da guitarra e se soltando mais no palco. Também teve, claro, a melhor música da banda, “You Ain’t Alone", com mais um show de Brittany. Fico aqui devendo os vídeos de ambos os shows, na esperança de que alguma alma boa tenha gravado a transmissão do Multishow e coloque disponível no youtube.
Como Alabama Shakes foi na mesma hora que Franz Ferdinand, só deu para conferir os minutos finais, com o empolgante clássico “This Fire”. Finalmente estava chegando os dois grandes shows do festival, começando por Queens Of The Stone Age. No palco, tudo o que faz dessa uma das maiores bandas da atualidade, com um setlist praticamente perfeito, com todos os clássicos que a gente pode querer, do início, com “The Lost Art of Keeping A Secret”, do clássico Rated R, passando por “No One Knows”, outro grande hit, dessa vez de Songs for The Deaf, álbum que teve a participação de Dave Ghrol, que também está presente no novo disco da banda. Falando no novo álbum, que sai no meio do ano, entre a contagiante empolgação do público com clássicos, teve tempo para a estreia de uma nova faixa “My God Is The Sun”. Em algumas músicas do Songs For The Deaf, a gente sente muita falta do grande vocal de Mark Lanegan, principalmente em “Hangin’ Tree”. A sequencia final matadora de “Do It Again”, “Go With The Flow” e “A Song for The Dead” cravaram o show como memorável. Contando com as três apresentações que QOTSA já fez no Brasil, no Rock In Rio 2001, com a banda aparecendo pela primeira vez e Nick peladão, no SWU de 2011, já consolidada e com moral no cenário musical e esse show no Lollapalooza, certamente este último foi a mais completa performance, em termos de música e banda.
Eu diria que pela história, Queens of The Stone Age mereceria fechar a noite de sábado do Lollapalooza. Mas a partir do momento que The Black Keys entra no palco, a reação do público mostra o porque da escolha deles como atração principal do dia. O sucesso de El Camino foi incrível e a plateia cantando todas as músicas até ficar sem fôlego completam a transição que a banda teve do garage dos primeiros anos para o mainstream. Performance de uma banda totalmente amadurecida e que sabe que tem o público na palma das mãos. Muitas das músicas fizeram todo mundo pular, mas os destaques vão especialmente para “Next Girl”, “Dead and Gone”, “Gold On The Ceiling” e, claro, a belíssima “Little Black Submarines” e o grande clássico “Lonely Boy”.
Se no primeiro dia a promessa ficou parcialmente cumprida, com o show estático de Flaming Lips, o segundo dia resumiu tudo o que um grande festival deve ter. Bandas revelações, nas presenças de Gary Clark Jr e Alabama Shakes, e shows empolgantes de bandas gigantes como Queens of The Stone Age e The Black Keys.
O Lollapaloola Brasil 2013 começou, e logo do início eu percebi que iria perder shows muito interessantes, porque a transmissão da Multishow tanto pelo canal da tv quanto pela web só começou às três e quinze. Isso quer dizer que perdemos o show de Agridoce na sexta feita, mas também significa que perderemos os shows de Alabama Shakes e Gary Clark Jr, no sábado, ambos shows que muito eu ansiava. A transmissão começou com o show de Of Monsters and Men, que fez uma apresentação normal, sem grandes surpresas ou destaques, que é o que normalmente se espera de uma banda que toque numa situação dessas, para atrair novos públicos. The Temper Trap fez inclusive eu desistir por uns momentos e assistir o início do jogo do PSG contra o Montpellier pelo campeonato francês. Mas antes de começar a melhor atração do dia, que era sem dúvidas The Flaming Lips, Cake tratou de reanimar a galera, inclusive nós, que estávamos do outro lado da tv, com um show bem interessante, já começando com “Love You Madly” e a sequência “I Will Survive” e “Never There” e o final com o cover de Black Sabbath “War Pigs”.
Flaming Lips entrou logo no palco provando por que eles são a banda mais louca do mundo, com Wayne carregando uma dessas bonecas de braço e começa com o mais psicodélico possível. Dava para imagina com a tentativa de entrevista com Didi antes de entrar no palco. Didi tentou fazer uma pergunta, mas simplesmente Wayne não tinha o que responder e lançava ainda mais perguntas. Afinal, é disso que se trata de um show de Flaming Lips hoje em dia. O show foi todo baseado no novo disco e os efeitos visuais foram, de certa forma, impressionantes, com belos efeitos de luzes, dignos do filme Avatar, embora o show não tenha sido, para quem estava esperando grandes sucessos do grupo. O álbum The Terror não parece ser o ideal para se tocar em festival. E talvez por isso mesmo, é a escolha da banda tocá-lo na integra. Nada que seja convencional satisfaz Wayne e sua banda. Mas depois da segunda música eles tocaram “The W.A.N.D”, para animar mais um pouco, mas sempre com as loucuras teatrais de Wayne e seu bebê. A apresentação é normalmente difícil para o público, o que fica comprovado com as imagens de cima do público, com todas as cabeças paradas, simplesmente vendo o que pode ser feito no próximo segundo. Afinal de contas, é disso que se trata um show de Flaming Lips, o inusitado sendo multiplicado ao máximo.
O psicodelismo vai sendo levando ao extremo no decorrer das próximas músicas, como “Try To Explain”, do novo disco the Terror, com Wayne semnpre segurando seu bebê no colo. Mas ai emenda com “Silver Trembling Hands”, ainda pedindo uma ajuda no final com seus “ohhh”. “You Lust” é mais uma do novo disco. Depois, Wayne volta a pegar a bebezinha nos braços. Mas eles parecem que querem mesmo ser tão loucos quanto possível. Continuam mandando as novas músicas do novo disco, mesmo com a recepção fria do público em geral. A metade final do show foi sem dúvida alguma a melhor. Afinal, ele emendou pela primeira vez uma sequência de hits, como “Are You a Hypnotist?” “One More Robot”, “Yoshimi Battles the Pink Robots, Pt 1” e, finalmente, “Do You Realize”. Concluiu o show com a bela “All We Have Is Now”.
Mesmo com o esforço reconhecido na metade final do show, a primeira banda realmente aguardara acabou se tornando um pouco fraca, esperava mais do setlist, apesar de visualmente a apresentação ser sensacional, muito linda e hipnótica.
Apesar de ser fã de Flaming Lips, devo tirar o chapéu para o The Killers. Inicialmente, vendo o line-up, não conseguiria imaginar the Killers à frente de Flaming Lips. Mas, após o primeiro dia, posso ficar tranquilo quanto a isso. Não que eles tenham sido melhores, mas eles realmente levantaram muito mais o público do que Flaming Lips, “Somebody Told Me” é um dos bons exemplos disso.
A sexta havia acabado. E que venha o sábado. Ele veio, com todas as suas promessas realizadas.