quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Resenha de John Mayall - Find a Way to Care


Alguns músicos cravam seus nomes na história da música tanto pelo seu trabalho produzido quanto pelos serviços prestados de preservação cultural. É o caso da tríade britânica que mudou os rumos do blues na década de 60. John Mayall, Eric Clapton e Rolling Stones (Mick Jagger e companhia) foram os principais responsáveis por (re)apresentar o gênero do blues para o grande público branco dos Estados Unidos. Até então, o blues era uma manifestação cultural da comunidade afro-americana altamente centralizada nas áreas rurais do Sul dos Estados Unidos e nos bairros negros dos grandes centros industriais do Norte. Após a invasão britânica, os brancos passaram a consumir o blues tanto – ou mais – do que a própria população negra, cujo interesse musical fragmentava-se diante dos gêneros derivados do blues e jazz, como o soul e funk. Já tendo seus nomes marcados na história, Mayall, Clapton e, em partes, os Stones, no entanto, permanecem ativos.

Tocando blues há 70 anos – e profissionalmente há 50 -, John Mayall, o “Godfather of The British Blues”, –, apenas um ano após o último álbum, A Special Life, mostra que, aos 82 anos, ainda permanece com um fôlego interminável e lança seu mais novo disco, chamado Find a Way To Care, no qual mostra uma habilidade específica que não havia ainda sido muito explorada; com a ajuda da banda que o acompanha há anos, com uma seção de metais sempre presente, John Mayall sente-se confortável o suficiente para dedicar-se mais ao piano e ao teclado.  Na verdade, o teclado e/ou piano são os instrumentos de mais destaques de Find a Way To Care. De uma forma ou de outra, dividindo o espaço seja com guitarras, gaita e metais, através de solos ou apenas acompanhamentos tímidos, o teclado e piano estão sempre lá marcando presença.  É o caso de “The River’s Invitation”, na qual seção de metais faz um belo trabalho, apoiando Mayall em seus vários solos de teclado, que continuam em “Ain’t No Garantee”, com um ritmo mais para o funk, puxado pelo baixo; em “I Feel So Bad”, clássico de Lighnin’ Hopkins, que é totalmente repaginada por Mayall e tocada numa versão mais agitada e dançante, com mais uma presença marcante dos metais e do teclado.




Mayall também é conhecido por explorar nas composições próprias um pouco mais além o campo lírico do blues, indo além de lugares-comuns do gênero. A faixa que dá título ao álbum, “Find a Way To Care”, possui letras bem reflexivas, sobre mudanças sociais recentes e a necessidade de continuarmos tentando: “times are changing now, we gotta do the best we can”. Uma tentativa de colocar um pouco de otimismo nesse nosso mundo desolado em que vivemos.  Para um artista de 80 anos, pode-se dizer que Mayall já viu mudar muita coisa. “Long Summer Days” é nostálgica, com Mayall retomando suas memórias da infância na fazenda na Inglaterra.



Os outros destaques utilizam a fórmula mais tradicional do blues: gaita, piano, guitarra. “Mother In Law Blues” inicia o álbum com extrema elegância e qualidade, com uma letra clássica do blues sobre despedidas e abandonos, através de uma mecânica bem interessante entre gaita, guitarra e piano. No meio de versos característicos do blues (como “it was early in the morning” e “saw my baby walk away”), Mayall ainda cria algumas imagens poéticas, como no trecho: “I know she heard me calling she looked back and waved her hand / she said ‘I’m so sorry baby, you’re just footprints in the sand’”. Em relação à voz, Mayall mostra que ainda consegue cantar com vigor e intensidade. A versão para “Long Distance Call”, do lendário Muddy Waters é outro exemplo: em grande parte mantendo-se fiel à original, Mayall nos entrega uma versão honesta e impecavelmente executada, utilizando-se dos solos para dar seu toque especial, dessa vez no piano. Na maliciosa “I Want All My Money Back” Mayall se defende das aproveitadoras de plantão “you’re using me, i think you’re just using me, if you don’t do something I like I want all my money back”. Outra cover magnífica executada por Mayall e sua banda é “Drifting Blues”, também uma das preferidas de seu amigo conterrâneo e guitarrista, Eric Clapton. John Mayall finaliza de forma solitária, com a faixa “Crazy Lady”, só ele e o piano, de acordo com a longa tradição de pianistas de New Orleans, como Professor Longhair.

Tal qual Leo “Bud” Welch, dois álbuns em dois anos para um músico com mais de 80 anos é algo extraordinário. No caso de John Mayall é ainda mais surpreendente pelo fato do músico já estar há mais de 50 anos no ramo profissionalmente. Não é um álbum que se equipare aos clássicos da década de 60 e 70, tanto pela sua importância musical e histórica, mas para quem acompanha e é fã da extensa carreira de John Mayall é com certeza uma ótima pedida. 


Um comentário: